Gasto de água no Palácio do Jaburu dispara em ano de seca histórica
Com racionamento no DF, residência oficial do presidente Michel Temer consumiu o suficiente para abastecer mais de 100 pessoas por mês em 2017
Brasil|Fernando Mellis, do R7
No ano em que os três milhões de moradores do Distrito Federal tiveram que mudar os hábitos devido à seca que esvaziou os reservatórios e impôs o rodízio no abastacimento, o Palácio do Jaburu, residência oficial do presidente Michel Temer (MDB), aumentou o consumo de água na comparação com 2016 e gastou o suficiente para abastecer mais de 100 pessoas por mês.
Levantamento feito pelo R7 com informações publicadas pelo governo no Portal Dados Abertos mostra que o gasto de água no Jaburu em 2017 foi o maior desde 2015 (último ano disponível para consulta): 5.879 m³, ou 5,87 milhões de litros — com essa quantidade é possível encher ao menos duas piscinas olímpicas, de 25 m por 50 m e 2 m de profundidade. Em relação a 2016, a alta do consumo foi de 55% (veja gráfico abaixo).
A reportagem já havia noticiado, em junho do ano passado, o aumento do gasto de água na residência oficial de Temer. Naquela ocasião, o governo afirmou que havia realizado manutenção nos sistemas de drenagem, recirculação e tratamento das piscinas, bem como manutenção no sistema de água aquecida. Disse ainda que realizava estudos para melhoria do sistema de jardinagem.
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Nada disso se traduziu em economia, conforme mostram os números. Em julho, o Jaburu gastou 665 mil litros de água. Essa quantidade dá para abastecer durante um mês 46 apartamentos funcionais do Senado, cujo consumo médio mensal é de 14 mil litros cada um.
Em dezembro, mês em que o consumo de água no Jaburu triplicou, funcionários foram flagrados por uma emissora de TV lavando os carros oficiais com mangueira.
Família presidencial
A primeira-dama, Marcela Temer, o filho do casal, de oito anos, e a sogra do presidente se mudaram para o Jaburu em julho de 2016. O palácio, que serve de residência oficial da Vice-Presidência da República, continuou ocupado por Temer, mesmo após a saída de Dilma Rousseff do Palácio da Alvorada. A família até chegou a passar alguns dias neste último endereço, mas não se acostumou.
A assessoria de imprensa do presidente chegou a justificar que a ida dos familiares para o Jaburu também tinha relação com o aumento da conta de água no comparativo com o começo de 2016. No entanto, isso não se confirma se analisados os segundos semestres de 2016 e 2017.
Em novembro de 2016, por exemplo, quando toda a família já vivia no Jaburu, o gasto de água foi de 311 mil litros. No mesmo mês de 2017, o palácio gastou 610 mil litros. Esse padrão de consumo se repetiu em praticamente todos os meses do ano passado.
O governo desembolsou R$ 126,4 mil com as contas de água e esgoto do Palácio do Jaburu no ano passado: aumento de 40,7% em relação a 2016, em valores corrigidos pela inflação.
Racionamento no DF
Enquanto o Palácio do Jaburu gastou um recorde de água em três anos, mais da metade dos 3 milhões de habitantes do Distrito Federal sofrem com o racionamento desde janeiro de 2017.
No atual modelo, a cada seis dias, uma determinada região fica sem fornecimento por 24 horas. Porém, esse período é maior na prática, uma vez que o a normalização do fornecimento não é imediata.
A Caesb (Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal) diz que o Palácio do Jaburu não passa por racionamento. "A medida foi para não atrapalhar o funcionamento dos prédios públicos e das decisões nacionais", informou a estatal em nota.
Recomendação
A ONU (Organização das Nações Unidas) recomenda que cada pessoa gaste 110 litros de água por dia. Antes da crise hídrica, um morador de Brasília consumia, em média, 160 litros/dia.
A Adasa (Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do DF) calculou que cada imóvel residencial do Distrito Federal consumiu, em média, 10,8 mil litros de água em 2017.
Outro lado
O Palácio do Planalto deu a mesma resposta que havia enviado à reportagem em junho do ano passado. Alegando que "não é possível fazer a comparação do consumo de água no período sugerido, uma vez que a natureza da ocupação do Palácio do Jaburu mudou em 31 de agosto de 2016, quando deixou de ser ocupada apenas pelo vice-presidente da República e passou a ser destinada à moradia do Presidente da República e de toda a sua família".
A nota enviada diz ainda que com a mudança da família para o local, "houve a necessidade um aumento do aparato de segurança e do número de servidores que prestam apoio no local, em diferentes escalas de serviço, que se revezam diuturnamente na residência oficial. Por isso, houve aumento no consumo de água".
Enquanto a reportagem era produzida, nesta sexta-feira (23), o Portal de Dados Abertos da Presidência da República passou a bloquear o acesso às informações de contas de água do Palácio do Jaburu.