Pesquisadores da USP isolam variante Ômicron do Sars-CoV-2
Trabalho vai permitir monitorar a disseminação da nova cepa no país e testar a eficácia das vacinas usadas atualmente no Brasil
Saúde|Elton Alisson, da Agência FAPESP
Pesquisadores do ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo) conseguiram isolar a cepa Ômicron do Sars-CoV-2. Amostras da variante estão sendo cultivadas em células e, dentro de duas semanas, começarão a ser distribuídas a laboratórios com nível 3 de biossegurança (NB-3) e pesquisadores de todas as regiões do Brasil a fim de ajudar a detectar a disseminação da Ômicron pelo país. Além disso, o isolamento permitirá avaliar a eficácia das vacinas aplicadas atualmente na população brasileira.
“É a primeira vez que a Ômicron é isolada no Brasil”, diz Edison Luiz Durigon, professor do ICB-USP e coordenador do projeto, apoiado pela Fapesp.
A cepa foi detectada em um casal de brasileiros que mora na África do Sul e veio ao Brasil a passeio. O casal passou por exames no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, que detectou a infecção pelo coronavírus e encaminhou amostras ao ICB-USP na última quarta-feira (8).
“Essa amostra foi rapidamente sequenciada pelo hospital, que confirmou que era a Ômicron. Pegamos essa amostra e colocamos em cultura de célula”, explica Durigon.
O grupo de pesquisadores do ICB-USP também foi o primeiro a conseguir isolar e cultivar em laboratório a cepa original do Sars-CoV-2 que chegou ao Brasil, no fim de fevereiro de 2020.
Na época, alíquotas do vírus cultivado em laboratório foram distribuídas a grupos de pesquisa e laboratórios clínicos públicos e privados em todo o país e permitiram o desenvolvimento dos primeiros testes diagnósticos de Covid-19 no Brasil e a realização de estudos sobre a doença.
“Agora, estamos preparando alíquotas da cepa Ômicron para poder distribuí-las a laboratórios e grupos de pesquisadores que queiram padronizar novos testes para identificar essa variante rapidamente em outras cidades e estados”, afirma Durigon.
A previsão é que no período de duas semanas haverá um estoque suficiente de vírus cultivado para dar início à distribuição pelo país. “Aos laboratórios que estão necessitando com mais urgência, conseguimos enviar algumas alíquotas mais rapidamente”, diz Durigon.
Neutralização por efeito citopático
O isolamento da cepa original do Sars-CoV-2 e da variante Ômicron foi feito por meio de uma técnica de reação de neutralização por efeito citopático, conhecida como VNT, que os pesquisadores do ICB aprimoraram durante a epidemia de zika vírus no Brasil.
“Com a chegada do Sars-CoV-2 ao Brasil, conseguimos isolar o vírus e usá-lo como controle-padrão de neutralização”, disse Durigon em palestra no Simpósio sobre a CoronaVac, realizado pelo Instituto Butantan e pela indústria farmacêutica Sinovac Biotech, produtora do imunizante, entre os dias 7 e 9 de dezembro.
Para que o vírus seja isolado, as amostras clínicas dos pacientes são incubadas em cultura de células Vero e levadas para uma estufa, onde permanecem entre 48 e 72 horas. A partir de 48 horas, os pesquisadores observaram que o Sars-CoV-2 causa mudanças (efeitos citopáticos) bastante características nas células hospedeiras.
“As células ficam bastante arredondadas. Algumas variantes do Sars-CoV-2 causam até sincícios [formação de células multinucleadas por fusão de células uninucleadas ou por muitas divisões celulares incompletas de células]”, afirma Durigon. “Após 72 horas, conseguimos isolar 100% das amostras com relativa facilidade”, diz.
A técnica de neutralização também foi empregada para avaliar a produção de anticorpos neutralizantes no soro ou plasma de convalescentes de Covid-19.
Nesse ensaio, o soro ou o plasma sanguíneo do paciente é diluído de maneira seriada e incubado com quantidades conhecidas do vírus. A mistura de soro e vírus é então transferida para as culturas de células Vero, e o efeito citopático do vírus é avaliado depois de 72 horas. O resultado é reportado como a maior diluição do soro capaz de neutralizar o efeito citopático do vírus.
“O plasma de pacientes convalescentes, com altos títulos de anticorpos neutralizantes, ainda é usado hoje no tratamento de pacientes com Covid-19 em estado grave e no tratamento precoce, nos primeiros sete dias de infecção”, explica Durigon
Os pesquisadores também empregaram a técnica VNT para avaliar a quantidade de anticorpos neutralizantes induzidos pela CoronaVac.
Os resultados de dois estudos, com a participação de 580 e 866 indivíduos vacinados com o imunizante, respectivamente, demonstrou que, após a segunda dose, a CoronaVac induz a produção de anticorpos neutralizantes em títulos altos, chegando até 640 para as cepas Wuhan, P1 (Gama), P2 (Zeta) e Delta. Os títulos atingem um pico entre 30 e 60 dias após a segunda dose. Depois há um decaimento, mas ainda são detectáveis até cinco meses após a vacinação, e a memória imunológica perdura.
“Diferentemente de vacinas que estão sendo usadas para induzir a produção de anticorpos contra a proteína spike — usada pelo Sars-CoV-2 para se conectar ao receptor da célula humana e viabilizar a infecção —, a CoronaVac também induz anticorpos contra a nucleoproteína do vírus. Isso aumenta muito a imunidade geral”, avalia Durigon.
O acompanhamento de alguns pacientes vacinados com a CoronaVac e que contraíram a doença posteriormente também indicou que esses indivíduos, mesmo após seis meses da aplicação da segunda dose da vacina, apresentam resposta muito rápida à infecção, com aumento abrupto dos títulos de anticorpos neutralizantes.
“Essa resposta rápida à infecção permitiu que esses pacientes apresentassem quadros leves da doença. Nenhum deles precisou ser internado”, afirmou Durigon.
A ideia, agora, é avaliar se a variante Ômicron é capaz de escapar ou não dos anticorpos de pacientes que receberam as diferentes vacinas aplicadas no país.