Logo R7.com
Logo do PlayPlus

Sem eficácia comprovada: três práticas médicas que pacientes idosos devem questionar

Pesquisas recentes revelaram que muitos tratamentos tradicionais não são eficazes como se pensavam

Saúde|Paula Span, do The New York Times

Alguns procedimentos indicados para saúde de idosos têm eficácia questionável John P. Dessereau/The New York Times

Um idoso com demência está no hospital e tem dificuldade para engolir. O fonoaudiólogo recomenda engrossar os líquidos que o paciente bebe usando amido ou goma. Depois, especifica qual deve ser a viscosidade do chá, da água ou do suco que ele deve ingerir. Precisa se parecer com mel ou com um néctar de fruta?

O médico prescreve a ordem e o paciente, que recebeu alta, retorna para casa ou para a unidade de enfermagem. A partir de então, passa a beber líquidos engrossados.

A justificativa é que essa substância viscosa, lamacenta, impede que o paciente transporte líquidos para os pulmões e desenvolva pneumonia por aspiração.

Mas essa prática funciona? Há anos, alguns geriatras duvidam.


Recentemente, um estudo feito em larga escala pelo Instituto Feinstein de Pesquisa Médica, em Manhasset, Nova York, descobriu que o espessamento de líquidos não é eficaz para ajudar esses pacientes.

Isso acontece com certa frequência: depois de uma investigação aprofundada, práticas médicas tão comuns que nunca haviam causado desconfiança terminam por gerar dúvidas pela falta de base na realidade. “Há muitas coisas que fazemos na medicina cuja eficácia não é comprovada. Continuam sendo aceitas, mesmo não sendo testadas, porque sempre foram feitas e só por isso continuam sendo executadas”, disse o dr. Matthieu Legrand, anestesista e médico de cuidados intensivos da Universidade da Califórnia, em San Francisco, autor principal de um novo estudo que examina outra prática comum: interromper certos medicamentos para pressão arterial alguns dias antes de os pacientes passarem por uma longa cirurgia.


Aqui, vamos dar uma olhada em três práticas comuns que estão sendo examinadas mais de perto.

Líquidos espessados

Há cerca de uma década, geriatras da Universidade da Califórnia, em San Francisco, decidiram fazer um experimento de um dia de duração: tomaram os mesmos líquidos espessados que frequentemente administram para os pacientes. “Tivemos dores de cabeça e ficamos desidratados. Não conseguimos passar mais de 12 horas fazendo o experimento. E estávamos pedindo aos nossos pacientes com demência que fizessem isso pelo resto da vida. Não havia nada que comprovasse a eficiência desse procedimento”, relatou o dr. Eric Widera, um dos participantes do experimento e autor de um editorial bastante cético publicado recentemente na “Jama Internal Medicine” (revista mensal publicada pela Associação Médica Americana).


Mas agora há novas informações, embora isso não sirva de apoio à prática. Os pesquisadores de Feinstein analisaram o registro médico de quase nove mil pacientes, com idade média de 86 anos, hospitalizados com demência e dificuldade de deglutição. Sua dieta hospitalar consistia principalmente de líquidos finos ou espessados.

Ao combinar os grupos para características-chave, os pesquisadores não encontraram nenhuma diferença significativa na duração da internação hospitalar, nas readmissões ou nas taxas de mortalidade. Aqueles que bebiam líquidos espessados tinham menos probabilidade de precisar de ventilação mecânica, mas, na verdade, eram mais propensos a desenvolver pneumonia ou outros problemas respiratórios.

Além disso, beber algo que se parece com lama “realmente afeta o bem-estar”, afirmou o dr. Liron Sinvani, médico hospitalista e geriatra, autor sênior do estudo. Muitos desses pacientes estão se aproximando do fim da vida.

Como alguns engasgam ou tossem ao beber líquidos finos, faz sentido que ingiram líquidos mais espessos. E há quem não desgoste de tomar estes últimos. “Não podemos afirmar plenamente que essa é uma prática errada, mas podemos questioná-la. Ainda não está claro se o que estamos fazendo é o melhor para as pessoas”, disse Sinvani.

Interrupção de controle da pressão arterial

Entre 25 e 50 por cento dos pacientes que se submetem a uma cirurgia tomam algum medicamento para pressão arterial, os chamados inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), como benazepril, lisinopril e outros “prils”; ou bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRAs) como candesartana, olmesartana e outros “sartanas”, explicou Legrand, acrescentando: “Para os adultos mais velhos, o número é mais elevado.”

Para muitos tipos de cirurgia, faz parte da rotina pedir ao paciente que interrompa esses medicamentos antes da operação. Em geral, o médico teme que a pressão arterial caia muito durante o procedimento, causando complicações como insuficiência cardíaca, AVC ou problemas renais.

