Medicamento usado para tratar dependência de álcool ajuda pacientes com Covid longa
Lauren Nichols, de 34 anos, vivia há dois anos com diversos efeitos colaterais da condição, como fadiga e déficit de raciocínio, e "conseguiu pensar com clareza" após usar o remédio
Saúde|Do R7
Lauren Nichols, de 34 anos, trabalha como especialista em logística do Departamento de Transportes dos Estados Unidos. Desde que contraiu a Covid-19 na primavera de 2020, a residente de Boston sofreu efeitos colaterais, como diminuição da capacidade de pensar e se concentrar, fadiga, câimbras, dores de cabeça e dores no corpo.
Em junho, o médico de Nichols recomendou que ela tomasse uma dose baixa de naltrexona. A naltrexona é um medicamento genérico usado para tratar a dependência de álcool e opioides.
A especialista em logística, que vive "no nevoeiro" (déficit de raciocínio e memória) há mais de dois anos, disse que "finalmente conseguiu pensar com clareza" depois de tomar a medicação.
Mesmo meses depois de serem infectados com o novo coronavírus, milhões de pacientes sofrem com efeitos colaterais, como dor física, fadiga e lentidão da cabeça. Pesquisadores que procuram uma cura para a doença, também conhecida como Covid longa (sintomas que permanecem após quatro semanas da infecção), estão buscando ver se a naltrexona também funciona para muitos outros pacientes.
O medicamento mostrou algum sucesso no tratamento da encefalomielite miálgica/síndrome da fadiga crônica (ME/CFS, nas siglas em inglês), uma síndrome pós-infecção complexa semelhante à Covid longa. Os principais sintomas de ME/CFS incluem pensamento prejudicado e fadiga severa.
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Pelo menos quatro ensaios clínicos estão atualmente planejados, com base no uso do medicamento para tratamento de ME/CFS e no sucesso de vários ensaios-piloto no tratamento de Covid-19. Eles administrarão naltrexona em centenas de pacientes que sofrem de Covid, de acordo com informações do Banco de Dados Nacional dos EUA e 12 pesquisadores de ME/CFS.
A naltrexona também está sendo considerada para testes na iniciativa Recover, de US$ 1 bilhão, lançada pelos Institutos Nacionais de Saúde para estudar as causas e curas da Covid-19, disseram consultores.
A naltrexona de baixa dose (LDN, na sigla em inglês) pode ter como alvo a patologia subjacente que causa os sintomas, ao contrário dos tratamentos voltados aos sintomas causados por danos desencadeados pela Covid-19 em órgãos internos, como os pulmões, dizem eles.
A naltrexona é um anti-inflamatório e tem sido usada em baixas doses por muitos anos para tratar fibromialgia, doença de Crohn e esclerose múltipla, disse o diretor do Instituto de Neuroinflamação, Dor e Fadiga da Universidade do Alabama em Birmingham.
Com 50 miligramas, dez vezes a dose baixa prescrita, a naltrexona é usada para tratar a dependência de opioides e álcool. Várias empresas de medicamentos genéricos vendem comprimidos de 50 miligramas, mas doses mais baixas estão disponíveis apenas em farmácias.
Younger, que escreveu uma revisão que reposicionou o medicamento como agente anti-inflamatório, solicitou uma bolsa de pesquisa em setembro para examinar os efeitos do LDN no tratamento de longo prazo da Covid. "É uma prioridade para os ensaios clínicos", disse ele.
Ainda assim, é difícil dizer que o medicamento ajudará a todos com Covid longa, que inclui quase 200 sintomas que variam de dores no corpo a palpitações cardíacas, insônia e comprometimento cognitivo. Em um estudo de 218 pacientes com ME/CFS, 74% dos indivíduos apresentaram melhora na insônia, dor e neuropatia.
"Não é uma panaceia. Essas pessoas não se curaram, melhoraram", disse Jaime Seltzer, pesquisador da Universidade de Stanford e líder de divulgação científica do MEAction, um grupo de defesa de pacientes com ME/CFS.
Recomeço da vida
O Dr. Jack Lambert, especialista em doenças infecciosas da Faculdade de Medicina da University College Dublin, prescreveu LDN para tratar a dor e a fadiga associadas à doença de Lyme crônica.
Durante a pandemia, ele recomendou prescrições de LDN a colegas que trabalham com pacientes que apresentavam sintomas persistentes após contrair o Covid-19.
Funcionou tão bem que Lambert conduziu um estudo-piloto com 38 pacientes com Covid. Um relatório publicado em julho descobriu que, após dois meses, os pacientes melhoraram a força, a dor, a dificuldade de concentração, a insônia e os sintomas gerais da infecção pelo coronavírus.
Lambert está, agora, planejando experimentos maiores para confirmar a precisão desses resultados. Em relação ao efeito do LDN, ele acredita que ele repara os danos causados pela infecção em vez de suprimir os sintomas superficialmente.
De acordo com uma pesquisa conduzida por Sonja Marshall Gladysnik, do Instituto Nacional Australiano de Neuroimunologia e Doenças Infecciosas Emergentes, os sintomas de ME/CFS e Covid longa são causados por células natural killer, que são responsáveis pela resposta protetora do sistema imunológico ao vírus e outros vírus.
Alguns pesquisadores também acreditam que a infecção faz com que as citocinas sejam produzidas por células imunes chamadas microglia no sistema nervoso central. Esta citocina é uma molécula inflamatória que contribui para a fadiga e outros sintomas observados em ME/CFS e Covid longa. Younger acredita que a naltrexona acalma essas células imunes hipersensíveis.
Zack Porterfield, virologista da Universidade de Kentucky, disse que copresidiu a força-tarefa Recover e recomendou a inclusão de LDN nos testes da iniciativa.
Outros tratamentos em consideração incluem medicamentos antivirais, como o pakirovid, da Pfizer, anticoagulantes, esteroides e suplementos nutricionais, disseram pessoas familiarizadas com o assunto. Funcionários do Recover afirmaram que receberam dezenas de propostas e não podiam dizer quais medicamentos seriam testados até que os testes fossem finalizados.
Hector Bonilla, codiretor da Stanford Covid-19 Post-Acute Clinic e conselheiro do Recover, disse que prescreveu LDN a cerca de 500 pacientes com ME/CFS e que cerca de metade deles se beneficiou.
Dos 18 pacientes com Covid longa que ele examinou, 11 mostraram melhora. Bonilla disse acreditar que testes maiores e mais formais permitirão concluir se o LDN realmente funciona.
Embora a LDN não tenha curado todos os sintomas relacionados ao coronavírus, Nichols agora pode trabalhar um dia inteiro sem pausas frequentes e aproveitar sua vida pessoal.
"Graças ao LDN, sinto que recomecei minha vida", disse ela, com um sorriso.
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