Para especialistas, uso de máscara continua sendo importante para o combate à pandemia
Edu Garcia/R7 - 15.02.2022Quando a pandemia se instalou e deixou o mundo em alerta de emergência, muito se falou sobre a possibilidade de uma imunidade de rebanho contra o Sars-CoV-2, isto é, uma defesa natural conquistada por meio da exposição em massa da população ao vírus.
Naquela época, quando ainda não se sabia da possibilidade de reinfecção pelo coronavírus, a OMS (Organização Mundial da Saúde) já se posicionava como forte opositora a essa ideia que passou a ser debatida em diversos países, inclusive no Brasil.
No ano passado, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigou a conduta do governo federal no combate à pandemia ouviu médicos, em grande parte contrários ao isolamento social, que defenderam a imunidade de rebanho. Entre eles estavam alguns dos profissionais apontados como integrantes de um “gabinete paralelo” de aconselhamento ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
A certa altura, também foi discutida a hipótese de que uma imunidade coletiva seria alcançada quando, no mínimo, 70% da população estivesse vacinada contra a Covid-19. Atualmente, a vacinação no Brasil já ultrapassou esse percentual e avança com a aplicação da dose de reforço, mas, apesar da queda considerável do número de óbitos e internações, a imunidade de rebanho não foi alcançada, segundo especialistas ouvidas pelo R7.
O consenso é que a rapidez com que o Sars-CoV-2 sofre mutações impede até mesmo uma perspectiva em que a imunidade coletiva seja possível. Desse modo, a discussão muda de foco: de quando ela ocorrerá para se essa possibilidade pode ser aplicada ao cenário.
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Mônica Levi, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), explica que, na prática, uma imunidade coletiva ocorre quando o vírus para de infectar pessoas e, consequentemente, de circular pela comunidade.
“Essa imunidade nós já vimos acontecer com o sarampo, vírus que já teve ausência de circulação no Brasil, e com a rubéola. É possível interromper essa circulação por meio da vacinação em larga escala, mas o que acontece de diferente com a Covid, que nos deixa com uma grande dificuldade de previsão, é a ocorrência de novas variantes e a possibilidade de transmissão do vírus por vacinados”, destaca Mônica.
Vale dizer que, apesar de eficazes para prevenir internações e mortes pela doença, as vacinas em aplicação contra a Covid-19 não são esterilizantes, o que significa que não impedem que vacinados transmitam o vírus.
“Embora [os imunizantes] diminuam a carga viral de uma pessoa que se infecta, reduzindo a possibilidade de transmissão, ela ainda pode transmitir. Por isso não podemos abrir mão das medidas não farmacológicas [como uso de máscara e distanciamento social]”, alerta a especialista.
Ainda nesse sentido, a infectologista Lina Paola, da Beneficência Portuguesa de São Paulo, destaca que as variantes do coronavírus, que surgem cada vez mais transmissíveis, a exemplo da Ômicron, têm dificultado a vacinação de bloqueio, que serviria para frear a circulação do vírus entre as pessoas.
“A vacinação diminuiu a mortalidade, o número de internações, [fez com que] as ondas fossem mais curtas, mas o coronavírus tem uma rapidez de mutação que não tínhamos visto em outros vírus. Então não sabemos quando vamos ter uma imunidade de rebanho completa, porque a imunidade [não tem] contemplado a velocidade de mutação”, explica.
Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou que pretende rebaixar a Covid-19 ao status de endemia, o que significaria, em tese, que a doença está controlada no Brasil e que a população pode conviver com surtos pontuais e previsíveis. No entanto, a proposta vai na contramão da análise feita por especialistas, que consideraram a decisão precoce e “equivocada”.
Ainda assim, se a doença for reclassificada no país, a infectologista Lina Paola ressalta que um cenário em que a Covid-19 é considerada endêmica não tem relação com uma imunidade coletiva alcançada.
“O que significaria é que o número de novos casos não geraria colapso do sistema de saúde. O fato de ser endêmica não quer dizer que podemos baixar a guarda, muito pelo contrário, teremos que estipular uma vacinação com uma periodicidade que nos permita ter a melhor imunidade para quando aparecer um surto ou uma onda”, afirma.
Em uma endemia, também não seria mais necessária a adoção de medidas não farmacológicas de proteção. A Prefeitura do Rio de Janeiro já decretou o fim da exigência de máscara em ambientes fechados e abertos, e alguns estados têm ido pelo mesmo caminho. Para Mônica Levi, ainda é cedo para considerar que a pandemia acabou.
“Nós estamos diante de uma doença que ninguém conhecia, porque não existia a Covid. Quando achamos que está controlada, diminuindo, fica todo mundo feliz e vem uma nova onda, algo que já vimos acontecer. O que podemos dizer agora é que certamente não basta ter 70% da população vacinada para controlar essa doença, ainda não podemos permitir aglomerações e eliminar o uso de máscara”, afirma.
A diretora da SBIm também destaca a importância do avanço da vacinação para crianças de 5 a 11 anos e da aplicação da dose de reforço contra a Covid-19, que permite um fortalecimento da imunidade conferida pelas vacinas.