Morte de bebê: "Tenho medo que aconteça comigo", diz grávida
Um dos líderes do acampamento do Paissandu anunciou que agora o lugar se chama Vitória, em razão do nome da criança que morreu na quarta-feira (6)
São Paulo|Plínio Aguiar, do R7
“Tenho medo de que aconteça a mesma coisa comigo”, afirmou a auxiliar de limpeza Fabiana Ribeiro, de 27 anos. Grávida de três meses, ela está acampada há mais de um mês no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, desde que o edifício Wilton Paes de Almeida ocupado por várias famílias ruiu, no 1° de maio.
Fabiana afirma que fica aflita, por “não saber o que fazer caso o socorro não venha” — lembrando a situação vivida pela companheira Jackeline da Silva Moraes, que perdeu o bebê na quarta-feira (6). Ela entrou em trabalho de parto na barraca onde morava, dando à luz ao bebê no local. Mas, segundo os moradores, a pequena, que era prematura, não resistiu e morreu no caminho para o hospital.
Em meio sujeira e falta de esperança, a auxiliar de limpeza vive em uma barraca, de aproximadamente dois metros quarados, úmida pelas chuvas que têm atingido o município nos últimos dias. Junto com Fabiana, está o seu companheiro, José Tomas, de 38 anos, mais três filhos. “Eles representam a minha luta. Se estou aqui ainda é por eles”.
Até o momento, Fabiana não realizou hemograma, ultrassonografia ou sequer pré-natal. Ela diz que depende do SUS (Sistema Único de Saúde) para o cumprimento dos exames, uma vez que não tem dinheiro suficiente para pagar uma consulta particular. “Eu não sei nem afirmar se meu bebê está bem”, diz.
“O que eu mais quero é que a prefeitura faça alguma coisa. Desse jeito não dá”, diz. Segundo Fabiana, nenhum assistente social ou médico foi ao local para acompanhar a situação da auxiliar de limpeza nem das outras 10 grávidas acampadas no local.
Tomas, por sua vez, tenta tampar os “buracos” deixados pela Prefeitura de São Paulo. Pai de primeira viagem, contou que quando a auxiliar de limpeza sente dores, “faz o que pode” para conseguir remédios que aliviem o sentimento de sua companheira. “É colocar Deus acima de tudo. O resto a gente vai tentando”, diz.
Sem tirar os olhos dos filhos de sua mulher, Tomas agradece aos estabelecimentos no entorno que liberam o uso do banheiro. “Mulheres gestantes e com crianças podem tomar banho. Eles pensam na família”, relata.
A prefeitura de São Paulo afirmou que, em relação às grávidas do Largo do Paissandu, “as equipes não conseguem atuar porque são impedidas pelas lideranças do local.” O órgão disse ainda que desde o desmoronamento do prédio, as vítimas que precisarem podem ser encaminhadas para a rede sócio-assistencial.
“Desde a tragédia, a Secretaria Municipal de Saúde abordou apenas uma gestante no local: a Jackeline da Silva Moraes, mãe da criança natimorta, que fez pré-natal regularmente na AMA\UBS Jardim Castro Alves, na zona sul da cidade”, declarou por meio de nota.
Vitória
A bebê que não resistiu aos ferimentos e morreu na quarta-feira (6) se chamaria Vitória, segundo contou o pai Rafael Alves Ribeiro à RecordTV. “Queria perguntar para alguém que disse que meu cheque (R$ 400 de auxílio moradia pagos pela Prefeitura) estava liberado, se esse cheque vai trazer a vida da minha filha de volta. Se um cheque depois de 37 dias é mais importante do que uma vida”, desabafa.
O acampamento, antes conhecido como moradores do Wilton Paes, agora se chama acampamento Vitória. “É uma homenagem para a criança, que infelizmente partiu sem mesmo conhecer o espaço”, anunciou um dos líderes dos local, Lucas Silva.
“Estamos de luto. A dor que estamos sentindo agora é a mesma que sentimos quando o prédio desabou”, conta. “Queremos apenas sermos tratados como um cidadão qualquer, sem descaso da Prefeitura”.
Em relação a demora, relatada pelos moradores desabrigados do largo, para atender Jackeline durante o início do trabalho de parto, o SAMU informa que o chamado foi registrado às 18h37 da quarta-feira (6).
“Enquanto estava em regulação para o atendimento, foi verificado que uma Unidade de Resgate do Corpo de Bombeiros já estava a caminho do atendimento às 18h33”, disse a Prefeitura. O chamado teria sido cancelado o atendimento às 19h25, após a confirmação de atendimento pelo Corpo de Bombeiros. “Portanto, não houve demora no atendimento”, diz a administração municipal.
A Prefeitura informou, por meio de nota, que desde o desabamento do edifício, “convida insistentemente os desabrigados no Largo para os centros de acolhida, mas não pode obriga-los a aceitar.” De acordo com a administração municipal, Rafael Alves Ribeiro, aceitou o acolhimento no dia 5 de maio pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, mas ele não teria permanecido no abrigo.
Atendimento
Segundo a Prefeitura, desde o desabamento do edifício, mais de 300 famílias que não constavam no cadastro do município realizado em março se apresentaram como vítimas da tragédia para receber o auxílio-moradia.
A Prefeitura realizou, então, estudos de caso e chegou a 67 famílias que tiveram parecer favorável para o benefício depois de ter conseguido comprovar o vínculo com o edifício. “Rafael não constava no cadastro realizado pelo município em março, portanto, passou pelo estudo de caso e teve parecer favorável nesta semana, podendo sacar o benefício a partir de quinta-feira (7)”, disse a administração municipal.
Desde o dia 1º de maio, a Prefeitura afirma atuar por meio de um grupo de mediação de conflitos com as famílias que insistem em permanecer no Largo do Paissandu. “O objetivo é dialogar com as famílias para desmobilizar a ocupação do espaço de forma voluntária”, disse o órgão.
Algumas famílias estão sendo atendidas no abrigo adaptado do Viaduto Pedroso, que vem sendo disponibilizado para atendimento emergencial. Segundo a Prefeitura, o espaço teve uma média diária de 60 pernoites.