O detector de metal avisa que algo está errado. O homem para, faz uma cara de enfado e levanta uma das pernas de sua calça bege — exibindo a tornozeleira eletrônica que o acompanha. O agente penitenciário faz um gesto com a cabeça e o detento segue adiante. Ouve-se apenas o som seco das portas de ferro que se fecham em sequência. Essa é uma manhã diferente na penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos, na Grande São Paulo. A enfermaria da unidade transformou-se em uma pequena sala de cinema, onde cerca de cem detentos assistirão o documentário Corpo de Delito, do diretor Pedro Rocha (e parte do programa Histórias que Ficam, da Fundação CSN). O filme conta a história do detento Ivan, que sai para o semiaberto com uma tornozeleira eletrônica. A expectativa é de encontrar ali uma audiência diretamente interessada no assunto. Antes das 9 horas, os homens começam a ocupar as cadeiras de plástico. A disciplina parece internalizada por eles. Não se vê agentes penitenciários ou esquemas de segurança ostensivos. O silêncio faz parte do protocolo. Quem se atrasa, e são poucos, tem a desculpa de estar "fazendo a barba" — que foi uma das exigência da direção para quem fosse acompanhar a sessão. Na sala, homens que estão presos por participação em assaltos, tráfico de drogas e homicídio. Muitos estão "puxando cana" pela segunda vez. Os detentos acompanham a história de Ivan, que recebe o benefício do regime semiaberto, mas se vê preso em uma rotina que comporta apenas um trajeto entre a casa e um trabalho de "apertador de parafuso". Ele convive com sua mulher e a filha que mal conhece, nascida durante a prisão, e um vizinho dez anos mais jovem. Não demora e o filme deixa claro que Ivan não se sente livre. A tornozeleira impõe barreiras que parecem mais sólidas do que aquelas com as quais ele conviveu por oito anos. "A liberdade com tornozeleira é como se o seu pai te desse uma bola no Natal, mas te proibisse de brincar na rua com ela", diz Caio Vinícius Moreira, 30 anos, preso por tráfico. — Ou seja, pra que deu a bola? No documentário, Ivan não resiste aos prazeres de "jogar bola na rua" e acaba interrompendo o sinal de sua tornozeleira usando papel alumínio. O juiz decreta a perda do benefício e a volta de Ivan ao regime fechado. O público reage com um "vixeee" - e percebe-se que há uma divisão em relação ao uso da tornozeleira. O preso Pedro Henrique Duarte Angeloni, de 36 anos, já usou tornozeleira. "É uma merda. Você vive rodeado de tentações para quebrar a tornozeleira. Às vezes parece que a sociedade fica só esperando você fazer isso para dizer: 'Viu, não falei, foi dar uma chance para bandido...'" Preso por homicídio, Átila Douglas da Silva Leite, de 36 anos, discorda. "Eu entendo tudo o que estão dizendo, mas a liberdade não tem preço. Quando você respira o ar puro, deixa de comer as gororobas da cadeia e começa a conviver com a família, o uso da tornozeleira é uma coisa menor", afirma. Hoje, o Brasil tem cerca de 19 mil pessoas com tornozeleiras. O dispositivo pesa menos de 200 gramas e fica preso em volta de um dos tornozelos. O gasto médio do monitoramento do dispositivo é de R$ 300 por preso — um preso em regime fechado custa de R$ 1,5 mil a R$ 4 mil por mês. O diretor Pedro Rocha conta que o filme produziu uma identificação com os detentos. — Já alguns críticos acharam o filme frio, principalmente por ter uma câmera estática. Aqui, a gente percebe que não existe essa frieza.Rico x pobre O diretor também comentou a percepção atual de que tornozeleiras são um instrumento para presos do colarinho branco, executivos de empreiteiras ou políticos. — O pobre sempre teve uma ligação mais próxima com o espaço urbano, a rua, a praça. O rico consegue sobreviver à tornozeleira vivendo em casas maiores, tendo todo um entorno estruturado e confortável. O detento Moreira concordou. — Tornozeleira em rico é moleza. Uma coisa é você estar em uma mansão, comendo do bom e do melhor. Outra coisa é morar na favela e ter um subemprego.