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A cirurgia plástica de Cabo Anselmo, a vida atual e a participação nas manifestações anti-Dilma

Leia a sexta parte da entrevista com José Anselmo dos Santos, agente duplo da ditadura

Brasil|Alvaro Magalhães, do R7*

Em 1973, a ação que levou às mortes de Soledad Barrett Viedma e outros cinco integrantes da VPR no Massacre da Chácara São Bento foi a última de José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, como agente infiltrado. Reconhecido como traidor e condenado à morte pelo comando da guerrilha, Anselmo desaparece e passa por cirurgia plástica. Nesta entrevista, ele fala da criação de uma empresa de consultoria de recursos humanos, de sua vida atual. E revela ter participado da primeira manifestação anti-Dilma, em 15 de março deste ano, no Rio de Janeiro.

Confira a entrevista:

R7 - Nesse período após 1973, a plástica ajudou? O senhor nunca foi reconhecido na rua?

José Anselmo dos Santos – A plástica ajudou bastante. Eles botaram um pedaço de osso aqui [no nariz]. Está visível. Então o nariz deixou de ser assim [formato côncavo] e passou a ser assim [convexo]. E pegaram outro pedaço da costela, tiraram aqui, e botaram aqui [na sobrancelha]. Tem um amontoado aqui para ganhar testa. No princípio, quando minha mãe chegou para ficar comigo e eu fui recebê-la no aeroporto, ela não me reconheceu. Depois ela olhou para mim e fez: ‘Meu filho! O que fizeram com você!?’.

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R7 - Isso foi em 1973?

Anselmo – É. A partir daí de 1973, eu fui trabalhar com uma empresa de corte e transporte de madeira, de um delegado de polícia do Dops que era uma pessoa rica. O pai dele tinha várias fazendas de café. Não tinha nem necessidade de ele estar na polícia: Affonso Celso de Lima Acra. Era um bon vivant. Aquilo lá [o trabalho na polícia], para ele, não significava nada, era só status. Ele me levou para administrar o negócio do corte de madeira. Fazia transportes de eucaliptos para a fábrica de papel Simão. Eu tinha meu ganho mensal, essa coisa toda. Mas não tinha registro. Pouco tempo depois, veio a minha mãe e foi alugada uma casa. Eu pagava aluguel porque eu já estava trabalhando. Mas o aluguel estava em nome de outra pessoa. Uma casinha lá em Guarulhos, uma casinha geminada. E eu morei lá com a minha mãe por muito tempo.

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R7 - O senhor passou todo esse período, até o fim dos anos 1990, nessa empresa?

Anselmo – Não. Depois de um tempo, eu saí da empresa do doutor Acra e, eu tinha uma companheira... E também não me pergunte nome, nem nada porque eu não vou dizer. Ela morreu também, mas tem toda a família dela e eu não quero absolutamente causar constrangimento. Como fiz com a minha família durante muito tempo. Então, com essa companheira, nós montamos uma pequena empresa de consultoria.

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R7 - Consultoria?

Anselmo – Consultoria de recursos humanos para empresas. Eu comecei a fazer cursos. Ler tudo que tinha sobre administração empresarial. Alvin Toffler, por exemplo, me ajudou muito. Um dos primeiros trabalhos que eu fiz foi, por exemplo, entrevistar 830 empregados de uma empresa. E depois traçar um layout operacional e fazer um relatório de sugestões para aquela empresa. Foi tudo aceito, parte foi feito, funcionou muito bem. A partir daí veio mais uma, outra, outra, outra. E no final, a gente trabalhava muito com treinamento de pessoal. Eu montei cursos, trabalhei com o Senac, trabalhei com um monte de empresa. Fazia treinamento empresarial. Muito bem, aí nós chegamos à entrevista para o livro Eu, Cabo Anselmo [depoimento de Anselmo ao jornalista Percival de Souza, publicado em 1999].

R7 - O senhor menciona, no livro, ter trabalhado com PNL [programação neurolinguística]. O senhor usou a PNL também para pensar sobre sua própria vida?

Anselmo – Ah, não foi a PNL que me ajudou a pensar. Eu pensei. Eu li todo Freud, Adler, Jung. Li, não. Estudei. Detestei o Freud, amei o Jung. O Adler meio lá, meio cá. Karen Horney. E vai por aí. Li muita gente do meio psicológico para saber que diacho era aquilo. Depois eu conheci um curso de desenvolvimento espiritual. Aprendi muita coisa, foi bom. E depois veio a Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística. Eu fui fazer aquele fim de semana [treinamento]. ‘Esse troço é legal’, pensei. Aí passei na Summus Editorial e comprei tudo que tinha de livro sobre programação neurolinguística. Sapos em Príncipes, Atravessando, Transformando-se e vai por aí. Li todas aquelas escolas de programação neurolinguística. Li tudo. E comecei a pegar coisa dali e praticar, inclusive no treinamento do pessoal. A programação neurolinguística foi bom para mim. Mas foi muito melhor para mim trabalhar, travar relacionamentos. Quer dizer: autoestima. Poder pensar: ‘Eu posso fazer por mim, pela minha vida e pelos outros’. Eu tenho o princípio: ‘Se eu não estou servindo aos outros, de quem eu dependo, qual seria a outra coisa a fazer?’. Minha missão na vida é essa, acabou.

