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Há 133 anos, morria Luiz Gonzaga Pinto da Gama, o Luiz Gama. No dia 3 de novembro, Gama finalmente foi reconhecido como advogado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), título que não pôde obter no século XIX por ser negro. Também advogado, jornalista e escritor, Luiz Gama finalmente obtém o reconhecimento como uma das personagens mais importantes na história brasileira, ainda mais pela sua intensa luta contra a escravidão no País. Veja nas imagens a seguir um pouco mais deste ícone nacional
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"Judiciário foi o único lugar onde escravos tiveram a sua voz registrada", diz pesquisador
Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravos
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A imagem acima é uma concepção criada pelo ilustrador Thiago Krening para o programa Nação, da TVE do RSThiago Krening/TVE
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Luiz Gama nasceu em Salvador (BA), na manhã de 21 de junho de 1830. Era filho de Luíza Mahin, uma africana livre, que se dedicava ao comércio como quitandeira “muito laboriosa”, nas palavras do próprio Gama
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"Judiciário foi o único lugar onde escravos tiveram a sua voz registrada", diz pesquisador
Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosRaul Pompeia
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Após participar da Revolta dos Malês e da Sabinada, a mãe de Gama foi levada ao Rio de Janeiro e nunca mais voltou, tendo sido procurada pelo filho em diversas oportunidade nos anos posteriores, mas sem conseguir encontrá-la
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"Judiciário foi o único lugar onde escravos tiveram a sua voz registrada", diz pesquisador
Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravos -
Seu pai era um rico fidalgo de origem portuguesa, pertencente a uma família tradicional, e também revolucionário. Quando atingiu a pobreza extrema, em 1840, vendeu Gama como escravo, aos dez anos de idade. O jovem partiu a bordo do patacho Saraiva, um tipo de navio muito usado à época para transportar escravos em seus porões, rumo ao Rio de Janeiro
Na foto acima, um dos patachos utilizados no século 19 no Brasil
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosWikimedia Commons
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Aos dez anos, foi vendido para um negociante e contrabandista do interior de São Paulo. Em seu relato, diz que “a pé, fiz toda a viagem de Santos até Campinas”. Tendo sido rejeitado por todos os compradores “por ser baiano”, voltou ao Rio de Janeiro, onde aprendeu a ser copeiro, sapateiro, lavar, engomar roupa e costurar. Em 1847, um jovem estudante da área de humanas passou a ensinar Gama, quando ele já tinha 17 anos, a ler e escrever
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosThiago Krening/TVE
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No ano de 1848, com uma alfabetização básica, fugiu da casa onde era escravo, pois sabia que sua condição era ilegal, uma vez que era filho de mãe livre. Até hoje não se sabe quais foram as alegações usadas por ele para conseguir conquistar de volta sua liberdade. Em seguida, serviu o Exército, onde ficou por seis anos até dar baixa por um suposto ato de insubordinação. Ficou preso por 39 dias por este ato
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosAutor desconhecido
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Durante as horas vagas do seu tempo no Exército, escrevia para o escritório de um escrivão, trabalhava como secretário de um agente público e ainda como servidor no escritório de Francisco Maria de Sousa Furtado de Mendonça, catedrático da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (hoje da USP – Universidade de São Paulo). Foi escrivão em diversas instituições policiais, até atuar na Secretaria de Polícia da época, de onde saiu em 1968
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosAutor desconhecido
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Autodidata, estudou direito com o apoio de professores da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Não conseguiu o título de bacharel por ser negro, mas conquistou autorização para atuar nos tribunais defendendo escravos. É atribuída a Gama a frase “O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosThiago Krening/TVE
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Nesta época, na década de 1860, Luiz Gama passou a atuar nos tribunais como rábula, ou provisionado, que é a pessoa com formação jurídica mas sem diploma em direito, que pode atuar nos tribunais em primeira instância. Em carta a um amigo, Lúcio de Mendonça, ele descreve sua ajuda jurídica aos necessitados: “saí para o foro e para a tribuna, onde ganho o pão para mim e para os meus, que são todos os pobres, todos os infelizes; e para os míseros escravos, que, em número superior a 500, tenho arrancado às garras do crime”
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosThiago Krening/TVE
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Gama se casou com com Claudina Fortunata Sampaio Gama. Em 20 de julho de 1859, nasce seu único filho, Benedicto Graccho Pinto da Gama. Pai e filho foram enterrados lado a lado no cemitério da Consolação, em São Paulo
A foto acima representa um busto de Luiz Gama em Salvador, sua cidade natal
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosFlickr/Secretaria de Turismo da Bahia
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Luiz Gama também ficou conhecido por fundar a imprensa humorística ilustrada de São Paulo, com a criação da publicação Diabo Coxo, em 1864. Também fundou o semanário humorístico “Cabrião”, além de ter colaborado com várias publicações, como O Mequetrefe, O Coaraci e o O Ipiranga
Getulino era um dos apelidos de Gama. A alcunha foi utilizada para assinar o seu livro poético Primeiras Trovas Burlescas
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosThiago Krening/TVE
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No dia 3 de novembro de 2015, Luiz Gama foi, finalmente, reconhecido como advogado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosAutor desconhecido
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Em um evento fortemente aplaudido, Silvio Luiz de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama e professor da UPM (Universidade Presbiteriana Mackenzie), reforçou a importância desse reconhecimento, algo pelo qual sempre lutou.
