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Sem auxílio, insegurança alimentar aumenta em comunidades de SP

Segundo estudo, famílias tiveram redução na renda após o fim do benefício; 57% estavam em insegurança moderada ou grave

São Paulo|Guilherme Padin, do R7

Estudo ouviu 424 famílias nas comunidades de Heliópolis e Vila São José
Estudo ouviu 424 famílias nas comunidades de Heliópolis e Vila São José

A pandemia de Covid-19 e o período de descontinuidade do auxílio emergencial agravaram os problemas de insegurança alimentar nas periferias da cidade de São Paulo. A conclusão é de um levantamento realizado pelo Departamento de Medicina Preventiva da EPM/Unifesp (Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo), que ouviu 424 famílias em Heliópolis e Vila São José.

Realizada em três períodos — abril e outubro de 2020 e abril de 2021 —–, a pesquisa da Unifesp avaliou as condições socioeconômicas dos entrevistados, além de seu acesso a alimentos, botijão de gás e materiais básicos de higiene.

Em abril último, quando o auxílio emergencial já não era pago há quatro meses, somente 8% dos respondentes estavam em segurança alimentar, 35% em situação de insegurança alimentar leve e 57% em insegurança alimentar moderada ou grave — desses últimos, 8% estavam em situação de fome.

O dado representa um retorno ao nível de insegurança alimentar verificado em abril do ano passado e um aumento em relação a outubro de 2020, quando ao menos seis parcelas do auxílio emergencial já tinham sido pagas à população. Naquele mês, a insegurança moderada ou grave atingiu 50,2% das famílias analisadas — cerca de 7 pontos percentuais abaixo do patamar verificado em abril de 2021, portanto. 


Parte da situação crítica, segundo os pesquisadores, se deve diretamente à falta do benefício criado durante a pandemia. Isso porque, no primeiro semestre da crise da Covid-19, quando ainda se pagava auxílio, a renda per capita se manteve estável, com uma redução substancial somente após o fim do benefício.

Em abril de 2020, 33% dos respondentes recebiam o auxílio de R$ 600 (valor destinado à maioria das famílias) e possuíam uma renda per capita de R$ 348. No mês de outubro, 39% estavam recebendo as parcelas, mas desta vez de R$ 300. Acompanhando a baixa no auxílio, a renda teve também uma leve queda: R$ 330.


Já em abril deste ano, quatro meses após o encerramento do auxílio, o valor diminuiu significativamente, chegando a R$ 300. O benefício voltou a ser oferecido no mesmo mês, com valores mais baixos.

“Em outubro, com o auxílio, vimos que as famílias tiveram mais acesso a alimentos, mas ainda estavam em situação de insegurança alimentar. Já em abril de 2021, sem nenhum auxílio, piorou o cenário. Migraram da insegurança leve para a insegurança mais severa, que é a moderada e grave”, afirma ao R7 Luciana Yuki Tomita, professora do Departamento de Medicina Preventiva da EPM/Unifesp e responsável pelo estudo.


Soluções passam por políticas intersetoriais, diz pesquisadora

Preço da carne apresenta seguidos aumentos no ano de 2021
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A pesquisadora Luciana Tomita explica que, antes da Covid-19, o mundo vivia um momento de sindemia, com a coexistência de epidemias de mudanças climáticas, obesidade e desnutrição (por baixo peso ou deficiências de vitaminas e minerais), e que após a crise com o novo coronavírus esses problemas se agravaram.

“Durante a pandemia isso se agravou, e muito brasileiros deixaram de consumir feijão e tubérculos. Para o nosso contexto, reduzir o consumo de feijão é muito triste. Nesse período, os alimentos com maior facilidade de acesso e com menor preço foram os ultraprocessados, industrializados. Então, na pandemia, mesmo entre as pessoas em situação de fome, aumentou o consumo de pão, massas e doces”, comenta Tomita.

Um estudo recente da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) apontou que 19,3 milhões brasileiros afirmaram passar fome e outros 40 milhões não possuíam alimentação em quantidade suficiente.

