Lockdown e luto: Como as crianças têm enfrentado a pandemia em SP
Pais e filhos contam ao R7 como é o desafio de crescer sem conseguir interagir com o mundo externo e falam sobre adaptação
São Paulo|Isabelle Amaral*, do R7
A pandemia causada pela Covid-19 também impactou, de forma agressiva, a vida das crianças em diferentes cantos de São Paulo. Diante da crise sanitária, os pequenos deixaram de frequentar a escola, muitos perderam familiares, e até mesmo a questão da pobreza e da falta de assistência em saúde em algumas regiões do estado afetou as crianças e as fez mudar completamente de rotina.
O estudante Jean Lucca Macedo, de 11 anos, por exemplo, perdeu o pai em abril de 2020, vítima de Covid-19. A irmã de Jean, Bianca Luiza, relatou ao R7 o quanto todo esse processo do falecimento do pai o afetou. “Ele já era meio fechado antigamente e, depois do ocorrido, se tornou mais fechado ainda.”
Leia também
Além de ter que lidar com o luto bem no começo da pandemia, o menino precisou se adaptar a todas as mudanças que vieram junto com ela, como a aula online e o lockdown. Ainda de acordo com Bianca, foi um processo muito difícil para a família, que reside na região da Brasilândia, zona norte de São Paulo, e Jean, que tinha o costume de sair sempre com o pai, entrou no mundo cibernético e passou a jogar videogame noite e dia. “É o jeito que ele fazia e faz para se distrair.”
A questão do lockdown e a falta do convívio entre pessoas da mesma idade podem agravar mais a situação, de acordo com a psicóloga Meire Machado. A especialista em comportamento infantil diz que “a criança pode perder cada vez mais a vontade de interagir com o mundo externo”.
Além disso, muitas crianças, ainda que não tenham perdido familiares, precisaram, de alguma forma, ocupar o tempo que passavam em casa, e os pais tiveram que ser criativos para não deixar que o filho usasse apenas os meios tecnológicos. Erika Rodrigues conta que o filho Bernardo, de 8 anos, sentiu muita falta dos colegas quando não pôde mais ir à escola, mas, além do celular, o pequeno tinha outros hobbies que o distraíam.
De acordo com Erika, o menino adora brincar com jogos de peças de montar e papelão, então ele mesmo criava as suas brincadeiras sempre que conseguia algumas caixas. Apesar disso, a mãe de Bernardo relata que tê-lo em casa por todo esse período dificultou algumas atividades, como a procura de emprego, tarefas domésticas e até a ida ao banco.
Questionada sobre a saúde do pequeno, Erika disse que Bernardo tem dermatite atópica e que, quando precisou levá-lo a um hospital, recebeu a resposta de que a consulta seria online. No entanto, após notar que a criança estava com algumas feridas no corpo, mesmo com receio, decidiu ir até um posto de saúde próximo de sua casa, em Helielópolis, na periferia da zona sul de São Paulo.
“Eu fui até o posto e estava muito cheio. Como ele é 24 horas e perto de casa, decidi ir de madrugada, que é bem vazio, e levei o Bernardo para passar a pomada”, relatou.
Distração e uso de tecnologia
Segundo a psicóloga Meire Machado, muitos pais que precisaram trabalhar em home office ou realizar algumas atividades não tiveram alternativa a não ser deixar seus filhos passarem o tempo na frente das telas. Celular, tablet, computador, televisão e videogame foram a opção de mães e pais que não viram outra saída para distrair os filhos que passaram a não poder conviver com outras crianças durante esse período.
É o que relata Jéssica Neves, mãe da Helen, de 10 anos, Marjorie, de 4, e da pequena Laura, de apenas 1 ano. Apesar de as crianças fazerem companhia uma para a outra, o processo da pandemia com as três meninas em casa foi difícil para Jéssica, que havia acabado de ganhar um bebê quando tudo começou, e o seu marido precisou trabalhar ainda mais durante esse período.
A solução da família, que mora no centro de São Paulo, foi o uso de celular e televisão, momento em que as meninas ficavam menos agitadas para que Jéssica pudesse cuidar da bebê e realizar as demais tarefas. Quando elas enjoavam, a mãe tentava criar brincadeiras para distraí-las.
O caso é semelhante ao de Vitória Pereira, de 12 anos. Ela também usou muito o celular para se entreter, mais, especificamente, assistindo a vídeos no TikTok e fazendo alguns, além de jogar online com alguns amigos. Segundo ela, foi o que mais a distraiu durante esse período.
Vitória mora com a mãe e a avó em Mairiporã, na região metropolitana de São Paulo, um pouco mais afastada da capital. A maior preocupação da jovem, embora não gostasse das aulas online, era trazer o vírus para a sua família. Então, apesar de querer muito rever seus colegas, optava por tentar passar o tempo dentro de casa mesmo. “A falta dos amigos foi grande”, relata.
Apesar disso, a estudante disse ao R7 que teve momentos em que precisou ir até a capital paulista de ônibus para passar alguns dias com os seus tios e que o trajeto até lá exigia que a jovem pegasse ônibus que, de acordo com ela, eram lotados. Vitória sentia receio, mas seguia todos os protocolos, usando máscara e álcool em gel, e todo o processo compensava quando via sua família.
Mudança de comportamento das crianças
Ainda de acordo com a psicóloga Meire Machado, a mudança no comportamento das crianças neste período é nítida, já que a rotina delas precisou ser completamente adaptada. Além disso, os pequenos necessitavam de uma atenção especial dos pais, que, muitas vezes, estavam em home office e não conseguiam atendê-los.
“A criança precisa muito de movimento, ar livre e tem essa necessidade de contato com os amigos. Então, tudo isso influencia no comportamento delas. Daí, a gente perceber crianças mais ansiosas, irritadas e até agressivas”, relata.
A especialista menciona também que as crianças que têm uma tendência a ser mais ansiosas e ter mais medo sentiram ainda mais esse cenário de pandemia. Isso porque elas ficaram ouvindo os pais falarem sobre o coronavírus, pessoas morrendo, noticiários, além de terem sido privadas de se relacionar com pessoas da mesma idade.
*Estagiária sob supervisão de Ingrid Alfaya