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Alzheimer: por que a ciência está mudando o alvo em busca da cura?

OMS estima que haja 55 milhões de pessoas com demência em todo o mundo; só no Brasil, são 1,2 milhão de casos, a maioria sem diagnóstico fechado

Saúde|Do R7

Esquecimentos acontecem após 65 anos, mas especialistas acreditam que alteração começa 15 anos antes
Esquecimentos acontecem após 65 anos, mas especialistas acreditam que alteração começa 15 anos antes

Mais de cem anos se passaram desde que o primeiro caso da doença de Alzheimer foi descrito por um médico alemão. Até hoje, porém, pacientes com a doença não têm um tratamento eficaz. O caminho para desvendar o Alzheimer e descobrir a cura parece até uma investigação criminal complicada: por muitos anos, enquanto cientistas miravam um só suspeito da degeneração do cérebro, outros agentes biológicos atuavam.

Agora, os alvos estão mudando. Estudiosos ampliaram suas hipóteses para descobrir quem é o vilão causador da perda de memória e da capacidade de fazer tarefas do dia a dia. Ou quais são. Novos suspeitos estão na mira da ciência: acredita-se que a neuroinflamação, falhas na conexão entre um neurônio e outro e até defeitos no trabalho de eliminar o "lixo" do cérebro podem estar por trás do Alzheimer.

A doença se origina de forma sorrateira e atinge mais os idosos a partir de 65 anos. Parte dos cientistas acredita que o Alzheimer começa a se desenvolver cerca de 15 anos antes dos primeiros sintomas de perda de memória. Os lapsos têm início com dificuldade para formar novas memórias. É comum esquecer em que lugar deixou as chaves ou qual o número do prédio onde mora.

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Depois, até as lembranças antigas deixam de ser acessadas e há confusão de fazer tarefas simples, como comer e escovar os dentes. É como se houvesse um curto-circuito no cérebro que faz com que os neurônios parem de se comunicar.


A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que existam 55 milhões de pessoas com demência, incluindo o Alzheimer, em todo o mundo — só no Brasil, há 1,2 milhão de casos, a maioria ainda sem diagnóstico confirmado.

'Eu me perdi', dizia primeira paciente com Alzheimer

O primeiro caso conhecido da doença foi o de Auguste Deter, uma mulher de 51 anos, atendida em um hospital psiquiátrico de Frankfurt por Alois Alzheimer, o neuropatologista alemão que acabou batizando a doença. Ao atender Auguste, o médico notou que ela não entendia perguntas simples, não se lembrava de objetos vistos anteriormente nem do nome do marido. E repetia sempre: "Eu me perdi".


Depois que Auguste morreu, Alzheimer descobriu, por meio de necropsia, que o cérebro da paciente tinha algo anormal: havia placas, chamadas, naquela época, de placas senis. Por 80 anos, pouco se avançou na caracterização dessas estruturas por falta de recursos técnicos, até que, na década de 1980, cientistas mostraram que elas eram formadas por uma proteína — a beta-amiloide.

As placas de beta-amiloide entre os neurônios — além de outras estruturas emaranhadas dentro das células neurais, formadas pela proteína tau — se tornaram os marcadores da doença. Ou seja, são as características biológicas principais de quem tem Alzheimer.


E, como eram as marcas mais evidentes do Alzheimer, os cientistas apostaram suas fichas nisso para encontrar tratamento. O que parecia ser o grande vilão do Alzheimer, no entanto, se revelou o "mordomo", diz Sergio Ferreira, professor dos Institutos de Biofísica e Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Parecia o culpado claro. Mas talvez não seja."

O fato de haver placas de beta-amiloide no cérebro de pessoas com Alzheimer não significa, necessariamente, que essa é a causa — ou a única causa — da doença. Algumas pesquisas dão força a essa hipótese. Estudos já demonstraram que mesmo pessoas com alta concentração de beta-amiloide no cérebro não têm sintomas de demência: são os chamados cérebros resilientes.

Outra pista vem dos próprios tratamentos: no ano passado, o primeiro medicamento aprovado como uma terapia para o Alzheimer (e não apenas para aliviar sintomas) nos Estados Unidos ataca justamente as placas de beta-amiloide. Os resultados do aducanumab, no entanto, foram decepcionantes: embora ele destrua essas placas, pouco efeito tem na melhora da condição de pessoas com Alzheimer.

"Uma das coisas que causaram um pouco de atraso, dentro de um contexto em que não se tinha muito dinheiro para pesquisa, foi que a comunidade científica tentou o que parecia mais lógico: ir atrás da teoria da cascata amiloide. Apagou-se todo o resto de possibilidades", diz a neuropatologista Lea Grinberg, professora da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA).

"Existe um efeito talvez discreto dessas drogas, mas não é a panaceia", completa ela, que ressalta a importância de pesquisas que mirem outros alvos e passem a entender cada vez mais o que ocorre, em nível molecular, em cada uma das células.

As pesquisas com medicamentos que focam a destruição das placas de beta-amiloide devem continuar — a Biogen, farmacêutica que desenvolveu o aducanumab, se comprometeu a apresentar novo estudo clínico com a droga. Outras farmacêuticas também preveem concluir pesquisas com seus remédios antiamiloides em breve.