Se o paciente esquecer ou confundir as instruções e não interromper os medicamentos a tempo, o médico pode adiar ou até cancelar a cirurgia. Sem os medicamentos, no entanto, a pressão arterial do paciente pode aumentar perigosamente.

Para determinar o que realmente acontece, um estudo escolheu aleatoriamente 2.200 pacientes, com idade média de 68 anos, submetidos a uma variedade de cirurgias não cardíacas em 40 hospitais na França. Metade deles continuou usando um inibidor da ECA ou um BRA até o dia da cirurgia; metade foi orientada a parar de tomar BRA 48 horas antes da operação.

Durante os procedimentos, a pressão sanguínea estava mais propensa a cair no grupo que continuou com os medicamentos. “Mas a taxa de complicações foi exatamente a mesma: cerca de 22 por cento em cada grupo”, informou Legrand, autor principal do estudo, publicado na “Jama”.

Os grupos tiveram taxas semelhantes de ataque cardíaco pós-cirúrgico, derrame, sepse, complicações respiratórias e renais, admissão em terapia intensiva e morte. Um grande estudo internacional e outro no Reino Unido, feitos recentemente, chegaram a conclusões semelhantes.

Legrand alertou que a cirurgia cardíaca é diferente. Esse paciente corre um risco maior. Na maioria dos hospitais, é orientado a continuar com seu medicamento para pressão arterial. Mas, para outras operações, “o paciente não precisa necessariamente parar de tomar seu medicamento. Por isso, é bom que tenha essa conversa com seu médico”, disse ele.

Implante de coluna para dor nas costas

A Food and Drug Administration (agência governamental americana que controla alimentos e medicamentos) informou, em 2020, que cerca de 50 mil estimuladores da medula espinhal, dispositivos destinados a reduzir a dor crônica mediante impulsos elétricos, estavam sendo implantados anualmente – e que, ao longo de quatro anos, a agência tinha recebido 108 mil relatórios de lesões em doentes, incluindo 497 mortes, e reclamações sobre estimuladores com mau funcionamento.

É provável que os implantes anuais tenham aumentado desde então, à medida que os médicos buscam substitutos para a prescrição de opioides. Mas esses estimuladores funcionam?

Aqui, o dilema não é a falta de provas, mas alegações contraditórias e descobertas conflitantes, com pesquisadores discutindo metodologias e resultados – um cenário confuso para pacientes que buscam alívio desesperadamente.

Os médicos especialistas em dor consideram que um tratamento é eficaz se consegue reduzir a dor pela metade em 50 por cento dos pacientes. No entanto, o que pode confundir esses resultados é o potente efeito placebo. “Para o paciente, quanto mais você investe, maior a probabilidade de ver um efeito”, afirmou a dra. Rita F. Redberg, cardiologista da Universidade da Califórnia, em San Francisco, e coautora de um estudo recente publicado na revista “Jama Neurology”.

Um gerador implantado cirurgicamente, com fios inseridos no espaço ao redor da coluna vertebral, é um grande investimento. Esses estudos não são facilmente escamoteados, como na maioria dos ensaios clínicos que se fazem com medicamentos. Nesses casos, os pacientes sabem que receberam os estimuladores.

O novo estudo analisou dados de pedidos de indenização de seguros de saúde relativos a 7.500 pacientes com idade média de 64 anos, que sofriam de dor crônica, a maioria dos quais depois de uma cirurgia de coluna malsucedida. “Fizemos uma correspondência cuidadosa para podermos comparar os resultados”, disse Redberg. Ao longo de dois anos, os 1.260 pacientes que usaram estimuladores da medula espinhal não reduziram o uso de opioides, ou da maioria dos outros tratamentos para dor, comparados com aqueles que buscaram tratamento médico convencional sem a implantação. “Eles queriam se sentir melhor, mas isso não aconteceu”, informou Redberg. Além disso, cerca de um em cada cinco pacientes teve o dispositivo removido ou precisou de uma segunda cirurgia para repará-lo ou mudá-lo de posição.

Duas revisões feitas com a base de dados Cochrane, metanálises feitas por uma rede independente de pesquisadores, encontraram “provas de baixa a muito baixa certeza” de que a estimulação reduz a intensidade da dor e traz “pouco ou nenhum benefício sustentado” para a dor lombar.

No entanto, especialistas em dor e organizações profissionais se apressaram em criticar a metodologia do novo estudo. Por enquanto, as disputas continuam. “Todos nós queremos ajudar os pacientes com dor. Mas essa não é a maneira de fazer isso”, comentou Redberg.

c. 2024 The New York Times Company

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.