Tráfico humano: prostituição alicia mulher; trabalho escravo, homem
No Norte, tráfico tem relação com crime organizado, no Nordeste, com turismo sexual. Sul e Sudeste são pontos de saída para o exterior
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
Um crime invisível. Tudo começa com uma promessa ou uma contrapartida. Pessoas em situação de vulnerabilidade, que podem ser homens, mulheres e crianças, recebem propostas de melhores condições de vida e quando percebem se veem submetidas a exploração. Em sua maioria, mulheres para fins sexuais e homens para trabalho escravo.
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De acordo com especialistas, o tráfico de pessoas é um dos crimes com maior índice de subnotificação. “As pessoas aliciadas se deslocam voluntariamente pelo território nacional ou internacional e o crime só se torna visível quando as vítimas se tornam reféns em cárcere privado”, diz Thiago Tavares, diretor presidente da Saferner, ONG que atua no combate de crimes cibernéticos.
Números da organização apontam que somente em 2017 foram realizadas 595 denúncias com indícios de tráficos de pessoas. Nos últimos 12 anos, a ONG recebeu 13.700 denúncias de tráfico humano. Tavares estima, no entanto, que esse número seja 900% maior do que o retratado. “Só o recrutamento e o deslocamento já são considerados crimes”, diz.
Em contrapartida, um relatório produzido pela Rede de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, ligada ao Ministério da Justiça, afirma que no primeiro semestre de 2017, foram acompanhados 48 possíveis casos de tráfico de pessoas, que podem envolver mais de uma vítima. O estudo contabilizou também 133 pessoas atendidas.
Rotas
As rotas utilizadas pelo tráfico de pessoas ocorrem tanto de dentro do país para o exterior quanto em território nacional. Segundo o Ministério da Justiça, elas têm caráter dinâmico e são modificadas ou descartadas a partir do momento que chamam a atenção das autoridades policiais.
No exterior, o destino principal é a Europa, em especial, Portugal, Espanha, Itália, França e Suíça. A partir desses países, são estabelecidas rotas secundárias para os demais países do continente. O órgão afirma ainda que há um número considerável de rotas para países da América do Sul, sobretudo, Guiana Francesa e Suriname, e para a Ásia.
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As rotas para outros países são preferencialmente destinadas ao tráfico de mulheres, enquanto as rotas internas, entre diferentes estados ou municípios, têm como público mais frequente adolescentes para fins de exploração sexual e homens para trabalho escravo. As rotas internas têm início no interior dos estados em direção aos grandes centros urbanos ou para regiões de fronteira internacional.
Segundo o Ministério da Justiça, na região norte, nos estados de Roraima, Acre, Rondônia e Amazonas, há indícios de que as rotas possuem conexões com o crime organizado, sobretudo com o tráfico de drogas, e com a falsificação de documentos. Na região nordeste, há uma forte relação com turismo sexual. No Sudeste, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro são consideradas receptoras e pontos intermediários para as rotas internacionais, uma vez que possuem os aeroportos de maior tráfego do país.
Aliciamento e redes sociais
A ONU (Organização das Nações Unidas) define como tráfico de pessoas o “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração.”
Para a pesquisadora da Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude, Graziella Rocha, a internet mudou as formas de aliciamento de vítimas de tráfico de pessoas. “Existe um padrão de aliciamento utilizado pelo Whatsapp, onde grupos formados por jovens criam uma amizade e uma relação de confiança”, diz ela. “Num segundo momento, esse contato leva a uma exploração laboral, sexual e relacionada ao tráfico de drogas.”
As redes sociais, segundo a pesquisadora, se tornaram uma grande plataforma de aliciamento. Apesar da diminuição de casos registrados pela Rede de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico entre os anos de 2016 e 2017 (no primeiro semestre de 2016 foram registrados 352 casos com 398 pessoas atendidas, sendo 240 crianças e adolescentes), a pesquisadora aponta que a variação está relacionada à situação econômica do país.
Segundo Graziella, o tráfico de pessoas está relacionado a fatores como desemprego, encurtamento das políticas sociais, exclusão de grupos e falta de oportunidades. “As famílias ficam totalmente vulneráveis e muitas colocam crianças em situação de exploração”, afirma. Assim, mesmo com os 16 núcleos criados para combater o tráfico, as redes de apoio enfrentam dificuldades para abrigar vítimas, oferecer assistência médica, psicológica e auxílio no deslocamento.