Parte da comunidade científica defende que ainda é preciso fazer novos testes com esses medicamentos de forma mais precoce, em pessoas sem sintomas de Alzheimer, antes de descartar os remédios, e que medicamentos que atuam contra a beta-amiloide podem ser úteis se combinados com estratégias complementares. Outra parte tem se mostrado cética em relação aos resultados de pesquisas que seguem essa linha.

Em artigo publicado em julho no The Journal of Prevention of Alzheimer's Disease, dois neurocientistas salientaram que, até recentemente, as proteínas amiloide e tau eram o foco da maioria dos medicamentos em desenvolvimento. "Os dados acumulados sugerem que é improvável que os anticorpos antiamiloides sozinhos sejam suficientes para interromper ou reverter o curso da doença", escreveram Yuko Hara e Howard Fillit, da Fundação para Descoberta de Drogas contra o Alzheimer, nos Estados Unidos.

Eles dizem que a doença está ligada ao envelhecimento, mas uma série de processos parece contribuir para agravar o Alzheimer, como inflamações e problemas vasculares. "Uma combinação de drogas para muitos desses problemas pode ser necessária para tratá-los de forma eficaz. Nos últimos anos, um número crescente de medicamentos direcionados a esses processos biológicos surgiu no pipeline de desenvolvimento de medicamentos."

Estruturas solúveis e neuroinflamação

Para Ferreira, embora ainda existam pesquisadores que defendam a teoria das placas de amiloide como causa, o peso da literatura científica tem recaído em outras estruturas menores — oriundas da beta-amiloide — que passeiam pelo cérebro e são mais difíceis de detectar: os oligômeros.

"Hoje sabemos que eles se ligam às sinapses, o ponto por meio do qual os neurônios se comunicam, e promovem alterações bioquímicas que fazem com que a sinapse pare de funcionar direito."

Mas, se o cérebro é complexo, a doença de Alzheimer consegue ser ainda mais: é provável que mais de um mecanismo leve às falhas e à morte dos neurônios. E aí entra outra linha de investigação: a de que essas estruturas solúveis participem de um círculo vicioso prejudicial. Elas seriam responsáveis por ativar um sistema de células de defesa do cérebro. E essa perturbação provocaria, então, um processo de neuroinflamação que levaria à degeneração dos neurônios.

Para entender, é só lembrar da Covid-19: boa parte dos sintomas mais graves foi explicada não pelo vírus em si, mas pela tempestade inflamatória provocada pelo corpo em reação ao vírus. Processos inflamatórios que ocorrem em outras partes do corpo também podem estar ligados ao desenvolvimento do Alzheimer, segundo sugerem pesquisadores.

O problema é que não basta tomar um ibuprofeno: estudos tentam descobrir drogas capazes de barrar a inflamação e preservar o cérebro da degeneração. Entre os ensaios clínicos de medicamentos apoiados pelo Instituto Nacional de Envelhecimento dos Estados Unidos, há oito pesquisas que miram a neuroinflamação — todas ainda em fases iniciais.

Insulina, estresse oxidativo e as células 'lixeiras'

Outros estudos buscam remédios capazes de restaurar as funções sinápticas, ou seja, o mecanismo de comunicação entre neurônios. Também entram nessa equação pesquisas para avaliar como a resistência à insulina — ou seja, a redução da capacidade da insulina de exercer suas funções no cérebro — está ligada ao declínio cognitivo e à demência.

Há, ainda, linhas de investigação que acreditam que o Alzheimer comece com um comprometimento cognitivo leve causado por um estresse oxidativo. Medicamentos poderiam ajudar as células cerebrais a se livrarem de compostos oxidantes em excesso, mas ainda estão em fase inicial de teste.

Também pouco estudado, o papel de outras células do cérebro, que atuam como "lixeiros" para garantir o bom funcionamento do órgão, ganha força. O foco aqui é entender por que essas estruturas — chamadas de células da glia — param de remover substâncias tóxicas e deixam de fazer seu trabalho original de proteger os neurônios.

Círculo vicioso e processo individual

As linhas de estudo se cruzam em muitos momentos — e é possível que vários fatores combinados estejam por trás do início e da progressão da doença de Alzheimer. "Provavelmente, são frentes combinadas, é difícil ter uma coisa só. É como se fosse um círculo vicioso, uma cascata de coisas que vão acontecendo (no cérebro) de forma errada", diz Lea.

Também é provável que os mecanismos biológicos ligados à doença variem de pessoa para pessoa, mas cheguem ao sintoma final comum: a perda de memória, afirma Marcio Balthazar, professor do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "No futuro, pode ser possível mapear individualmente as características do seu João e da dona Maria e dar um remédio diferente a cada um deles para tratar o mesmo problema."

Estudos miram prevenção

Enquanto medicamentos capazes de mudar o rumo da doença não estão disponíveis, os cientistas também procuram entender quais hábitos podem ajudar a evitar que uma pessoa desenvolva o Alzheimer ou, pelo menos, retardar o avanço da doença: são os estudos de intervenção não farmacológica.

Pesquisas ligadas à prevenção buscam, principalmente, descrever o papel da atividade física, do sono, da escolarização e da saúde cardiovascular. Retardar o avanço da doença é particularmente importante em casos de demência que atingem mais idosos: adiar em dez anos, por exemplo, as primeiras perdas de memória pode significar, na prática, ter uma rotina normal até o fim da vida.

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