Em SP, mortes de adolescentes e crianças por crimes violentos e ação policial caem 22%
Foram 292 mortos no ano passado, entre vítimas de homicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de óbito e intervenções policiais
São Paulo|Guilherme Padin, do R7
Os registros de morte violenta de crianças e adolescentes de até 19 anos no estado de São Paulo tiveram queda de 22% no ano passado, em relação a 2020, apontou estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e do CPPHA (Comitê Paulista pela Prevenção de Homicídios na Adolescência) divulgado nesta terça-feira (21).
As estatísticas, que somam 292 óbitos, consideram os casos de homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte, com 210 crianças e adolescentes mortos, bem como os registros decorrentes de intervenção policial: 82 pessoas de até 19 anos. No primeiro grupo, a redução foi de 14%, em comparação com 2020. No segundo, de 37%.
Desde 2017, ambas as estatísticas apresentavam ritmo de queda, que se acentuou em 2021.
A redução passa por um conjunto de ações e esforços da sociedade civil no combate à violência contra crianças e adolescentes, segundo Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo: “Não conseguimos atribuir a um elemento único. Com a sociedade e organizações chamando atenção para o problema, isso faz com que os setores do poder público se movimentem”.
Embora apontem para uma direção otimista, os números devem ser observados com algumas ressalvas, afirma Ariel de Castro Alves, advogado membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, a começar pelo isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19.
“Período com isolamento social é menor mobilidade das pessoas, inclusive dos jovens. Nos próximos anos, precisamos verificar se esses índices se manterão”, diz Alves.
Para além da quarentena, outro elemento a levar em consideração é o desaparecimento de crianças e adolescentes, bem como seus perfis.
“Nos últimos anos tem se verificado uma incidência grande de desaparecimentos de adolescentes e jovens, muitas vezes resultantes de atuações do crime organizado, por meio de julgamentos dos chamados ‘tribunais do crime’, organizados pela facção criminosa majoritária em São Paulo, que executa delatores, traidores e endividados”, comenta o advogado.
Esses “tribunais“, prossegue Alves, executam pessoas e as enterram em cemitérios clandestinos. Sem evidências dos corpos e tampouco de testemunhas, exceto os próprios autores, há dificuldade para o esclarecimento dos casos. “Para compreender a violência em São Paulo, precisamos também levar em consideração os ’desaparecimentos forçados’”, conclui.
Ainda que os números indiquem alguma melhora, Adriana Alvarenga afirma que há um longo caminho pela frente.
“Não dá para comemorar 100% enquanto tiver um único adolescente ou criança morta por violência letal. É importante reconhecer que há uma redução, que vem ao longo dos anos passados. Não é passageira. E que precisamos continuar desenvolvendo esforços para que efetivamente não tenhamos nenhuma morte. Nenhuma é aceitável. De 2020 para 2021 há uma redução importante, mas 292 ainda é um número absurdo”, afirma.
Negros são mais da metade das vítimas
Em um estudo cuja população é de maioria branca (63,9%), são as crianças e os adolescentes negros que mais morrem: 54% das vítimas. Se considerados os registros de intervenções policiais, o racismo atravessa a vida desse público de forma mais brutal: 63,4%.
Meninos são vitimados de forma mais expressiva, compondo todos os casos de adolescentes mortos por policiais, e quase 80% dos registros de homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte, ante 20% do sexo feminino.
Segundo Ariel de Castro Alves, crianças e jovens negros estão mais vulneráveis à exclusão social e à violência, portanto acabam sendo as principais vítimas também dos crimes violentos e da letalidade policial.
Essa violência, comenta Adriana Alvarenga, é fruto de uma história de racismo no país e de falta de políticas públicas para enfrentar o problema de maneira estruturante.
Ações integradas
O enfrentamento de um problema estruturado como a violência contra crianças e adolescentes, aponta o estudo, passa por uma resposta de ações integradas, partindo de várias frentes.
“Tem a ver com educação, saúde, proteção em todos os sentidos. É importante que crianças e adolescentes estejam na escola, e temos que olhar essa questão com cuidado. Já tínhamos muitos fora da escola, e a evasão aumentou na pandemia. Eles estarem na escola significa também um espaço de proteção”, avalia Adriana Alvarenga.
Na segurança pública, ressalta a chefe do escritório do Unicef, o foco deve recair sobre o treinamento de profissionais para abordagens com adolescentes, partindo do ponto de vista dos direitos humanos, e sobre a investigação priorizada dos casos de violência.
Leia também
Além disso, prossegue ela, políticas públicas e serviços de assistência social para identificar violências contra direitos e apoiar as famílias, crianças e adolescentes, bem como a geração de oportunidades de trabalho para a família desses jovens, são necessários.
“Que se faça a transição positiva para esses jovens da escola ao mercado de trabalho, que tenham chance de encontrar isso num caminho que os proteja, e que não se envolvam em atividades ilícitas, que acabam deixando-os numa situação de maior vulnerabilidade”, conclui Alvarenga.
O estudo do Unicef aponta frentes de atuação possíveis para a diminuição da violência contra crianças e adolescentes:
• ações que combatam a normalização das violências;
• capacitação de profissionais que trabalham com crianças e adolescentes;
• trabalho com polícias para a prevenção das violências;
• permanência das crianças e dos adolescentes nas escolas;
• sensibilização de meninos e meninas aos seus direitos;
• responsabilização dos perpetradores de violências; e
• investimento no monitoramento e na geração de evidências.