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Cinco brasileiros honestos contam o que pensam sobre corrupção no Brasil

Leia os relatos de duas desempregadas, dois motoristas de ônibus e um taxista

Brasil|Diego Junqueira, de São Paulo, e Myrcia Hessen, do R7, em Brasília

O que você faria se encontrasse uma mochila com US$ 2.200 (o equivalente a R$ 7.100) ou então uma carteira com R$ 1.200? Já imaginou achar um envelope com cheques que totalizam R$ 250 mil? Você devolveria ou embolsaria a grana? E se o dinheiro fosse público?

O R7 conversou com cinco brasileiros que, após encontrarem uma dinheirama, decidiram não se aproveitar da situação: eles procuraram os donos e devolveram tudo.

Em um ano marcado por investigações de corrupção, manifestações populares e promessas de reforma política, o R7 perguntou a eles o que pensam dos políticos, dos brasileiros e da corrupção.

"Os políticos oferecem coisas em época de campanha e as pessoas acreditam. Eu não", diz Sônia dos Santos, desempregada, moradora da Cidade Estrutural, no Distrito Federal. Em dezembro ela encontrou e devolveu uma bolsa com R$ 233 e cartões de banco com as senhas.


Opinião semelhante tem o motorista de ônibus Edicley Rezende de Oliveira, que mora em Nova Iguaçu (RJ).

— Em época de campanha eles vêm de porta em porta, aperta sua mão, senta contigo, toma café, pega seu filho que está com o nariz escorrendo e diz que ama ele. Mas ganha e tchau, igual fumaça.


Edicley devolveu no ano passado uma bolsa com R$ 1.200 que encontrou no ônibus em que trabalha.

Já para outro motorista do Rio de Janeiro, Ubirajara Moreira de Oliveira, que também devolveu uma carteira ao dono com R$ 1.200, existe uma cultura de que vale a pena levar vantagem em cima dos outros. E isso não é exclusivo da classe política.


“Algumas pessoas até foram agressivas comigo [por ter devolvido o dinheiro]. Fico em dúvida de saber se a maior parte faria a mesma coisa que eu ou se a menor parte. Foi difícil saber isso naquele momento. Digo [isso] pela atitude das pessoas, que me condenaram pela atitude correta que eu cometi”.

Conheça, a seguir, as opiniões de Sônia, Ubirajara, Edicley e as do taxista Maurício Quirino da Silva e da ex-catadora Ana Maurícia dos Santos Cruz sobre o Brasil.

Edicley Rezende: "A gente espera que um dia isso mude"
Edicley Rezende: "A gente espera que um dia isso mude"

Edicley Rezende de Oliveira, motorista de ônibus, de Nova Iguaçu (RJ)

Na linha 908 (Guadalupe-Bonsucesso), toda semana é assim: alguém se esquece de pegar o troco, ou esquece a carteira, a bolsa ou uma peça de roupa. No fim da viagem, o motorista Edicley Rezende de Oliveira, que trabalha pela manhã, recolhe os pertences e guarda.

No ano passado, Edicley ganhou fama após devolver uma bolsa com R$ 1.200. Teve gente que entrou em seu ônibus para lhe apertar a mão. Outras pessoas, no entanto, prometeram lhe dar uma “surra”.

— Conheço motorista que não tem a mesma postura que eu. Até mesmo na ocasião em que achei essa bolsa e devolvi dinheiro, algumas pessoas me falaram: “Tinha que dar uma surra, tinha que bater. Onde já se viu? Não existe isso. O mundo acabou. Esse negócio de honestidade é coisa do passado. A gente tem que viver a vida e o que puder aproveitar, tem que aproveitar”. Mas eu penso diferente. Uma pessoa perdeu uma importância, e eu não sei qual é a necessidade [dela]. O que é meu é meu e o que é seu é seu. Eu me sinto muito tranquilo devolvendo aquilo que não é meu.

Por aquilo “que a gente vê”, diz Edicley, “a desonestidade começa lá do alto, então as pessoas já têm aquela visão de que têm que ter vantagem”.

— De tanto ver as coisas erradas, as pessoas começam a pensar que têm que ser do mesmo jeito. Se o governante ou autoridade, se ele colocasse mais na sua postura, mostraria mais para a sociedade que deveria agir com honestidade. Mas as atitudes deles fazem apologia à desonestidade. (...) Eu penso que em todos os partidos [políticos] sempre tem aquele que age de má fé. Infelizmente hoje, em todo o ramo da sociedade, seja na política, na área religiosa, sempre tem aqueles que querem levar vantagem em cima dos outros.

