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Escolas de SP tiveram 967 casos de assédio ou abuso sexual em 4 anos

Levantamento exclusivo sobre violência nas escolas estaduais nos últimos 4 anos trazem dados sobre assédio/abuso sexual, agressão e até armas 

São Paulo|Kaique Dalapola e Márcio Neves, do R7

Número de assédios/abusos sexuais equivalem a 20 casos por mês de 2014 a 2017
Número de assédios/abusos sexuais equivalem a 20 casos por mês de 2014 a 2017

As escolas da rede estadual de São Paulo tiveram 967 casos de assédio e/ou abuso sexual registrados entre 2014 e 2017, segundo dados do ROE (Registro de Ocorrências Escolares) obtidos com exclusividade pelo R7, via Lei de Acesso à Informação.

O número representa uma média de 20 casos de assédio ou abuso sexual por mês. Essas ocorrências não distinguem casos envolvendo alunos, funcionários e terceiros. 

Os dados também mostram que no mesmo período foram registrados 50.448 casos de violência nas dependências das escolas estaduais, o equivalente a 34,5 casos por dia. Estes números incluem ameaças, agressões verbais ou físicas, e outros tipos de violência.

Outras 2.351 ocorrências foram registradas para a posse ou encontro de armas no ambiente das escolas no mesmo período, sendo consideradas armas brancas ou de fogo. É como se a cada 15 horas uma arma tivesse sido encontrada dentro de uma escola estadual paulista.


"O ROE (Registro de Ocorrências Escolares) foi criado em 2010 e permite o apontamento imediato de situações de vulnerabilidade nas escolas, como episódios de bullying, agressões, depredação do patrimônio público", explica a Secretaria Estadual de Educação.

O sistema da secretaria é abastecido diariamente pelas mais de 5 mil escolas estaduais do sistema estadual de ensino. Ainda de acordo com a pasta, "os dados norteiam a adoção de políticas educacionais e pedagógicas nas unidades de ensino".


Especialistas ouvidos pelo R7 apontam que os números permitem traçar um panorama da violência nas escolas da rede estadual. Alguns, inclusive, ficam espantados com os dados. "É um horror, são números que revelam uma triste realidade", diz Miriam Abramovic, socióloga especialista em estudos de violência escolar.

“Em muitos casos, professores e diretores não sabem o que fazer, por isto é preciso um plano eficiente que adote o combate a violência escolar como política pública permanente”, diz Miriam.


Assédio e/ou abuso sexual

Aluna de 12 anos teria sido estuprada no banheiro de escola que estudava
Aluna de 12 anos teria sido estuprada no banheiro de escola que estudava

O ano de 2017 foi o com maior número de casos registrados de assédio e/ou abuso sexual nas escolas estaduais paulistas, quando foram registrados 263 casos. Em 2016, por exemplo, foram 201 casos, outros 259 em 2015 e 244 em 2014.

Se for considerado o ano letivo, que é de 200 dias, ocorreram nos últimos quatro anos nas escolas estaduais de São Paulo, mais de um caso de assédio e/ou abuso sexual por dia.

"Nós tabulamos qualquer ocorrência de conhecimento da direção que tenha cunho sexual, seja entre alunos, com envolvimento de funcionários ou pessoas estranhas", diz a diretora de uma escola que preferiu não se identificar.

Os dados detalhados de uma diretoria de ensino da rede estadual na cidade de São Paulo, que gerencia ao menos 12 escolas estaduais, obtidos pela reportagem, registraram 26 casos em 2016. Um deles foi de estupro, os demais de assédio e/ou abuso sexual.

Casos como o da jovem Mariana*, atualmente com 15 anos, fazem parte das ocorrências de 2015. Na época ela tinha 12 anos e afirma ter sido estuprada por dois colegas em uma escola estadual na zona sul de São Paulo.

Segundo a mãe da adolescente, os garotos tinham 14 anos e arrastaram a menina do corredor para o banheiro masculino, onde teriam cometido o estupro. A mãe ainda afirma que um deles fugiu e o outro garoto foi encaminhado para a Fundação Casa.

Apesar do número, nem todos casos de assédio nas escolas são registrados. De acordo com Júlia*, 18 anos, ela foi vítima quando estava no primeiro ano do ensino médio. "Uma menina me segurou pelo braço e tentou forçar um beijo", afirma.

A jovem ainda destaca que não levou o caso para a direção da escola por acreditar que não resolveria a situação. "Nunca levei nada pra diretoria, justamente por achar que não adianta. Os gestores parecem que nunca se importam com os alunos", diz Júlia. Ela concluiu o ensino médio no final de 2016.

Dados de assédios/abusos sexuais nas escolas

Agressões e ameaças

Os casos de agressões registrados no sistema da Secretaria Estadual de Educação somam 50.448 casos nos últimos quatro anos. O ano de 2014 foi o mais violento, com 14.816 ocorrências registradas. Em 2015, 13.510 casos foram registrados, enquanto em 2016 houve registro de 11.531 ocorrências. No ano passado, foram 11.221 casos registrados. Os dados mostram uma queda gradual, mas professores e diretores ouvidos pela reportagem afirmam que, por outro lado, a gravidade dos casos aumentaram.

