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Terra indígena sem casos de covid-19 proíbe turista e evita hospital

Aldeia em Bertioga, no litoral norte de SP, não contabilizou casos – só um suspeito, descartado. Agente de saúde fala dos esforços contra a doença

São Paulo|Guilherme Padin, do R7

Vista aérea da aldeia
Vista aérea da aldeia

Uma das populações mais vulneráveis na pandemia do novo coronavírus, os povos indígenas foram historicamente atingidos por outras epidemias e, atualmente, vivem perigo de novas perdas significativas. Há, porém, no litoral norte de São Paulo, uma das poucas TIs (terras indígenas) que não somam casos de covid-19 até o momento.

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A TI do Ribeirão Silveira, em Bertioga, onde vivem índios da etnia Guarani, pode ser tomada como um exemplo de enfrentamento à pandemia. Até a última atualização recebida sobre a aldeia, não havia casos ou sequer suspeitos – um descartado, apenas.

Agente de saúde da aldeia e vice-presidente do conselho local de saúde indígena, Nancy Maceira falou ao R7 sobre os cuidados e ações no bairro. “Sempre estamos acompanhando a situação. Aqui na aldeia, proibimos os turistas de entrarem. Cuidamos ao máximo das pessoas para evitar levá-las aos hospitais”, conta.

Veja também: Covid-19: morte de índios dispara com disseminação na Amazônia


A situação de controle no local chama ainda mais atenção pois a terra indígena é a única do Estado em situação considerada de vulnerabilidade “intensa”, segundo estudo da Unicamp (Universidade de Campinas) que avaliou a vulnerabilidade demográfica e infraestrutural à covid-19 em aldeias de todo o Brasil. Todas os outros grupos do estado, de acordo com a pesquisa, têm menor índice de vulnerabilidade.

No estudo, os pesquisadores consideram seis aspectos: fatores de risco associados à mortalidade; comportamento de transmissão do vírus; capacidade da aldeia de manter-se em isolamento social; capacidade de manter rotina de prevenção; disponibilidade de atendimento em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) nos hospitais para casos graves da doença e a segurança da situação de regularização fundiária da terra indígena.


Como relata a agente de saúde, são múltiplos os esforços que a população da TI do Ribeirão Silveira e os agentes de saúde têm feito para impedir o avanço do vírus: fechamento das entradas e porteiras, vacinação para H1N1, orientações da equipe de saúde aos indígenas, entrega de máscaras, visitas domiciliares àqueles com síndrome gripal, reuniões das equipes de saúde com lideranças e a Funai para definir diretrizes.

Para evitar idas desnecessárias a hospitais e o risco maior de contaminação, até remédios tradicionais e chás são oferecidos àqueles com síndromes gripais.


Além disso, a orientação sobre o uso de máscaras e álcool em gel a quem precisa sair da aldeia é reforçada frequentemente. Maceira relata também que houve ajuda dos municípios de Bertioga e São Sebastião com os alimentos para os indígenas da aldeia.

O que pode agravar a situação – e por que é pior na região Norte

Na região Norte do país, a pandemia do novo coronavírus tem sido mais letal e abrangente que em aldeias como a de Bertioga, no litoral paulista. A maioria dos 1.737 casos confirmados e 70 óbitos oficiais da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) em todo o país está na região. São 1.211 casos confirmados e 57 mortes.

Médico sanitarista e atuante no Projeto Xingu, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Douglas Rodrigues considera que, pela subnotificação de casos, “os números devem ser bem maiores”. Além do fato das populações indígenas serem mais presentes na região, como explica Rodrigues, as piores estatísticas podem se dar também porque o foco do garimpo e da grilagem, segundo ele, está em estados como Amazonas, Tocantins, Pará e Roraima.

“Os garimpeiros e grileiros quebram o isolamento, andam muito pra cima e pra baixo, e vêm de local que tem transmissão. O que adianta falar para os índios ficarem nas aldeias se não tiram os garimpeiros dali? Eles entram e saem. Nas terras dos yanomami, tem mais de 20.000 [invasores]. O garimpo no Norte fica a três quilômetros de aldeias indígenas. Eles têm contato, e isso aumenta a chance de contaminação”, relata o médico, que atua com saúde indígena desde 1981.

O alto número de mortes na região também se sustenta pela falta de acesso a serviços de saúde.

“No Amazonas, tem hospitais razoáveis em Manaus, e tem comunidade que fica a 800 km de Manaus, e sem estradas. É complicado: se precisa sair, ou você vai de avião, que é muito caro, ou vai de barco, aqueles barcos amazônicos, que demoram dias e são cheios de gente, onde o vírus da covid se espalha mais”, explica.

Veja também: Estrutura precária e distância de cidades ameaçam povos indígenas

O sanitarista ainda aponta para o fato de que muitos índios tiveram de sair às cidades por conta do auxílio emergencial, pois ficam longe dos lugares que podem atendê-los.

“Tudo isso é um caldo de cultura para uma alta taxa de mortalidade. Segundo os dados oficiais, que provavelmente são subestimados, temos uma taxa de mortalidade próxima a 10% entre os índios. Por isso se configura a maior vulnerabilidade dos povos indígenas”, conclui Douglas.

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