Para o motorista de ônibus, que mora com a esposa em Nova Iguaçu e precisa fazer bicos para complementar a renda, o “voto é uma das únicas oportunidades para cumprir com nossos direitos de cidadão”.

— Eu vejo pelas propostas, não olho pela pessoa em si, porque se a gente puxar o histórico de cada um, sempre teve um histórico meio distorcido. Mas queria registrar que a gente vota na pessoa para assumir o cargo, mas ela muda completamente o que ela falou, ou ela não executa ou ela esquece.

Edicley afirma que as promessas políticas o deixam “muito decepcionado”.

— Não sei se eles prometem demais e não conseguem cumprir tudo, ou se realmente só prometem para ganhar seu voto e depois esquecer. Porque em época de campanha eles vêm de porta em porta, aperta sua mão, senta contigo, toma café, pega seu filho que está com o nariz escorrendo e diz que ama ele. Mas ganha e tchau, igual fumaça. (...) Eu e minha esposa, esse ano, a gente se perguntou: em quem a gente vota? A gente está tão desacreditado com essa política aí que a gente nem sabe [em quem votar], mas tem que votar em alguém. Vai deixar de votar? Vai colocar em branco, anular o voto? A gente vai lá e vota, mas tem hora que a gente pensa que não está valendo muito a pena não, porque é todo mundo igual, todo mundo farinha do mesmo saco. Mas a gente espera que um dia isso mude.

Ana Maurícia: "Não acredito em tudo o que o jornal fala"
Ana Maurícia: "Não acredito em tudo o que o jornal fala"

Ana Maurícia dos Santos Cruz, desempregada, de Barretos (SP)

Em janeiro, Ana Maurícia dos Santos Cruz, de 23 anos, encontrou R$ 250 mil em cheques enquanto separava o lixo reciclável. Os cheques eram nominais ao Hospital de Câncer de Barretos, mas a então catadora nem se deu conta. Ela procurou a administração do hospital e devolveu os valores.

Ana mora em uma casa simples na cidade com o pai, a mãe e o filho de quatro anos. Em fevereiro ela deixou o trabalho porque “o serviço era muito pesado, trabalho para homem”. Com ensino médio incompleto e atualmente desempregada, ela vive de bicos como babá.

Ana acompanha a política brasileira pelos jornais e pelo Facebook, mas desconfia de tudo o que lê.

— Não acredito em tudo o que o jornal fala. Porque várias coisas que passaram no jornal [sobre mim] não aconteceu. Eu vi esses erros nos jornais. [Então] quando leio nos jornais os casos de corrupção, eu fico em dúvida. Eu não julgo ninguém. Fico observando até o final das histórias para saber se é verdade ou mentira.

Apesar de acompanhar a política, ela não se lembra em quem votou para deputado e senador na última eleição. Desanimada com a inflação e as recentes mudanças trabalhistas, diz estar ficando sem opções de voto.

— Hoje quando a gente vai votar... Vou falar a verdade, quando for votar, vou votar tudo em branco, porque a gente não tem escolha certa. As pessoas falam uma coisa, quando vão fazer, fazem outra. Prometem as coisas e também não fazem.

Há dois meses, no entanto, ela espera por uma promessa: a de um empresário da região que, sensibilizado com sua história, lhe prometeu um book fotográfico e uma vaga em uma campanha de publicidade.

“Eu tenho esperança ainda de que ele vai entrar em contato comigo”.

Quirino da Silva: "Tem que prender todo mundo"
Quirino da Silva: "Tem que prender todo mundo"

Maurício Quirino da Silva, taxista, de Brasília

Quirino da Silva encontrou uma mochila com US$ 2.200, em dezembro passado, esquecida por um passageiro em seu carro. Em 24 horas, a grana já estava nas mãos do dono.

Ao ser questionado sobre corrupção, sua reação é de desânimo. Para ele, a solução seria reformar a política brasileira e punir os corruptos.

