Desocupação de prédios em SP traz degradação e contradições urbanas
Situação dos prédios e casas abandonados é a pior da América Latina. Prefeitura tem projeto de recuperação, mas adesão é baixa
São Paulo|Eduardo Marini, do R7
As últimas ondas de baixa temperatura e frio cruel em São Paulo e no Brasil recolocaram na ordem do dia uma questão importante: por que a capital paulista tem tantos prédios e imóveis desocupados e em situação de abandono, sobretudo na região central? E outra: o que o poder público e os responsáveis por essas edificações podem fazer, legalmente, para solucionar o problema?
Pelos mais variados motivos, São Paulo possui cerca de 290 mil domicílios vagos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Boa parte está na região central da cidade. São, em suprema maioria, prédios e casas de famílias de grupos tradicionais da cidade, que levaram seus negócios para regiões economicamente mais promissoras.
A lei de zoneamento da cidade, de 1972, passou a indicar outros espaços com maior capacidade de retorno de investimento, como a Marginal Pinheiros, o bairro de Itaim e o entorno das avenidas Paulista, Luís Carlos Berrini e Brigadeiro Faria Lima. Bancos, hotéis, escritórios comerciais e de advocacia, bares, restaurantes e grandes empresas levaram suas sedes para esses novos pontos a partir das décadas de 1970 e 1980.
Com o deslocamento, o centro passou a viver uma contradição: é uma das regiões mais abastecidas de infraestrutura do País, ainda possui fartura de comércio e serviços, mas agora carece dos atores econômicos que historicamente lhe deram vida e força econômica invejável.
Um paradoxo que gera problemas graves. O movimento dos investidores diminuiu o potencial de retorno econômico dos prédios da região central, o que levou seus donos a congelar a utilização à espera de recuperação. Em grande parte dos casos, a longa desocupação e o abandono foram gerados também pela dificuldade dos herdeiros dessas famílias, e dos grupos tradicionais, de investir na manutenção e recuperação dos imóveis.
“Como consequência, São Paulo apresenta uma profunda desigualdade social e espacial”, aponta ao R7 a pesquisadora Ana Gabriela Akaishi, que desenvolve doutorado sobre o tema na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP). “As áreas centrais concentram a maior parte dos empregos, serviços, equipamentos públicos e transporte coletivo, mas a população reside em áreas periféricas e desloca-se diariamente por horas até o trabalho”, acrescenta ela.
Degradados e com altas dívidas acumuladas em impostos, contas de luz e água e outras despesas, muitos desses imóveis tiveram a gestão entregue a imobiliárias. Mas, ainda assim, a falta de investimento teve a deterioração como consequência previsível e inevitável. A outra parte, controlada por famílias tradicionais ou empresas familiares ligadas ao comércio, “passou a ser administrada por herdeiros, associações beneficentes e instituições, grupos não ligados ao setor imobiliário ou à gestão patrimonial, mas que orbitam neles de forma amadora por causa dos imóveis”, explica a pesquisadora.
O artigo 182 da Constituição e o Estatuto da Cidade conferem ao poder público a tarefa de fiscalizar os imóveis particulares do País para que funcionem de acordo com sua função social. Isso significa estar ocupado com moradia, atividades sociais, culturais e econômicas, como produção de mercadorias e serviços, gerando emprego, renda e impostos e diminuindo a degradação do entorno.
Em busca do objetivo, a Prefeitura de São Paulo aplica, desde 2014, o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC), para combater a ociosidade de imóveis na cidade, e o IPTU Progressivo no Tempo, com o objetivo de garantir o cumprimento da função social da propriedade.
O R7 solicitou entrevista, não marcada, com o secretário municipal de Urbanismo e Licenciamento, Cesar de Azevedo. Em nota e por respostas enviadas por escrito, a secretaria deu detalhes dos programas. Após a notificação, os donos precisam comprovar o aproveitamento do imóvel. Isso pode ocorrer por atividade, em imóveis vazios, ou pedido de alvará de aprovação e execução de edificações novas, nos subutilizados.
Quando esses pontos não são atendidos, o IPTU progressivo é aplicado. “Os proprietários têm prazo de um ano, a partir da notificação, para registrar o projeto de parcelamento ou edificação. No caso de reforma, as obras deverão ser iniciadas em no máximo dois anos, contados a partir do alvará de execução, e concluídas em cinco anos”, informa a secretaria.
A alíquota do IPTU progressivo dobra a cada ano, até o limite de 15% do valor do imóvel. Se a qualquer tempo o proprietário apresentar projeto de edificação ou parcelamento, ou der uso ao imóvel, a alíquota volta ao percentual original no ano seguinte. “O objetivo não é aumentar arrecadação ou desapropriar, mas garantir o cumprimento da função social”, diz a nota. De acordo com a secretaria, até agora foram notificados 1.746 imóveis. Dez por cento cumpriram todas as obrigações e 27% estão em IPTU progressivo em 2021.
Mas nem tudo é cobrança. Há compensações para quem decide pela recuperação. Em julho de 2021 foi sancionado o programa municipal Requalifica Centro, para incentivar o retrofit (recuperação e adaptação arquitetônica) de imóveis antigos desocupados ou subutilizados. O programa concede incentivos fiscais aos proprietários de unidades requalificadas para uso residencial.
Existem outras vantagens. Entre elas, a possibilidade de perdão de parte do IPTU reajustado, isenção do imposto nos três primeiros anos a partir da emissão do certificado de conclusão da obra de recuperação e aplicação de alíquotas progressivas e menores nos cinco anos seguintes. No sexto, o IPTU recupera o percentual integral.
Nos casos de venda, imóveis recuperados ou submetidos a retrofit são isentos do Imposto de Transmissão de Bens Imobiliários, o ITBI. E a alíquota do Imposto Sobre Serviços, o ISS, cai para 2% na engenharia, arquitetura, construção civil, limpeza, manutenção e meio ambiente das obras de requalificação. Quando o novo uso for comercial, de produção de bens ou prestação de serviços, as taxas municipais para instalação e funcionamento ficam isentas pelos primeiros cinco anos.
O R7 entrou em contato com imobiliárias e proprietários de alguns desses imóveis, que não quiseram dar entrevista. Além das dificuldades geradas pelo abandono e a degradação, muitas dessas famílias vivem conflitos em função de herança ou espólio ligados a esses bens.
Fica claro, no entanto, que a solução do problema passa necessariamente pela demonstração de boa vontade e disposição de ceder em pontos importantes dos dois lados: poder público e donos dos imóveis. E não será possível sem isso.