— A tradição do nosso País é forjada a partir de uma base escravocrata, racista, que apaga a contribuição do negro na história. Luiz Gama era um sujeito que não tinha uma educação formal enquanto jurista. De tal sorte que ele nunca esteve no centro do reconhecimento que é dado pelo poder.
A ilustração da imagem é da revista Diabo Coxo, de Gama
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosAngelo Agostini, Luiz Gama/Wikimedia Commons
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O professor Júlio César Vellozo descreve esse processo, encontrado por alunos do Mackenzie no Arquivo Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo.
"Nele Luiz Gama defende a liberdade da escrava Luiza, que chegou ao Brasil entre 1843-1846, período no qual o tráfico estava proibido, sendo o seu cativeiro e o de seus filhos, portanto, ilegal.
Neste trecho vemos letra e assinatura do mais importante advogado da história do Brasil"
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosProcesso encontrado por alunos do Mackenzie no Arquivo Geral do Tribunal Judiciário de São Paulo
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"Anúncio em edição do Correio Paulistano de novembro de 1869 que achei hoje na Hemeroteca Digital. Luiz Gama procura pela mãe de uma criança que ele acabou de livrar do cativeiro. As duas devem ter sido separadas pela escravidão: a mãe vendida para um lado, a filha para outro.
Cento e quarenta e cinco anos depois fico torcendo para que Luiz Gama, o mais importante advogado que este país já teve, tenha tido mais esta vitória: a realização do encontro entre Emília e Conceição", diz Velozzo
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"Judiciário foi o único lugar onde escravos tiveram a sua voz registrada", diz pesquisador
Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosArquivo Geral do Tribunal Judiciário de São Paulo
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Neste texto, cedido por Júlio César Vellozo, professor da Faculdade de Direito do Mackenzie), é relatada uma campanha para arrecadar fundos para a construção de um busto de Luiz Gama no Largo do Arouche.
"[...]houve dois anos de campanha visando arrecadar o dinheiro para a construção do busto de Luiz Gama que hoje existe no Largo do Arouche.
Essa luta foi liderada pelos movimentos negros da cidade.
Um dos eventos para arrecadar fundos foi uma partida de futebol disputada entre um time formado por brancos, outro formado por negros.
O grande Friedenreich, o mais importante jogador de futebol daquele período, queria muito jogar para contribuir e chamar público para partida, mas não podia por estar machucado. Daí, não querendo ficar de fora, pediu para ser o juiz.
A capacidade que a história de Luiz Gama tem de me surpreender e comover como pesquisador parece mesmo ser infinita"
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosArquivo Geral do Tribunal Judiciário de São Paulo
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Em um jornal de 1931, é relatado um espetáculo para arrecadar verba para o busto de Gama
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosArquivo Geral do Tribunal Judiciário de São Paulo
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O busto de Gama, localizado no largo do Arouche, em São Paulo, traz os dizeres "Por iniciativa do progresso. Homenagem dos pretos do Brazil"
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Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosEverton Zanella Alvarenga/Wikimedia Commons
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A professora Ligia Ferreira, da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo) escreveu o livro Com a Palavra, Luiz Gama, que tem objetivo de resgatar as contribuições literárias, culturais e políticas de Gama
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"Judiciário foi o único lugar onde escravos tiveram a sua voz registrada", diz pesquisador
Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosReprodução
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Imagem de Luíza Mahin, mãe de Gama, criada pelo ilustrador Thiago Krening para o programa Nação, da TVE do RS
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"Judiciário foi o único lugar onde escravos tiveram a sua voz registrada", diz pesquisador
Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosThiago Krening/TVE
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Gama também era chamado por outros nomes. Entre seus apelidos estavam Getulino e Diabo Coxo
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"Judiciário foi o único lugar onde escravos tiveram a sua voz registrada", diz pesquisador
Após 130 anos, ex-escravo é reconhecido como advogado por libertar 500 escravosWikimedia Commons