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Tecnologia e Ciência

Como as Big Tech monopolizam o mercado e afastam possíveis concorrentes

Gigantes do Vale do Silício foram fundadas há mais de 20 anos e hoje recorrem a poder financeiro para se manter no topo

Tecnologia e Ciência|Mark Lemley e Matt Wansley, do The New York Times

Fundadas há mais de 20 anos, gigantes do Vale do Silício praticamente não têm concorrentes hoje Anthony Quintano/Flickr (Sob Licença Creative Commons - CC BY 2.0)

O Vale do Silício se orgulha de promover a disrupção – com alterações das regras do jogo de mercado, da vida das pessoas e de toda a sociedade. As startups desenvolvem novas tecnologias, revolucionam os mercados existentes e ultrapassam as empresas já estabelecidas. Esse ciclo de destruição criativa nos deu várias inovações tecnológicas que hoje estão presentes em nosso cotidiano: o computador pessoal, a internet e o smartphone. Contudo, nos últimos anos, muitas dessas empresas tecnológicas, que estão aí há um bom tempo, quiseram manter seu domínio de mercado. Por quê? Parece que aprenderam como cooptar as startups potencialmente disruptivas antes que estas se tornem competitivas e ameaçadoras.

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Basta ver o que está acontecendo com as empresas líderes na área da inteligência artificial (IA) generativa.

A DeepMind, uma das primeiras startups de IA, foi adquirida pelo Google. A OpenAI – que começou como uma organização sem fins lucrativos para ser um contrapeso ao domínio do Google – arrecadou US$ 13 bilhões da Microsoft. A Anthropic – startup fundada por engenheiros oriundos da OpenAI que se opunham à influência da Microsoft – levantou US$ 4 bilhões da Amazon e US$ 2 bilhões do Google.

Na semana passada, chegou a notícia de que a Comissão Federal de Comércio dos EUA estava começando a investigar as negociações entre a Microsoft e a Inflection AI – startup fundada por engenheiros da DeepMind que antes trabalhavam para o Google. Tudo indica que o governo americano quer saber se o acordo da Microsoft, que consiste em pagar um licenciamento de US$ 650 milhões à Inflection, foi uma forma de burlar as leis antitruste. Basta lembrar que, antes, a Microsoft tentou destruir a Inflection contratando a maior parte de sua equipe de engenharia.


A empresa de Bill Gates defendeu sua parceria com a Inflection. Mas será que o governo tem razão em se preocupar com esses acordos? Achamos que sim. No curto prazo, as parcerias entre as startups de IA e as Big Tech, as grandes empresas de tecnologia, proporcionam, às primeiras, enormes somas de dinheiro. Também dão a elas acesso a tecnologias e dados que são difíceis de obter e que essas startups parecem querer muito. Mas, no longo prazo, como se vê, é a concorrência e não a consolidação das empresas no mercado que proporciona o progresso tecnológico.

Começo modesto

As Big Tech de hoje começaram como pequenas startups. Construíram negócios descobrindo como comercializar as novas tecnologias, como o computador pessoal da Apple, o sistema operacional da Microsoft, o mercado on-line da Amazon, o mecanismo de busca do Google e a rede social do Facebook. Eram novas tecnologias que não competiam tanto com empresas já estabelecidas. Tiveram oportunidade para contornar a concorrência com as grandes, oferecendo novas formas de produção, de um jeito que mudou as expectativas do mercado.


Mas esse padrão de startups inovando, crescendo e ultrapassando as empresas já estabelecidas parece ter tido um freio. As atuais gigantes da tecnologia envelheceram. Foram fundadas há mais de 20 anos – a Apple e a Microsoft na década de 1970, a Amazon e o Google na década de 1990 e o Facebook em 2004. Mas por que não surgiu nenhum novo concorrente para sacudir o mercado?

A resposta não é que as gigantes da tecnologia de hoje sejam simplesmente as melhores em inovação. As melhores provas disponíveis para basear uma análise – os dados de patentes – sugerem que as inovações têm maior probabilidade de vir de startups do que de grandes empresas estabelecidas. É o que também prevê a teoria econômica.


Uma empresa estabelecida, possuidora de uma grande participação de mercado, tem menos incentivos para inovar. Há sempre o risco de que novos produtos canibalizem as vendas dos produtos existentes. Engenheiros talentosos ficam menos entusiasmados com as ações de uma grande empresa que não esteja vinculada ao projeto em que estão trabalhando. Preferem as ações de uma startup que pode crescer exponencialmente. Dentro das grandes empresas, os gerentes são recompensados pelo desenvolvimento de melhorias e incrementos que satisfaçam os clientes atuais. Para eles, isso é mais seguro do que as inovações disruptivas que oferecem o risco de desvalorizar as habilidades e os relacionamentos que lhes dão poder.

Por isso, as gigantes da tecnologia aprenderam a interromper o ciclo. Investem em startups que desenvolvem tecnologias disruptivas, o que lhes dá ingerência sobre potenciais ameaças competitivas e capacidade de influenciar a direção de empresas menores. A parceria da Microsoft com a OpenAI ilustra o problema. Em novembro, Satya Nadella, executivo-chefe da Microsoft, disse que, mesmo que a OpenAI desaparecesse repentinamente, seus clientes não teriam motivo para se preocupar, porque “temos as pessoas, temos a computação, temos os dados, temos tudo”.

