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Entidades de defesa de vítimas da ditadura reclamam de falta de diálogo com Comissão da Verdade

Grupo que investiga crimes da ditadura completa um ano de funcionamento neste sábado (16)

Brasil|Filippo Cecilio, do R7


A atuação da CNV (Comissão Nacional da Verdade) — criada para investigar os crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura — carece de uma metodologia de trabalho, não estabelece diálogo com vítimas e parentes de vítimas que sofreram abusos e só se preocupa em desvendar casos com apelo popular. É essa a avaliação que entidades da sociedade civil e advogados que lutam para desvendar os crimes fazem do primeiro ano de existência e funcionamento da CNV.

Criada em 2009, a comissão só foi de fato instalada em 16 de março de 2012, com um prazo de dois anos para apurar violações aos direitos humanos ocorridas no período entre 1946 e 1988. Logo nos seus primeiros dias, a CNV estabeleceu que a comunicação constante com a sociedade e a criação de parcerias com órgãos governamentais e com a sociedade civil organizada seriam os eixos principais de sua atuação.

A meta, porém, não vem sendo atingida. Ao menos na opinião de Beatriz Affonso, diretora do CEJIL (Centro para Justiça e Direito Internacional, na sigla em inglês) — entidade que luta pela defesa dos direitos humanos no âmbito do direito internacional, oferecendo apoio jurídico gratuito para vítimas de abusos.

— Há um descontentamento da sociedade civil com o nível de informação. Às vezes, as manifestações são desencontradas, não se sabe se vão chamar os militares para depor. É um pouco estranho, não há uma manifestação institucional da comissão, mas sim posições individuais dos comissionados.


Beatriz diz que a sociedade civil está completamente alheia ao processo.

— Não posso nem ser crítica a respeito do que se conseguiu, porque não estamos recebendo absolutamente nenhuma informação.


Casos midiáticos

Outra reclamação é a de que a CNV só se debruça sobre casos que repercutem com impacto na imprensa, como a mudança do registro de óbito do jornalista Vladimir Herzog e a liberação de documentos que desvendam a morte do ex-deputado Rubens Paiva.


Para Amelinha Teles, fundadora da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e integrante da Comissão Estadual da Verdade de SP, é muito pouco.

— Até agora a CNV só tratou desses dois casos. Temos um dossiê elaborado com 526 mortos e desaparecidos, e entregamos um exemplar para cada membro da comissão. Colocamos nossas prioridades de forma muito explícita e ainda não obtivemos nenhuma resposta O caso do Rubens Paiva só veio à tona na comissão porque um coronel foi assassinado em Porto Alegre e encontraram documentos no seu baú. Se a gente depender de ter que morrer um coronel para obtermos informação...

O ex-coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias foi assassinado em novembro do ano passado quando chegava de carro em casa.

Em meio a um conjunto de papéis com o timbre do Ministério do Exército, parte deles com o carimbo "Reservado ou Confidencial", estava o documento referente à entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) do Rio de Janeiro, último local em que o ex-deputado foi visto com vida.

Molinas chefiou o DOI-Codi do Rio cerca de dez anos depois do desaparecimento de Paiva.

No caso de Vladimir Herzog, a CNV fez uma recomendação, atendendo solicitação da família do jornalista, e a justiça determinou a mudança do registro de óbito de Herzog para que a causa da morte fosse alterada de “asfixia mecânica” para “morte em decorrência de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército".

O mérito da comissão no caso é questionado por Beatriz, do CEJIL.

— Se não fosse a notificação do Estado brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para quem a gente tinha denunciado o caso Herzog, isso não aconteceria. Ninguém da comissão tinha se mobilizado para conseguir esse atestado de óbito. E agora parece que a comissão fez isso de ofício. Não é verdade. É um pouco desconfortável saber que as coisas funcionam assim, a reboque.

Para o advogado Claudineu de Melo, que defende os interesses da família Merlino — que teve um de seus membros, Luiz Eduardo, morto DOI-CODI em São Paulo, morto em decorrência de atos outros de tortura — a comissão peca por não divulgar o resultado de suas pesquisas.

— A comissão não torna públicos os trabalhos que tem desenvolvido. Mas o que é importante é a função pedagógica da existência dela. Foram criadas as condições para um debate no País sobre esse grave problema da tortura. Quanto ao resultado efetivo, nós vamos saber no final.

Amelinha Teles, que foi militante da resistência contra a ditadura e presa junto com seu marido, irmã grávida e os filhos pequenos – Janaína e Edson Teles, com 5 e 4 anos na época —, acredita que a CNV (Comissão Nacional da Verdade) “nasceu de forma tímida” e não avança por pressão das Forças Armadas.

— A comissão tem vontade de ir em frente, mas está muito engessada ou pela própria Lei de Anistia ou por questões políticas que envolvem o governo e o Estado. Sabemos que tem uma parte do Estado que está irredutível, que não quer abrir informações. O Ministério da Defesa, as Forças Armadas. Qual setor mais sabe a verdade? Foram eles que executaram, criaram os órgão de repressão e as estratégias para o Estado autoritário aplicar sequestros e desaparecimentos forçados.

Procurada pela reportagem do R7, a CNV não quis responder às críticas.

Por meio de sua assessoria, a coordenação da comissão disse que mantém constante diálogo com as entidades e que existe uma Ouvidoria da CNV aberta a acolher esse tipo de reclamação para aprimorar seu funcionamento.

O Exército não se manifestou até o fechamento dessa reportagem.

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