Anaheim, Califórnia – No dia 19 de março, uma equipe internacional de astrônomos revelou a prova mais convincente até agora de que a energia escura – fenômeno misterioso que faz o universo se expandir cada vez mais depressa – não é uma força constante da natureza, mas sim algo que oscila no decorrer do tempo cósmico.De acordo com a nova medição, é possível que a energia escura não leve o universo a uma destruição em todas as escalas, desde os aglomerados de galáxias até os núcleos atômicos. Em vez disso, sua expansão pode diminuir, fazendo com que o universo se torne estável. Ou o cosmo pode até reverter seu curso, terminando em uma destruição conhecida pelos astrônomos como o “Grande Colapso”.Os resultados mais recentes reforçam um indício intrigante, apontado em abril do ano passado, de que há algo errado com o modelo padrão da cosmologia, a melhor teoria científica a respeito da história e da estrutura do universo. As medições, feitas no ano passado e neste mês, vêm da colaboração que opera o Instrumento Espectroscópico de Energia Escura (Desi, na sigla em inglês), instalado em um telescópio do Observatório Nacional de Kitt Peak, no Arizona. “Agora é um pouco mais do que um indício. Isso nos coloca em conflito com as outras medições. A menos que a energia escura evolua – aí, sim, tudo se encaixa perfeitamente”, afirmou Michael Levi, cosmólogo do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley e diretor do Desi.O anúncio foi feito em uma reunião da Sociedade Americana de Física, em Anaheim, na Califórnia, acompanhado de uma série de artigos que descrevem os resultados, atualmente em revisão por pares e previstos para publicação na revista “Physical Review D”. “É justo dizer que esse resultado, interpretado de maneira literal, parece ser o maior indício que temos sobre a natureza da energia escura nos últimos 25 anos desde sua descoberta”, escreveu em um e-mail Adam Riess, astrofísico da Universidade Johns Hopkins e do Instituto de Ciências do Telescópio Espacial de Baltimore, que não participou do estudo. Ele foi um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Física de 2011 pela descoberta da energia escura.Mas enquanto as observações do Desi questionavam o modelo padrão da cosmologia, que prevê que a energia escura é constante ao longo do tempo, outro resultado o reforçou. No dia 18 de março, a equipe multinacional que operava o Telescópio Cosmológico do Atacama, no Chile, publicou as imagens mais detalhadas já registradas do universo primitivo, quando ele tinha apenas 380 mil anos. (Esse telescópio foi desativado em 2022.)Seu relatório, ainda não revisado por pares, sugere que o modelo padrão funcionava de acordo com o esperado no universo primordial. Um dos elementos desse modelo, a constante de Hubble, descreve a velocidade de expansão do universo, mas, nas últimas cinco décadas, as medições dessa constante apresentaram divergências marcantes. Essa inconsistência, chamada de tensão de Hubble, se reduziu para cerca de 9% atualmente. Alguns teóricos sugeriram que talvez uma explosão adicional de energia escura no universo primitivo, quando as condições eram quentes demais para a formação de átomos, pudesse resolver essa tensão. Os resultados mais recentes do Atacama parecem descartar essa hipótese. Mas eles não indicam se a natureza da energia escura pode ter evoluído no decorrer do tempo.Ambos os estudos foram amplamente elogiados por outros cosmólogos, que, ao mesmo tempo, admitiram sentir uma confusão cósmica a respeito do que tudo isso significa. “Acho que já não sobram muitas ideias boas para explicar a tensão de Hubble neste momento”, disse Wendy Freedman, cosmóloga da Universidade de Chicago que dedicou sua carreira à medição do universo e que não participou de nenhum dos estudos.Michael Turner, teórico da Universidade de Chicago, que também não esteve envolvido nas pesquisas, declarou: “A boa notícia é que não há rachaduras no ovo cósmico. A má notícia é que não há rachaduras no ovo cósmico”, em referência à metáfora de Joseph Chilton Pearce a respeito da estrutura de crenças e percepções que impulsiona nossa realidade consensual. Turner, que cunhou o termo “energia escura”, acrescentou que, se houver uma rachadura, “ela ainda não se abriu o suficiente para que possamos enxergar com clareza o próximo grande avanço da cosmologia”.Os astrônomos costumam comparar as galáxias de um universo em expansão às passas de um bolo no forno. À medida que a massa cresce, as passas se afastam umas das outras. Quanto mais distantes estão, mais depressa se separam.Em 1998, dois grupos de astrônomos mediram a expansão do universo analisando o brilho de um tipo específico de supernova, ou estrela em explosão. Como essas supernovas emitem a mesma quantidade de luz, parecem previsivelmente mais fracas a distâncias maiores. Se a expansão do universo estivesse diminuindo, como se pensava na época, a luz das explosões distantes deveria parecer um pouco mais brilhante do que o esperado. Para surpresa dos cientistas, os dois grupos descobriram que as supernovas estavam mais fracas do que o previsto. Em vez de desacelerar, a expansão do universo estava se acelerando.Nenhuma forma de energia conhecida pela física pode impulsionar essa expansão acelerada, porque sua força deve diminuir à medida que se dispersa em um universo em crescimento. A menos que essa energia venha do próprio espaço.Essa energia escura apresentava todas as características de um fator de correção que Albert Einstein incluiu em sua teoria da gravidade em 1917 para explicar por que o universo não colapsava sob o próprio peso. Esse fator, conhecido como constante cosmológica, representava uma espécie de