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Brasileira abre o coração contra ‘cultura do estupro’ e ganha o mundo nas redes sociais

Em tempos de Estatuto do Nascituro, Claudia Regina vira, sem querer, porta-voz de gerações

Brasil|Thiago de Araújo, do R7

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Texto da fotógrafa foi traduzido para espanhol, italiano e inglês
Texto da fotógrafa foi traduzido para espanhol, italiano e inglês

Se você possui uma página nas redes sociais, há uma grande chance de ter se deparado com um texto intitulado “Como se sente uma mulher”. De autoria da fotógrafa curitibana Claudia Regina, o desabafo de 1.412 palavras ganhou empatia automática das mulheres e fez homens refletirem. Em foco, 5.000 anos de repressão feminina. A discussão atravessou fronteiras e o texto já ganhou três traduções no exterior.

Em entrevista exclusiva ao R7, Claudia revela que a surpresa pela repercussão foi tão grande quanto o impacto que causou nos internautas, passadas 291 mil curtidas no Facebook e quase 4.000 réplicas no Twitter. O noticiário das últimas semanas, debatendo temas intimamente ligados às mulheres, desde o Estatuto do Nascituro até o possível fim da revista Playboy, publicação voltada ao mundo masculino, comprova a relevância do texto, já disponível em espanhol, italiano e inglês.


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Se a repercussão e o alto interesse podem ser vistos como pontos positivos pela autora, o mesmo não vale para a realidade que ainda impera na sociedade contemporânea, explica Claudia.


— Fiquei bastante surpresa que um texto feminista tenha repercutido tanto, é impressionante. Embora eu fique feliz de um texto meu rodar tanto a internet fico triste com o motivo: luto pelo dia em que textos assim não façam sentido algum, que não seja necessário escrever com tanta crueldade para mostrar os privilégios de alguém.

Em uma plataforma tão imprevisível quanto à internet, evidentemente as opiniões sobre trechos pessoais da vida da autora, como quando ela sofreu um estupro aos oito anos (“Eu e pelo menos dois terços das mulheres que conheço e que você conhece sofreram um estupro e provavelmente não contaram para ninguém”) ou quando diz que “as revistas me ensinam que o meu objetivo na cama é agradar o meu homem”, as opiniões tendem a variar.


— O retorno que recebi foi positivo: muitas pessoas me mandaram mensagens agradecendo pelo e-mail: mulheres se sentiram representadas, o que é um milagre, porque ainda somos sub-representadas, e homens se sentiram empáticos [...]. Não tinha ideia que isso ia acontecer. Escrevo normalmente sobre coisas técnicas da minha profissão, por isso sempre me impressiono com o retorno de textos como esse. Mas sou mulher, e quando escrevo sobre isso escrevo honestamente. Por isso acredito que muitas se identificam.

‘Cultura do estupro’


Aquilo que certa vez a cantora de rock Pitty chamou de “cultura de açougue” é tratado por Claudia Regina como a “cultura do estupro”, vigente há séculos no Brasil. De acordo com ela, o machismo e a questão cultural no País ainda apontam para a mulher como “culpada” em caso de um estupro, por exemplo. A discussão proposta pela autora veio dias antes da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados aprovar o projeto do Estatuto do Nascituro, que dá direitos ao embrião e institui incentivos financeiros com o objetivo de evitar abortos, mesmo em casos que hoje são autorizados.

Mais do que problema de legisladores, tal traço cultural passa pelas próprias mulheres brasileiras, na opinião de Claudia.

— Essa questão é conhecida como slutshaming, para qual ainda não encontramos termo apropriado em português. É uma via de mão dupla: as próprias mulheres julgam e desvalorizam as outras por serem vadias, por usarem seu corpo para ganhar dinheiro. Mulheres e homens devem ser respeitados nas suas decisões do que fazer com o próprio corpo, independente se querem dançar balé ou funk. O maior problema é o que vem junto deste padrão de julgamento: a cultura do estupro. Esta é a cultura que culpa a vítima pela violência sofrida: como quando pessoas (homens e mulheres) julgam a mulher que foi agredida ou estuprada por estar com uma saia muito curta, por exemplo.

Mais do que qualquer notoriedade pelo que pensa, Claudia Regina espera que a sua abordagem da realidade feminina possa dar uma guinada, algo que já vem acontecendo ao longo das últimas décadas em todo o mundo, ainda que não na velocidade desejada. A luta pelo fim de muitos preconceitos torna o feminismo apenas parte da força motriz para uma sociedade mais igualitária, na opinião dela.

— A única forma de romper com todos os estigmas que temos é falando sobre eles e buscando ações afirmativas, como as cotas para negros na universidade. Vários países, como a Noruega, por exemplo, possuem contas mínimas para cargos de chefia para mulheres. É esse tipo de ação que faz chegarmos mais perto da igualdade de classes, raça e gênero.

Radicada no Rio de Janeiro, a curitibana fecha o seu texto com uma afirmação de impacto: “nenhum país do mundo trata suas mulheres tão bem quanto seus homens”. Questionada se, um dia, poderá se dar ao luxo de ver tal realidade como apenas um capítulo de um passado distante, ela prefere não fazer prognósticos. Isso não significa, entretanto, que deixará de participar do processo de mudança. Com ou sem ajuda dos que concordam ou discordam das suas opiniões.

— Minha experiência de vida é muito pequena pra saber se o futuro vai ser melhor ou pior (risos). Quem sou eu para dar este diagnóstico? A única coisa que sei é que existem pessoas lutando pelos direitos humanos, existem pessoas lutando do outro lado, e existe sempre uma massa que não faz nada, por mais que comente algo no Facebook. Sempre foi assim.

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