R7 - Em 1999, a partir da publicação do livro Eu, Cabo Anselmo e de uma reportagem na TV, a sua nova imagem, após a plástica, tornou-se pública.

Anselmo – É. Aí eu tive que abrir mão de todas as empresas com quem eu trabalhava porque senão eu seria reconhecido.

R7 - E do que o senhor vive hoje?

Anselmo – Tem umas pessoas que botam um dinheirinho para mim na conta de um amigo meu e o meu amigo vai lá no banco, tira e me dá.

R7 - Mensalmente?

Anselmo – Sim, senhor.

R7 - Pessoas da época em que o senhor atuou no Dops?

Anselmo – Não, pessoas que eu conheci depois. Pessoas até que o Carlos Alberto me apresentou. Mas é empresário, esse tipo de gente.

R7 - O [investigador, hoje delegado] Carlos Alberto Augusto não?

Anselmo – Ele não tem onde cair morto. O Carlos Alberto casou, divorciou, ainda paga plano de saúde para filha e para o filho que já são adultos. Carlos Alberto é um Dom Quixote. O Dom Quixote está lutando num terreno que não é o dele, que não existe. E, do outro lado, Dom Quixote está buscando o amor das mulheres. E, ainda, Dom Quixote está dando tudo o que pode. Ele é um sonhador.

R7 - Carlos Alberto reapareceu agora, ficou em evidência em reportagens de TV, durante as últimas manifestações.

Anselmo – Eu vi.

R7 - O que o senhor achou? Teve vontade de participar das manifestações também?

Anselmo – Eu participei de uma.

R7 - Qual?

Anselmo – A do Rio. Achei fantástico.

R7 - A primeira delas? De 15 de março?

Anselmo – A primeira. Achei um troço fantástico.

R7 - Subiu em carro de som?

Anselmo – Não, não. Eu passei pela avenida. Mas não foi gritando, nada disso. Eu sou observador. O negócio é o seguinte: eu acho que a população toda tem que se manifestar. E quando você vê hoje as pesquisas de opinião, vê que a governante está com 9% de aprovação, eu fico pensando: ‘Poxa, como é que pode?’. Depois você vê a fala da moça, o jeito que ela fala, ‘mandioca’, ‘mulher sapiens’. Como é que pode um negócio desse?

R7 - O senhor chegou a ser reconhecido na passeata?

Anselmo – Não.

R7 - Desde a divulgação de sua imagem, em 1999, alguém te reconheceu?

Anselmo – Reconheceu, veja você. Quando eu dei entrevista na TV Cultura, no Roda Viva, eu dormi num hotelzinho e, no dia seguinte, fui para rodoviária tomar um ônibus para ir para o lugar onde eu estava. Ali, um sujeito gritou: ‘Eu vi você, você é o fulano e tal, gostei’. Eu tomei um susto danado naquele momento.

R7 - Foi o único momento?

Anselmo – Ah, não! Também no Rio de Janeiro uma mulher que estava num daqueles grupos ali me reconheceu. Ela chegou e disse: ‘Você é o fulano!’. Aí eu fiz que não era comigo, dei as costas e fui...

R7 - Na passeata?

Anselmo – É, é. Pode até ter sido uma pessoa com quem eu convivi naquele tempo, né? Sei lá.

R7 - O senhor diz que perdeu sua carteira de identidade naquela época e não recuperou até hoje. Como está essa situação?

Anselmo – Opa! Você tem uma para mim aí? Está como você viu [no livro].

R7 - Mas há alguma ação na Justiça?

Anselmo – Eu não tenho um tostão para pagar advogado. O que me dão, dá para mal comer.

R7 - O senhor conta que já houve um comparativo entre as suas digitais e as digitais de seu cadastro na Marinha.

Anselmo – Claro.

R7 - E o que ocorreu?

Anselmo – A Marinha disse que não podia dar o documento.

R7 - Já chegou a ser parado na rua pela polícia e não ter como explicar essa falta de documentos?

Anselmo – Não. Sou um velho de cabelo branco.

R7 - Após sua nova imagem ser veiculada, em 1999, o senhor chegou a receber alguma ameaça?

Anselmo – Não. Só... você lendo determinados blogs, você vê pessoas que eram militantes, extremistas que perderam amigos ou que perderam familiares etc... Quer dizer: toda a esquerda mais comprometida com o movimento guerrilheiro, a mais radical, sem dúvida, tem ódio de mim. Eu não odeio ninguém. O mais importante para mim, sabe o que é? É o meu espírito. Estando de bem com isso aqui, eu te reconheço como parte de uma totalidade que nos perpassa. E que, se eu não estou te servindo, não estou fazendo nada.

LEIA A SÉTIMA E ÚLTIMA PARTE DA ENTREVISTA: A 'consciência tranquila'

E leia também:

Parte 1: Marighella, a Revolta dos Marinheiros e a fuga facilitada

Parte 2: A prisão em 1971 e a tortura

Parte 3: A decisão de mudar de lado e a vida como agente duplo

Parte 4: A morte de Soledad, a traição de Fleury

Parte 5: Os outros militantes presos ou mortos

Volte à abertura da entrevista

*Colaborou Victor Labaki, estagiário do R7

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