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Médicos disseram que ele ia morrer, mas inteligência artificial achou uma saída e o salvou

Em laboratórios ao redor do mundo, cientistas estão usando as máquinas para analisar drogas existentes em busca de tratamentos para doenças raras

Saúde|Kate Morgan, do The New York Times


Há pouco mais de um ano, Joseph Coates foi informado de que só restava uma decisão a ser tomada: ele queria morrer em casa ou no hospital? Coates, então com 37 anos e morador de Renton, em Washington, estava quase inconsciente. Havia meses que ele lutava contra uma condição sanguínea rara chamada síndrome de Poems, que o deixara com as mãos e os pés dormentes, o coração dilatado e os rins em falência. A cada poucos dias, os médicos precisavam drenar litros de líquido do abdômen. Ele ficou doente demais para receber um transplante de células-tronco — um dos poucos tratamentos que poderiam levá-lo à remissão. “Desisti. Eu só pensava que o fim era inevitável.”

Mas a namorada dele, Tara Theobald, não estava disposta a aceitar isso. Então, ela enviou um e-mail suplicando ajuda a um médico da Filadélfia chamado David Fajgenbaum, que o casal havia conhecido um ano antes em um congresso sobre doenças raras. Na manhã seguinte, Fajgenbaum respondeu e sugeriu uma combinação não convencional — e até então não testada — de quimioterapia, imunoterapia e esteroides para tratar o distúrbio de Coates. Em uma semana, Coates já respondia ao tratamento. Em quatro meses, estava saudável o suficiente para receber um transplante de células-tronco. Hoje, está em remissão.

O regime de medicamentos que salvou sua vida não foi desenvolvido por esse médico nem por qualquer outra pessoa. Foi gerado por um modelo de IA (inteligência artificial). Em laboratórios ao redor do mundo, cientistas estão usando a IA para analisar drogas existentes em busca de tratamentos para doenças raras. O reaproveitamento de medicamentos, como é chamado, não é uma prática nova, mas o uso do aprendizado de máquina está acelerando o processo — e pode ampliar as possibilidades de tratamento para pessoas que têm uma doença rara e poucas alternativas.

Graças às versões dessa tecnologia desenvolvidas pela equipe de Fajgenbaum na Universidade da Pensilvânia e em outros lugares, os fármacos estão sendo rapidamente reaproveitados para tratar condições como cânceres raros e agressivos, doenças inflamatórias fatais e distúrbios neurológicos complexos. E, muitas vezes, têm funcionado.


O pequeno número de casos de sucesso até agora levou os pesquisadores a se perguntar: quantas outras curas estão escondidas diante de nossos olhos? “Há um tesouro de medicamentos que poderiam ser usados para muitas outras doenças. Só não tínhamos uma maneira sistemática de analisá-los. Basicamente, é quase absurdo não tentar isso, porque essas drogas já estão aprovadas. Já podem ser compradas na farmácia”, disse Donald C. Lo, ex-chefe de desenvolvimento terapêutico do Centro Nacional para o Avanço das Ciências Translacionais (Ncats, na sigla em inglês) e líder científico do Remedi4All, grupo dedicado ao reaproveitamento de medicamentos.

O Instituto Nacional de Saúde define as doenças raras como aquelas que afetam menos de 200 mil pessoas nos Estados Unidos. Mas há milhares dessas condições, que, juntas, impactam dezenas de milhões de norte-americanos e centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo. Mesmo assim, mais de 90% das doenças raras não têm tratamento aprovado, e as grandes empresas farmacêuticas investem poucos recursos para encontrá-lo. Christine Colvis, diretora de programas colaborativos para o desenvolvimento de fármacos do Ncats, explicou que, normalmente, não há muito retorno financeiro no desenvolvimento de um medicamento novo para um grupo pequeno de pacientes.


Isso é o que torna o reaproveitamento de drogas “uma alternativa atraente” na busca por tratamentos para doenças raras, afirmou Marinka Zitnik, professora associada da Escola de Medicina da Universidade Harvard, que estuda aplicações da ciência da computação na pesquisa médica. Seu laboratório em Harvard desenvolveu outro modelo de IA para o reaproveitamento de medicamentos. “Outras técnicas laboratoriais de descoberta já colocaram o reaproveitamento de fármacos no radar. A IA só deu mais impulso a isso.”

Encontrando pistas em pesquisas antigas

O reaproveitamento de medicamentos é bastante comum na indústria farmacêutica: o minoxidil, desenvolvido como um remédio para a pressão arterial, foi reaproveitado para tratar a queda de cabelo. O Viagra, originalmente comercializado para tratar uma condição cardíaca, agora é usado para a disfunção erétil. A semaglutida, indicada para o diabetes, tornou-se mais conhecida por sua capacidade de auxiliar na perda de peso.