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Para combater essa sindemia, segundo a pesquisadora, são necessárias políticas públicas em vários setores. Primeiro, a “distribuição de renda em valor suficiente para aquisição de alimentos e materiais de necessidade básica, de forma a garantir o direito humano a uma alimentação adequada”.

Além disso, ela afirma que é preciso taxar os alimentos ultraprocessados e estimular as produções em hortas comunitárias, urbanas, no domicílio e o desenvolvimento da agricultura familiar de manejo.

“A agricultura familiar fica no entorno das metrópoles, e estimulá-la é benéfico para todos, porque mantém alimentos saudáveis próximo das cidades, mantém o agricultor no seu terreno, produzindo de uma forma sustentável e justa. É isso que os pesquisadores cobram para tentarmos frear essa sindemia global”, conclui.

Maioria das famílias é chefiada por mulheres

Em abril passado, organização G10 das Favelas distribuiu alimentos em Heliópolis
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A pesquisa também apresentou estatísticas sociais de seus entrevistados. Das 424 famílias ouvidas, 91% eram chefiadas por mulheres, com média de 33 anos de idade. Dessas chefes de família, 55% trabalhavam em serviços gerais ou como diarista, e 26% eram donas de casa, desempregadas ou aposentadas.

O perfil familiar mais comum era o de quatro moradores por domicílio — destes, 96% tinham crianças.

“Os inquéritos nacionais mostram isso, que as famílias chefiadas por pessoas pretas ou pardas, ou por mulheres, ou com menor nível de escolaridade, são as que estavam em maior situação de insegurança alimentar. São questões estruturais, associadas a vários outros fatores, como acesso a serviços de saúde, educação. Nós precisamos olhar com mais atenção para esses grupos em maior situação de vulnerabilidade”, afirma Luciana Tomita.

Para a pesquisadora, é necessário que o poder público pense políticas voltadas especificamente para esses públicos, e que também garantam educação para os filhos das famílias em posição de vulnerabilidade social, citando programas como o Bolsa Família: “O nível de escolaridade das mulheres aumentou, e reduziu o nível de mortalidade infantil.”

“Nos outros inquéritos, as famílias que têm renda per capta acima de R$ 1 mil são aquelas que tinham baixíssima proporção de pessoas em situação de fome. Se conseguíssemos dar um auxílio nesse valor, conseguiríamos ajudar bastante as famílias. Evitaria a insegurança alimentar, e garantiria o direito humano a uma alimentação adequada”, pondera.

A pesquisa

Ouvindo 424 famílias em Heliópolis e Vila São José, comunidades da capital paulista, a pesquisa utilizou a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, composta de cinco questões: se a família no último mês teve: preocupação de que faltasse alimentos antes de comprar ou ganhar mais; se pulou refeições; se reduziu a quantidade dos alimentos nas refeições; se considera a alimentação saudável e variada; se faltou comida.

As respostas positivas valiam um ponto, e a negativa, zero. As maiores pontuações, segundo Luciana Tomita, indicavam situação mais crítica de insegurança alimentar: segurança alimentar (0 ponto), insegurança leve (de 1 a 2 pontos), moderada (de 3 a 4 pontos) e grave ou situação de fome (5 pontos).

A insegurança leve indica, na prática, quando uma família teve de diluir o leite ou o feijão para que rendesse mais. Na moderada, há redução de quantidade e mudança no padrão alimentar da família, como, por exemplo, a substituição de carne por ovos. A fome — ou situação grave — se dá quando a redução de quantidade passa a acometer as crianças da família.

“Esses questionários foram desenhados na década de 70, e são bons porque começaram com o que chamamos de análise qualitativa, conversando com as pessoas em situação de fome o que aquilo significava, o que elas sentiam passando fome”, explica Tomita, que prossegue:

“É um questionário que vê desde a ansiedade, a preocupação que afeta psicossocialmente, pela angústia e incerteza de ter alimentos para a próxima refeição, até uma falta física, quando começam a reduzir os alimentos na dispensa e no prato, precisando tomar outras atitudes.”

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