repulsão cósmica que equilibraria a gravidade e estabilizaria o universo – ou ao menos era o que ele pensava. Em 1929, quando se confirmou que o universo estava em expansão, Einstein descartou a constante cosmológica e, segundo relatos, considerou essa ideia seu maior erro.Mas era tarde demais. Uma característica da teoria quântica, desenvolvida em 1955, prevê que o espaço vazio está repleto de energia, o que produziria uma força repulsiva equivalente ao fator de correção de Einstein. Nos últimos 25 anos, essa constante passou a fazer parte do modelo padrão da cosmologia. O modelo descreve um universo que surgiu há 13,8 bilhões de anos, em uma imensa explosão conhecida como Big Bang, composto por 5% de matéria atômica, 25% de matéria escura e 70% de energia escura. Mas o modelo não explica o que de fato são a matéria escura e a energia escura.Se a energia escura for, de fato, a constante de Einstein, o modelo padrão prevê um futuro sombrio: o universo continuará se expandindo para sempre, tornando-se cada vez mais escuro e solitário. As galáxias distantes acabarão ficando longe demais para ser vistas. Toda a energia, a vida e o pensamento serão sugados do cosmos.Os astrônomos da equipe Desi estão tentando caracterizar a energia escura estudando as galáxias em diferentes eras do tempo cósmico. Pequenas irregularidades na dispersão da matéria do universo primordial influenciaram as distâncias entre as galáxias atuais – distâncias que se expandiram de forma mensurável, em conjunto com o universo.--PAGE BREAK--Os dados usados na última medição do Desi consistiam em um catálogo de quase 15 milhões de galáxias e outros objetos celestes. Sozinho, esse conjunto de dados não sugere que haja algo errado na compreensão teórica da energia escura. Mas, quando combinados com outras abordagens para medir a expansão do universo – por exemplo, o estudo da explosão de estrelas e da luz mais antiga do universo, emitida cerca de cem mil anos depois do Big Bang –, os dados já não correspondem ao que o modelo padrão prevê.Enrique Paillas, pesquisador de pós-doutorado da Universidade do Arizona, que anunciou a nova medição do Desi em 19 de março, destacou que os dados indicam que a aceleração cósmica causada pela energia escura começou mais cedo no tempo e está atualmente mais fraca do que prevê o modelo padrão. A discrepância entre os dados e a teoria chega, no máximo, a 4,2 sigma (nas unidades de incerteza preferidas pelos físicos), o que equivale a uma chance em 50 mil de que os resultados sejam mero acaso. Mas a incompatibilidade ainda não atinge cinco sigma (o equivalente a uma chance em três milhões e meio), o rigoroso padrão estabelecido pelos físicos para que algo seja considerado uma descoberta.Ainda assim, a inconsistência sugere, de maneira intrigante, que há algo no modelo cosmológico que não está bem compreendido. Talvez os cientistas precisem revisar sua interpretação da gravidade ou dar sentido à luz antiga do Big Bang. Os astrônomos do Desi acreditam que o problema pode estar na natureza da energia escura. “Se introduzirmos uma energia escura dinâmica, as peças do quebra-cabeça vão se encaixar melhor”, disse Mustapha Ishak-Boushaki, cosmólogo da Universidade do Texas, em Dallas, que ajudou a liderar a mais recente análise do Desi. Will Percival, cosmólogo da Universidade de Waterloo, em Ontário, e porta-voz da colaboração do Desi, demonstrou entusiasmo com o que está por vir: “Na verdade, é uma pequena injeção de ânimo para essa área. Agora temos algo a perseguir.”Na década de 1950, os astrônomos acreditavam que apenas dois números eram necessários para explicar a cosmologia: um que se relacionava à velocidade da expansão do universo e outro que descrevia sua desaceleração, ou seja, quanto essa expansão estava diminuindo. Isso mudou nos anos 1960, com a descoberta de que o universo estava imerso em luz remanescente do Big Bang, conhecida como radiação cósmica de fundo em micro-ondas. A medição dessa radiação permitiu que os cientistas investigassem a física do universo primordial e como as galáxias se formaram e evoluíram depois. Como resultado, atualmente o modelo padrão da cosmologia exige seis parâmetros, incluindo a densidade da matéria comum e da matéria escura no universo.À medida que a cosmologia se tornou mais precisa, surgiram novas tensões entre os valores previstos e os medidos desses parâmetros, levando a uma proliferação de extensões teóricas do modelo padrão. Mas os resultados mais recentes do Telescópio Cosmológico do Atacama – os mapas mais nítidos já feitos da radiação cósmica de fundo – parecem fechar a porta para muitas dessas extensões.O Desi continuará coletando dados durante pelo menos mais um ano. Outros telescópios, em terra e no espaço, estão traçando uma visão própria do cosmos; entre eles, o Zwicky Transient Facility, em San Diego, o telescópio espacial europeu Euclid e a missão SPHEREx da Nasa, lançada recentemente. No futuro, o Observatório Vera C. Rubin começará a registrar um filme do céu noturno a partir do Chile neste verão setentrional, e o Telescópio Espacial Roman da Nasa será lançado em 2027.Cada um deles captará a luz do céu, medindo partes do cosmos a partir de diferentes perspectivas e contribuindo para uma compreensão mais ampla do universo como um todo. Todos servem como lembretes constantes de como o universo é um enigma difícil de decifrar. “Cada um desses conjuntos de dados tem os próprios pontos fortes. O universo é complicado. E estamos tentando desvendar muitas coisas diferentes”, disse Alexie Leauthaud, cosmóloga da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, e porta-voz da colaboração do Desi.c. 2025 The New York Times Company