A primeira vez que Fajgenbaum reaproveitou um fármaco foi em uma tentativa de salvar a própria vida. Quando tinha 25 anos, enquanto cursava medicina, foi diagnosticado com um subtipo raro de um distúrbio chamado doença de Castleman, que desencadeou uma reação de seu sistema imunológico que o levou à unidade de terapia intensiva.

Não há um tratamento único para a doença de Castleman, e algumas pessoas não respondem a nenhuma das opções disponíveis. Fajgenbaum era uma delas. Entre hospitalizações e rodadas de quimioterapia que lhe trouxeram um alívio temporário, ele passou semanas analisando o próprio sangue, estudando a fundo a literatura médica e testando tratamentos pouco convencionais. “Tive uma percepção muito clara de que eu não tinha US$ 1 bilhão e dez anos para criar um medicamento novo do zero.” A droga que salvou sua vida foi o sirolimo, genérico comumente administrado a receptores de transplante renal para evitar a rejeição, que tem mantido sua doença de Castleman em remissão há mais de uma década.

Fajgenbaum se tornou professor da Universidade da Pensilvânia e começou a buscar outros medicamentos com usos desconhecidos. “Percebi que as pesquisas já existentes estavam repletas de pistas negligenciadas a respeito de possíveis conexões entre os remédios e as doenças que poderiam tratar. Se isso já está publicado, alguém não deveria estar procurando essas informações o tempo todo?”

Seu laboratório teve alguns sucessos iniciais, incluindo a descoberta de que um fármaco novo contra o câncer ajudara outro paciente com a doença de Castleman. Mas o processo era trabalhoso, exigindo que sua equipe analisasse “um medicamento e uma doença por vez”. Fajgenbaum decidiu que precisava acelerar o projeto. Em 2022, fundou uma organização sem fins lucrativos chamada Every Cure, com o objetivo de usar o aprendizado de máquina para comparar milhares de drogas e doenças simultaneamente.

Trabalhos semelhantes ao da Every Cure estão sendo feitos em outros laboratórios no mundo inteiro, inclusive na Universidade Estadual da Pensilvânia e na Universidade Stanford, bem como em instituições no Japão e na China.


Em Birmingham, no Alabama, um modelo de IA sugeriu que um paciente de 19 anos, debilitado por vômitos crônicos, inalasse álcool isopropílico pelo nariz. “Basicamente, executamos uma busca que dizia: ‘Mostre-nos todos os tratamentos já propostos para a náusea na história da medicina.’ O álcool apareceu no topo da nossa lista e funcionou instantaneamente”, relatou Matt Might, professor da Universidade do Alabama, em Birmingham, que lidera o instituto que desenvolveu o modelo.

Ele explicou que muitos medicamentos têm mais de uma função. Suas características adicionais às vezes são classificadas como efeitos colaterais. “Se você analisar uma grande quantidade de drogas, em algum momento vai encontrar o efeito colateral que está procurando. E então ele se torna o efeito principal.”

Na Universidade da Pensilvânia, a plataforma de Fajgenbaum compara aproximadamente quatro mil remédios com 18,5 mil doenças. Para cada condição, os produtos farmacêuticos recebem uma pontuação baseada na probabilidade de eficácia. Depois de geradas as previsões, uma equipe de pesquisadores as examina para identificar ideias promissoras, fazer testes laboratoriais ou entrar em contato com médicos dispostos a testar os medicamentos em pacientes.

Em outros lugares, empresas farmacêuticas estão usando a IA para desenvolver drogas novas, iniciativa com potencial para agilizar um setor já bilionário. Mas o reaproveitamento de medicamentos provavelmente não será lucrativo para nenhuma empresa em particular. Muitas patentes de remédios expiram depois de algumas décadas, o que significa que há pouco incentivo para que as farmacêuticas busquem novos usos para eles, explicou Aiden Hollis, professor de economia da Universidade de Calgary e especialista em comércio médico.

Uma vez que um fármaco se torna um dos milhares de genéricos aprovados pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos, é comum que ele enfrente uma forte concorrência, o que reduz seu preço. “Se você usa a IA para desenvolver uma droga nova, pode lucrar muito com ela. Se usa a IA para encontrar um novo uso para um remédio antigo e barato, ninguém lucra com isso”, disse Fajgenbaum.

Para financiar a iniciativa, a Every Cure recebeu mais de US$ 100 milhões em investimento no ano passado do Audacious Project, da TED, e da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada para a Saúde, divisão do governo federal dos Estados Unidos dedicada a fomentar avanços científicos. Fajgenbaum afirmou que a Every Cure usará parte do dinheiro para financiar ensaios clínicos de medicamentos reaproveitados. “Esse é um exemplo de IA que não precisamos temer e com o qual podemos nos empolgar. Essa tecnologia vai ajudar muita gente”, afirmou Grant Mitchell, outro cofundador da Every Cure, que foi colega de Fajgenbaum na faculdade de medicina.

c. 2025 The New York Times Company

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