— Tem que prender todo mundo. Mas já está melhorando, hoje temos muitos políticos presos. Ser honesto vem de berço. Tem que prender porque ganhar dinheiro [honestamente] é fácil. Em qualquer lugar você consegue dinheiro, trabalhando o cara consegue. Sabe que horas cheguei ontem [em casa]? Muito tarde.

Saiba como está o Maurício agora

Sônia dos Santos, desempregada, da Cidade Estrutural (DF)

Outro caso que impressionou Brasília foi o da desempregada Sônia dos Santos, moradora de uma região humilde na capital federal. Em dezembro passado, ela encontrou e devolveu uma bolsa que, além de R$ 233, continha cartões de banco com as respectivas senhas.

— Eu devolvi para estar bem comigo mesma, as pessoas ficam doente e não sabem o porquê. Se eu faço mal para alguém, eu fico doente, creio que outras pessoas são assim também.

Sônia evita assistir a jornais televisivos para não ouvir histórias sobre corruptos, em especial a dos políticos.

— Os políticos oferecem coisas em época de campanha e as pessoas acreditam. Eu não, eu penso: não posso acreditar nessa mentira, é um engano. Eu acho que as pessoas não estão preparadas para dirigir uma nação. Pensam que vai ficar tudo bem, mas não vai: roubar da nação traz prejuízos para si próprio, para sua família.

A honestidade de Sônia já lhe trouxe problemas. Certa vez, quando estava na fila de um restaurante comunitário que oferece refeições por apenas R$ 1, ela entregou uma nota de R$ 5 e recebeu a mesma nota de volta. Como no caso da bolsa, ela avisou que deveria ter recebido apenas R$ 4, mas as pessoas da fila a hostilizaram.

— No caso da bolsa me deram parabéns, mas dessa vez me chamaram de besta por ter devolvido o dinheiro. Disseram: “ê, mas é besta, só quer ser honesta”. Eu respondi: “quero ser nada, Deus está me vendo”.

Saiba como está a Sônia agora

Ubirajara Moreira de Oliveira, motorista de ônibus, do Rio de Janeiro

“Bobo” e “Só podia ser evangélico” foram algumas das ofensas ouvidas pelo motorista de ônibus Ubirajara Moreira de Oliveira, do Rio de Janeiro, após ir até o hotel de um turista gaúcho para lhe devolver a carteira com R$ 1.200. O caso aconteceu em agosto passado, quando Ubirajara era cobrador da linha Urca-Leblon, com ganhos mensais de R$ 1.080.

Ubirajara se surpreendeu com a “agressividade” de algumas pessoas contra seu gesto de honestidade.

— Tem muita coisa de errado acontecendo e as pessoas acham que deve fazer errado. As pessoas se influenciam a cometer o erro. Vemos tantas coisas erradas, fica até complicado. Quando acontece uma coisa normal de ser, como entregar uma coisa que não te pertence, as pessoas acham errado.

Para o motorista, é preciso ter punição severa aos políticos culpados por corrupção. Ele aponta, no entanto, um “massacre” da imprensa na cobertura desses casos e diz que não se pode mirar um partido político, mas aos seres humanos.

— Em primeiro lugar, deveria ter uma punição mais severa para eles. Vamos contabilizar, em 1992 teve o caso do [ex-presidente Fernando] Collor. O cara foi envolvido naquele escândalo, roubou a poupança dos mais necessitados e está no Senado. Vamos supor, seu eu cometer um crime, eu não posso participar de um concurso público. E ele não, ele está lá. Foi votado e está lá. Mas ele não poderia jamais ter contato com política de novo. Em momento algum. Nem deputado, nem nada. [Os casos de corrupção na classe política] com certeza influencia a população. Eles são nossos representantes, nós que colocamos eles ali. Se eles dão maus exemplos, a sociedade vai pensar: já que eles fazem, por que eu não posso fazer? (...) Hoje as pessoas estão massacrando o PT, mas a questão não é só o partido, a questão são os seres humanos. Homens errados, indignos, não são os partidos políticos. É a honestidade. Pode ser em qualquer outro tipo de partido, se tiver que roubar, vai roubar da mesma forma, se não tiver caráter, se não tiver princípio, vai ser ladrão do mesmo jeito.

Para Ubirajara, “está faltando amor ao próximo”.

— Uma pessoa está precisando de ajuda, então vou estender a mão. E muitas vezes são coisas simples, como ceder um lugar para um idoso no ônibus.

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