A tempestade que castigou o estado de São Paulo na noite desta sexta-feira (11) tem mais semelhanças com o furacão Milton, que devastou o sul dos Estados Unidos na quarta (9), do que o rastro de destruição e morte.Ambas as tragédias, responsáveis por 7 vítimas fatais em solo nacional e de 17 no hemisfério norte, foram intensificadas pelas mudanças climáticas, autoras de recordes sucessivos de temperatura no planeta ao longo deste ano.Embora as nuvens causadoras dessas precipitações tenham se formado em locais distintos — no continente, no caso do Brasil, e no oceano, no do desastre americano —, os dois fenômenos estão relacionados ao aumento do efeito estufa: 2024 foi o ano mais quente da história, segundo o Serviço de Alterações Climáticas Copernicus.Especialistas ouvidos pela reportagem detalham como a formação do temporal e do furacão se deu a partir de alterações atípicas de fatores cruciais como: o calor, a umidade do ar e a pressão atmosférica de uma determinada região.De acordo com pesquisa recente da organização World Weather Attribution, um grupo internacional de cientistas que estuda como essas variações influenciam a probabilidade e a intensidade de eventos climáticos extremos, as ondas de calor no hemisfério norte, por exemplo, tornaram-se 35 vezes mais prováveis desde o início do milênio.“O clima está cada vez mais inflamável. É um processo que a gente não tem como esconder mais e com o qual vamos ter que lidar”, diz o meteorologista Guilherme Borges, do Climatempo.Professor de física atmosférica da Universidade de São Paulo, Paulo Artaxo vai além e prevê ainda mais mortes do que as causadas pelos desastres naturais da última semana.“Ao menos 2 ou 3 bilhões de pessoas no nosso planeta não vão conseguir sobreviver a essas emergências climáticas”, diz. “Precisamos acabar urgentemente com a exploração de combustíveis fósseis e desenvolver fontes de energia sustentável como a eólica”, completa Artaxo.A chuva com rajadas de vento de mais de 100 km/h que atingiu a região metropolitana paulista foi provocada pela passagem de um aglomerado de nuvens do tipo “cumulonimbus”, segundo o Climatempo.Elas se formaram ao longo da própria sexta-feira, estimuladas pela grande disponibilidade de umidade na região e pelo encontro da atmosfera aquecida do estado com a frente fria proveniente do litoral, em uma área de baixa pressão — entre o Paraguai e o Mato Grosso do Sul.Já o furacão Milton é resultado de um movimento atípico dos ventos do oeste para o leste no hemisfério norte, diferentemente da maioria dos ciclones tropicais, que também se formam em águas quentes, mas seguem direção contrária.O fenômeno é mais um resultado de uma combinação de elementos mortal, que inclui as altas temperaturas do Atlântico tropical. Foi essa situação que forneceu energia para o redirecionamento dos ventos para o norte, em vez de limitá-los à região do Caribe e do golfo do México.A preocupação dos brasileiros com a possibilidade de furacões começarem a atingir o país é legítima desde a passagem do Catarina pela região Sul, em 2004. Mas, para que eles se formem, a junção dessas características ainda é rara. Isso porque o Atlântico Sul é mais calmo, devido à falta de ondas tropicais, comuns no hemisfério norte.De acordo com a meteorologista Nadiara Pereira, haverá menos picos de calor no verão de 2025, que começa entre 21 e 22 de dezembro no hemisfério sul. “Será ameno e marcado por uma maior frequência de corredores de umidade.”Mas alerta para um aumento na quantidade de chuvas, principalmente no Centro-Oeste e no Sudeste.“Dezembro e janeiro são meses tradicionalmente mais chuvosos. Isso preocupa um pouco, já que as lavouras de soja estarão em fase final de desenvolvimento e início de colheita”, diz a meteorologista.