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Cracolândia: por que os mesmos problemas permanecem?

Prefeitura de SP inicia processo de transferência de moradores dos hotéis do antigo programa Braços Abertos para centros temporários de acolhimento do atual Redenção

São Paulo|Fabíola Perez e Márcio Neves, do R7


Há quase 30 anos, a população de São Paulo enfrenta o drama do consumo desenfreado de crack na região central da cidade. Pior do que isso: convive com as trágicas conquências de um processo de desumanização e abandono social.

Alvo de diferentes gestões municipais, a Cracolândia se consolidou em função da ausência de políticas públicas de urbanização e saúde. Ao longo dos anos, a ideia de dispersar moradores de rua que fazem uso de substâncias psicoativas por meio da truculência policial ganhou força entre as autoridades e respaldo entre parte da população.

O problema social, no entanto, persiste e gestão após gestão se enraíza ainda mais no cenário urbano da cidade.

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Na sexta-feira (26), uma equipe coordenada pelo chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, José Antonio de Almeida Castro, fechou o hotel Santa Maria, na rua Barão de Limeira, que hospedava usuários de entorpecentes pelo programa De Braços Abertos, criado pelo ex-prefeito Fernando Haddad, para transferir os moradores para centros temporários de acolhimento.

A remoção deve acontecer também nos outros seis hotéis que integram o programa anterior.




“Complicou a vida”, diz Márcio Rodrigues Dourado Filho, ex-morador do hotel Santa Maria. Segundo ele, no começo da semana uma equipe sem identificação foi ao hotel, fez uma vistoria e foi embora.

Quatro dias depois, sem avisar, vieram e tiraram os moradores do hotel: “A mesma equipe veio e acordou a gente como se fossemos animais, porque tínhamos que sair assim, de imediato”, conta o ex-morador.


Condições de acolhimento

De acordo com Castro, o hotel não possuía condições de acolhimento. “Os hotéis possuem problemas graves, como quartos sem ou com pouca ventilação, fiações expostas, problemas com a limpeza, infestação de insetos e a segurança dos prédios”, afirma. “As condições precárias acabam interferindo, inclusive, no atendimento médico aos usuários.”

Segundo o chefe de gabinete, as equipes de assistência social informaram os moradores sobre a transferência na segunda-feira (22). Viviam no espaço 28 pessoas. Dessas, 15 foram encaminhados para os centros temporários, três recusaram, três não estavam no hotel e estão sendo localizadas, duas se deslocaram para um hotel no Parque Dom Pedro e uma pessoa está internada. 

Márcio está entre os moradores que foram para um hotel no Parque Dom Pedro. Ele disse que optou por ir para lá, pois no centro de acolhida não tinha onde deixar seus pertences e faltava privacidade. "Eu gostava de chegar do trabalho [que faz parte do projeto braços abertos] e ir dormir um pouco, lá no centro de acolhida, eu só podia ter acesso às beliches após às 22h, por isto decidi pagar R$50 e ir para o hotel", justifica o ex-morador do hotel Santa Maria.

Segundo a prefeitura, o hotel Santa Maria foi interditado pela Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa), vinculada à Secretaria Municipal de Saúde. “As informações que temos é de que os outros hoteis apresentam condições tão ruins ou piores do que esse”, diz Castro.

A administração do hotel Santa Maria é realizada pelo Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), uma organização social que presta serviços de saúde e possui convênio com a prefeitura.

Questionado sobre o contrato com a atual gestão, Castro informou que o convênio com a secretaria ainda está vigente. “No entanto, os departamentos responsáveis estão se encarregando do encerramento do contrato”, afirma.

Os recursos eram repassados à organização, porém, segundo o chefe de gabinete, a organização teria a responsabilidade de oferecer a manutenção aos serviços e à prefeitura caberia fiscalizar o que estava previsto em contrato. Segundo a prefeitura, embora fosse administrado pelo Iabas, o imóvel pertencia a um proprietário privado.


Os centros temporários de acolhimento para onde foram levados os moradores dos hotéis fazem parte do programa criado pelo atual prefeito João Dória (PSDB-SP). Segundo o órgão, são três mil vagas, com quartos, banheiros e espaços de convivência para os usuários de substâncias psicoativas.

“O fato de as pessoas serem encaminhadas a esses não significa que elas permanecerão neles”, afirma Maria Angélica Comis, psicóloga, coordenadora do centro de convivência “É de lei” e ex-assessora de política sobre drogas da prefeitura. “O receio é que essas pessoas voltem às ruas.”

A possibilidade de moradia é fundamental aos usuários de substâncias psicoativas, uma vez que a situação de rua acentua o consumo da droga e fragiliza as condições de saúde do usuário. “Essas pessoas precisam de moradia e baixas exigências. Uma política com regras inflexíveis não funciona na prática”, afirma. “Eles precisam de um acompanhamento em liberdade, pautado no estabelecimento do vínculo.”

A especialista afirma que apesar de oferecerem oportunidades de ingresso no programa “Trabalho Novo”, há relatos de falta de flexibilidade em relação aos horários de entrada e saída dos estabelecimentos. “Isso descaracteriza a moradia."

Negligência

Para a especialista, desde janeiro do ano passado a gestão municipal vem negligenciando o programa De Braços Abertos. “Os hotéis não receberam a devida manutenção por isso ocorreu um desmonte”, diz a psicóloga. “Trata-se de uma decisão política.” Além disso, um dos problemas do programa Redenção, para ela, é que a intersetorialidade não ocorre. “Hoje, o programa está ligado, sobretudo, à secretaria da saúde, o que vem tornando as ações policiais mais truculentas”, afirma.

Os hotéis, segundo ela, eram administrados por meio de assembleias, das quais participavam equipes das secretarias do trabalho, da saúde e moradores. “Desde janeiro de 2017, a falta de coordenação dificultou muito manter esses espaços em ordem.”

Por isso, enquanto políticas que não abordem questões estruturais responsáveis pela expansão da Cracolândia — como a reforma da lei de drogas, projetos focados no tratamento e atenção à saúde de forma prioritária e não apenas a repressão policial e a reforma física do espaço —, o fenômeno continuará a resistir anos a fio no centro da cidade.

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