Entre estes casos estão registrados agressões físicas, verbais, ameaças, discriminação, bullying e a ação violenta de grupos e gangues. Os casos de agressões físicas são os mais comuns. Na diretoria de ensino o qual o R7 obteve acesso aos dados, este tipo de violência respondem por 17% das ocorrências registradas em 2017.

Um dos casos registrados no sistema é o de Enzo*, de 15 anos. No ano passado ele se envolveu em uma briga na escola em que estudava, na zona leste paulistana. Segundo o jovem, um colega de classe com quem já havia discutido deu um soco e os dois começaram a brigar dentro da sala de aula. "Depois que ele me acertou, começamos a brigar e a professora tentava separar", lembra

Os dois alunos foram parar na direção da escola e receberam advertência. Seus dados passaram a constar no Registro de Ocorrências Escolares como agressão física.

Dados de agressões e ameaças nas escolas

Em fevereiro, um aluno de 12 anos foi flagrado com um revólver em uma escola
Em fevereiro, um aluno de 12 anos foi flagrado com um revólver em uma escola

Armas nas escolas

Outro tipo de ocorrência registrada no ROE são a posse ou encontro de armas ou objetos perigosos nas escolas. Foram 2.351 casos nos últimos quatro anos. "Registramos ali desde uma ameaça com um estilete, até estilingue ou casos mais graves, como armas ou facas", explica a diretora que não quer se identificar.

O ano passado foi o com maior número de registros: foram 693 casos de posse de armas. Em 2014 eram 598, 555 ocorrência em 2015, e em 2016, 505 casos foram registrados no ROE.

Em outra diretoria de ensino, por exemplo, foram 14 casos de posse ou encontro de armas e/ou outros objetos perigosos em 2016. A maioria deles de armas brancas.

Uma escola do interior de São Paulo registrou, em 2015, um destes casos. Uma aluna foi flagrada com uma faca por uma professora e o caso foi registrado no ROE. Mais recentemente, um aluno de 12 anos foi flagrado com um revólver calibre ponto 22 em uma escola estadual. A diretora, além de chamar a polícia, registrou o caso no ROE.

Dados de armas nas escolas

Questões disciplinares

Dos quatro anos que o R7 teve acesso aos dados de problemas em ambientes escolares da rede estadual, 2015 foi o que mais teve registros em questões disciplinares. Segundo os dados oficiais do Governo de São Paulo, houve 23.103 registros de “episódios de indisciplina recorrente, utilização indevida de aparelhos eletrônicos e saída injustificada de atividade pedagógica/sala de aula”.

Em 2014, os dados apontam que houve 28.222 registros de indisciplinas. O ano com menos casos registrados foi 2016, com 17.868. Os dados mais recentes, do ano passado, registram 18.391 ocorrências.

No ano com mais indisciplinas registradas, em 2015, Lucas*, atualmente com 20 anos, contribuiu pelo menos duas vezes. A primeira, por causa de uma planta desenhada em um trabalho acadêmico: “falaram que era uma folha de maconha, a professora jogou meu trabalho fora, eu comecei a debater e fui levado para diretoria”.

Depois, o estudante novamente foi levado para diretoria porque estava com fone de ouvido pendurado no pescoço durante a aplicação de uma prova. Como o fone estava desconectado do celular, Lucas recusou tirá-lo do pescoço depois das solicitações da professora e diretora.

“Eu tinha terminado a prova e fiquei com o fone de ouvido no pescoço. A professora mandou tirar, eu falei que o fone não estava sendo usado. A diretora chegou e também mandou tirar. De novo, falei que não ia tirar porque eu não estava usando e elas estavam fazendo aquilo só para mostrar que eram superiores, e queriam dar ordem. Eu não tirei, e fui levado para diretoria”, lembra.

O jovem estudava em uma escola estadual na Lapa, na zona oeste da capital. Durante as ocupações escolares entre 2015 e início de 2016, a escola foi uma das últimas a ser desocupada pelos alunos contra a reestruturação do Governo nas unidades escolares.

Neste período de ocupação, Lucas afirma que conversou com um professor e começou a entender sobre “abusos de autoridades e algumas ‘tirações’ que os alunos eram submetidos”. Atualmente, ele trabalha como auxiliar administrativo e afirma que está “procurando algo melhor”.

Dados de questões disciplinares

Dados ajudam a combater violência

A Secretaria de Educação afirma que os dados do Registro de Ocorrências Escolares servem para direcionar “a adoção de políticas educacionais e pedagógicas nas unidades de ensino”.

Segundo a pasta, as informações são utilizadas como fonte de informação para programas que visam reduzir a violência nas escolas e que os dados têm “cunho pedagógico e educacional” para que as escolas trabalhem com as causas dos conflitos, suas origens, e não apenas com os seus sintomas ou manifestações.

A Secretaria destaca, entre as ações de combate a violência nas escolas, o programa de mediadores, que cria a figura de um professor ou diretor que atua na mediação de conflitos e atua no diálogo para mitigar problemas de violência.

Na Escola Estadual Professo Gabriel Ortiz, por exemplo, uma professora-mediadora que também tem formação em psicologia, desenvolveu um trabalho de formação com jovens do ensino médio para que os alunos possam perceber problemas na sala de aula e discutirem ações para resolve-los. A secretaria diz ainda que todas as escolas da rede possuem programas de mediação.

* Nomes fictícios para preservar a identidade dos estudantes

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