É claro que as empresas estabelecidas sempre ganham quando sufocam a concorrência. Empresas de tecnologia mais antigas, como a Intel e a Cisco, entendiam o valor da aquisição de empresas iniciantes com produtos complementares. O que é diferente hoje é que os executivos de tecnologia aprenderam que até mesmo empresas iniciantes, que atuam fora dos mercados principais, podem se tornar ameaças competitivas. Mas as atuais gigantes da tecnologia possuem dinheiro suficiente para cooptar e mitigar essas ameaças. Quando estava sendo julgada por violações da lei antitruste, no fim da década de 1990, a Microsoft foi avaliada em dezenas de bilhões de dólares. Hoje, está avaliada em mais de US$ 3 trilhões.

Além do dinheiro, as gigantes de tecnologia podem aproveitar o acesso a seus dados e redes, recompensando as startups que cooperam e punindo as que competem. De fato, esse é um dos argumentos do governo em seu novo processo antitruste contra a Apple, que negou essas alegações e pediu que o caso fosse arquivado. As gigantes também podem usar suas conexões na política para incentivar a regulamentação que serve como uma barreira à competição.

Você se lembra daqueles anúncios do Facebook que defendiam uma maior regulamentação da internet? A rede social não os estava exibindo para se mostrar boazinha. Segundo o site de pesquisas na área de tecnologia The Markup, as propostas do Facebook “consistem, em grande parte, na implantação de requisitos para sistemas de moderação de conteúdo, que o Facebook já havia implantado anteriormente”. O que lhe deu vantagem para ser pioneiro em relação à concorrência.

Quando as táticas não conseguem fazer com que uma startup deixe de competir, as gigantes da tecnologia podem simplesmente comprá-la. Mark Zuckerberg deixou isso claro em um e-mail que enviou para um colega antes de o Facebook comprar o Instagram. Se empresas iniciantes como o Instagram “crescerem em grande escala, poderão nos perturbar muito”, escreveu ele.

As Big Tech também cultivam relacionamentos com os chamados capitalistas de risco, já que as startups têm a característica de ser um investimento de risco. Para que um fundo de risco seja bem-sucedido, pelo menos uma das empresas de sua carteira deve gerar retornos exponenciais. Quando as ofertas públicas de ações diminuíram, os capitalistas de risco recorreram cada vez mais a aquisições para aumentar seu investimento. Eles sabem que apenas um pequeno número de empresas pode adquirir uma startup pagando altos valores, por isso se mantêm amigos das Big Tech, na esperança de orientar suas startups para obter acordos com as empresas já estabelecidas. É por isso que alguns capitalistas de risco proeminentes se opõem a uma aplicação mais rigorosa da lei antitruste: é ruim para os negócios deles.

A cooptação das startups pode parecer inofensiva no curto prazo. Algumas parcerias entre empresas estabelecidas e startups são produtivas. E as aquisições proporcionam aos capitalistas de risco os retornos de que necessitam para persuadir seus investidores a colocar mais capital na próxima startup que venha ocupar a vaga.

Mas a cooptação mina o progresso tecnológico. Quando uma das gigantes da tecnologia compra uma startup, pode encerrar o avanço tecnológico que a startup desenvolvia. Ou poderá desviar as pessoas e os ativos da startup para as próprias áreas internas que necessitam de inovação. E, mesmo que isso não aconteça, os obstáculos estruturais que inibem a inovação em grandes empresas poderão minar a criatividade dos funcionários da startup adquirida. A IA, por exemplo, tem características de uma tecnologia disruptiva clássica. Mas, à medida que as startups disruptivas pioneiras se ligam às Big Tech, uma a uma, podem se tornar mais do mesmo, talvez nada mais do que uma melhora na automatização de mecanismos de busca.

Possíveis soluções

A administração Biden pode intervir para tentar resolver o problema.

No início deste ano, a Comissão Federal de Comércio anunciou que estava investigando os acordos das Big Tech com as empresas de IA. É um passo promissor. Mas as regras que tornam possível a cooptação de empresas menores precisam mudar.

Em primeiro lugar, o Congresso deveria expandir a lei das “direções interligadas” – que proíbe diretores ou dirigentes de uma empresa de trabalhar como diretores ou dirigentes de seus concorrentes – para evitar que as gigantes tecnológicas coloquem seus empregados em conselhos de administração das startups. Em segundo lugar, os tribunais devem penalizar as grandes empresas que restringem acesso a seus dados ou redes com base no fato de a empresa menor ser um concorrente potencial. Terceiro, à medida que o Congresso caminha para regulamentar a IA, deve ter cuidado para não redigir regras que fortaleçam as grandes empresas.

Finalmente, o governo deveria identificar uma lista de inovações potencialmente disruptivas – como IA e realidade virtual – e deixar claro que observará qualquer fusão entre as gigantes e as startups que desenvolvam esse tipo de tecnologia. É uma política que pode dificultar a vida dos capitalistas de risco que gostam de dar palestras sobre disrupção e depois beber com os amigos do departamento de desenvolvimento corporativo da Microsoft. Seria também uma boa notícia para as empresas tradicionais que querem vender produtos aos clientes, e não para as startups que se vendem aos monopólios. Seria bom para os consumidores, que se beneficiariam do aumento da concorrência, depois de passarem tanto tempo sem ela.

(Mark Lemley é professor da Faculdade de Direito de Stanford e cofundador da startup de análise jurídica Lex Machina. Matt Wansley é professor associado da Faculdade de Direito Cardozo e foi conselheiro-geral da nuTonomy, startup de condução automatizada.)

c. 2024 The New York Times Company

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