Paissandu: cadastro chega ao fim, mas famílias permanecem no local
Prefeitura de São Paulo afirma que 291 famílias recebem o auxílio aluguel. Outras 44 não conseguiram comprovar vínculos com a ocupação
São Paulo|Karla Dunder, do R7
Cerca de 44 famílias ainda estão alojadas em barracas e separadas por grades, no Largo Paissandu, na região central da capital. Para eles a Prefeitura de São Paulo encerrou o cadastramento habitacional para o aluguel social nesta quinta-feira (5).
Ali, na calçada fria, dormem adultos e crianças, que afirmam ser antigos moradores do prédio que veio abaixo após um incêndio no 1º de maio passado.
No entanto, a Prefeitura de São Paulo contesta. Em nota, o órgão diz que foram analisados 435 casos e que apenas 291 famílias conseguiram comprovar vínculo com a antiga ocupação.
A prefeitura ainda afirma que as famílias que estão na praça vieram de outras regiões da cidade e que não moravam no edifício que desabou. Para elas serão oferecidas vagas em abrigos como às outras 4 mil pessoas em situação de rua no centro da cidade. A prefeitura também diz que vai reforçar a tentativa de realizar a limpeza no local. "O local apresenta alto nível de sujeira, causando problemas de higiene, atraindo pragas, roedores e baratas e gerando reclamações de moradores e comerciantes da região."
Rotina para fugir dos abrigos
Com suas barracas coloridas, essas famílias dividem o espaço da praça ocupada. Banheiros químicos foram cedidos pela prefeitura. O odor forte de urina se mistura ao cheiro da comida fresca preparada em uma cozinha comunitária. “Recebemos os alimentos de doações e servimos todos que estão aqui”, conta a voluntária Miriam Alves.
Ela deixou sua casa na zona sul da cidade para ajudar os moradores que perderam tudo no incêndio. “Eu não quero aluguel social ou fazer cadastro, estou aqui para ajudar. Quando tudo se resolver, vou embora”, diz Miriam sem parar de cortar tomates em uma bancada. No centro da cozinha, um fogão industrial já está com as panelas a todo vapor para o jantar. Do lado esquerdo, pilhas de alimentos doados.
Valdete Araújo da Silva também ajuda na cozinha. Ela trabalhava como diarista, mas teve de abrir mão do trabalho porque não tinha com quem deixar os dois filhos, Gabriel de 5 anos e Gabriele de 4 anos. “Eu não consegui fazer o meu cadastro porque quando a prefeitura veio, eu estava trabalhando”, conta. “Acabei ficando para trás e agora também tenho de cuidar das crianças porque nenhum dos dois está na escola. Espero que essa situação se resolva e que possamos recomeçar, mas a cada dia que passa, a esperança diminui.”
Valdete conta que os moradores procuram manter o local, dentro do possível, limpo. A prefeitura, segundo ela, também tem entrado para varrer a praça. “O banheiro tem um cheiro forte, não tem muito jeito, também não conseguimos limpar. As mulheres e as crianças conseguem tomar banho no Sesc, os homens precisam contar com a solidariedade dos amigos ou dos bares próximos.”
Ao lado da cozinha, um grupo assiste TV em uma barraca improvisada. A energia vem dos postes da rua.“Aqui é a nossa sala de cinema”, diz o auxiliar de cozinha Nailson Campos Queiroz, que ajuda a organizar o espaço.“Perdi meu emprego depois da tragédia, faltei cinco dias seguidos no trabalho para fazer cadastro, agora é tentar organizar a vida”.
Ele mora com uma das filhas na praça. Os outros dois filhos ficam com a avó. “Eles moram de favor na casa de uma tia, quando está muito frio, deixo minha menina lá. A prefeitura diz que vai levar todo mundo para um abrigo, mas não queremos. Parece que querem desocupar o espaço, mas não vão resolver o problema. A nossa intenção é ter uma moradia para recomeçar a vida.”
Nailson não conseguiu fazer o cadastro para conseguir o aluguel social. Como as demais famílias que estão na praça, teve problemas com a documentação. “No meu caso, minha mãe fez o cadastro e eu fiquei como o segundo titular, teria de morar com ela e não ter o meu canto”, explica.
As famílias que estão ali na praça temem o esquecimento. “Não podemos sair daqui e ir para um abrigo como a prefeitura oferece, eles vão nos esquecer ali e não teremos o nosso canto para morar”, diz Ágata Christie Rodrigues da Silva, com sua bebê de dois meses no colo, a pequena Charlote. “Estão dizendo que vão tirar as grades e o banheiro químico, o que nos tornaria moradores de rua, mas nós não somos, só queremos ter a oportunidade de ter o nosso canto.”