Fabricação de coquetéis molotov por Arthur do Val viola normas internacionais
Em vigor no Brasil, a convenção da ONU visa proibir ou restringir o uso de armas consideradas excessivamente prejudiciais ou de efeitos recrimináveis, alertam especialistas
São Paulo|Do R7
Além de ter produzido os áudios de cunho machista a respeito das mulheres ucranianas — o que pode culminar na cassação de seu mandato —, o deputado estadual Arthur do Val pode ter cometido violações internacionais em sua viagem à Ucrânia, nesse caso por conta da fabricação de coquetéis molotov, relatada pelo próprio parlamentar. "Nunca imaginei que um dia nessa vida ainda faria coquetéis molotov para o exército ucraniano", escreveu do Val em seu Instagram.
Se comprovada a participação de Mamãe Falei na produção dessas armas incendiárias, como publicou em suas redes sociais, o político terá violado o Protocolo 3 da Convenção da ONU (Organização das Nações Unidas), de 1980, sobre armas convencionais, e o artigo 4º da Constituição Federal do Brasil, avaliaram especialistas em direito internacional para o R7.
Acerca da Convenção de 1980, Umberto Celli Júnior, professor de direito internacional da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto, afirma que se configurou a violação do Protocolo 3 do documento.
Em vigor no Brasil, a convenção da ONU visa proibir ou restringir o uso de armas consideradas excessivamente prejudiciais ou de efeitos recrimináveis, explica o professor. O Protocolo 3, prossegue, diz respeito à fabricação ou utilização dessas armas proibidas, como armas explosivas, minas terrestres e dispositivos ou armas incendiárias.
“Não vale dizer que estava temporariamente licenciado, porque, enquanto parlamentar, ele vai sempre ter de agir em conformidade e com o que pensa a sociedade civil brasileira. Portanto, diria, sim, que se configura a violação”, afirma Celli.
O professor pondera, ainda, que as atitudes de Arthur do Val podem provocar questionamentos de outras nações a respeito da consistência das posições oficiais assumidas pelo Brasil. “Isso criaria um constrangimento político e enfraquecimento da credibilidade do país. É um assunto grave, sério, que precisa ser discutido”, conclui.
Professor titular de direito internacional da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), Gustavo Monaco afirma que, uma vez que o Brasil não declarou guerra a nenhuma nação, a participação de um agente político — de qualquer um dos três Poderes (Legislativo, Executivo ou Judiciário) — na fabricação de armas “pode ser imputada à nação, e ser vista, no limite, como um ato de agressão pelo Estado atingido pelos eventuais atos que ele tenha praticado”.
Monaco explica que um dos princípios da convenção é a premissa de que nações que tenham o propósito de guerra o declarem e não tomem de surpresa uma posição de agressão. “O contexto dessa norma é esse: evitar que Estados não beligerantes participem das atividades”, conclui.
A atuação do deputado na Ucrânia pode ainda ser questionada no âmbito da Constituição Federal, precisamente no item 4 do artigo 4º, em que o Estado brasileiro afirma reger suas relações internacionais pelo princípio da não intervenção.
O artigo 4º, comenta Gustavo Monaco, traz as obrigações que o Brasil assume no plano das relações com outros países.
“Quanto ao princípio da não intervenção, o problema interno de outros Estados não interessa aos demais. É uma medida da soberania. Se sou soberano e outro país também, somos iguais. O que acontece internamente é um problema desse país, o que acontece internamente no meu país é problema meu. Então não se deve intervir nos assuntos internos dos outros”, explica o professor da USP.
Monaco argumenta que, embora os confrontos na Ucrânia não sejam mais necessariamente internos, uma vez que há a participação ativa da Rússia, “de todo modo, para o Brasil, pode ser encarado como um problema interno a cada um dos países”.
Isso porque, prossegue ele, diferentemente do que se imaginava nos primeiros dias — e pelo menos até agora —, o conflito não evoluiu para uma terceira guerra mundial.
No mesmo sentido, Umberto Celli Júnior avalia que, “se considerarmos que o parlamentar é uma extensão do Estado, enquanto estiver no uso de seu mandato poderá ter questionamentos, sim, em relação a essa postura, contrária àquilo que dispõe o parágrafo 4 do artigo 4º da Constituição”.
Para o professor, não cabe ao país, a qualquer um de seus cidadãos — “e muito mais grave quando for um parlamentar” —, a intervenção em assuntos soberanos de outros Estados.