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Jornalista promove corridas para homenagear vítimas da ditadura

O R7 conversou com o escritor que contou suas lembranças sobre o período

Brasil|Giorgia Cavicchioli e Juca Guimarães, do R7

Rodolfo Lucena conversou com o R7 e contou suas lembranças
Rodolfo Lucena conversou com o R7 e contou suas lembranças Rodolfo Lucena conversou com o R7 e contou suas lembranças

O jornalista e corredor Rodolfo Lucena viveu durante o período da ditadura militar no Brasil e, para homenagear os mortos e desaparecidos políticos do País, organiza corridas de rua em São Paulo.

Para este ano, será feito um percurso para integrar vida saudável e história. O R7 conversou com o escritor que contou sobre suas lembranças do período e suas ações de resistência e memória.

R7: Onde você nasceu?

Rodolfo Lucena: Sou Rodolfo Lucena, nascido em Porto Alegre em 14 de fevereiro de 1957, filho de funcionários públicos. Jornalista, gaúcho, gremista, cachorreiro, escritor, ultramaratonista. Casado, duas filhas.

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R7: Quando surgiu o seu interesse pelo jornalismo? Você tinha outra profissão em mente?

Rodolfo Lucena: Desde a infância eu escrevia, e meus textos eram elogiados; um deles chegou a ser publicado em caderno infantil do “Correio do Povo”, principal diário do RS até os anos 1970, quando foi suplantado pela “Zero Hora”.

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Na adolescência continuei produzindo contos, alguns publicados em cadernos literários dos jornais, ao mesmo tempo em que começava minha militância no movimento estudantil e colaborava com a imprensa clandestina e com a imprensa de oposição à ditadura.

Sempre entendi o jornalismo como um casamento de minha vontade de escrever com a militância, como hoje pratico corrida e caso a atividade esportiva com a produção jornalística e a militância democrática.

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R7: Em 1964, quando começou a Ditadura Militar, você tinha 7 anos de idade. Quais as suas lembranças do período pré-Ditadura?

Rodolfo Lucena: Infância comum, jogando bolita de gude, empinando pipa, jogando futebol na rua.

O primeiro impacto da Ditadura foi nos primeiros dias depois do Golpe, quando meu pai chega em casa branco, assustado, nervoso. Ao sair do trabalho, ele tinha ficado no meio de movimentos de batalhões de choque da Brigada Militar que perseguiam manifestantes antigolpe, por pouco não levou uma cacetada nas costas: “Passou aqui, ó!”, dizia ele, fazendo gesto de algo zunindo rente ao corpo.

R7: Como era ser adolescente nos anos 70 com a ditadura?

Rodolfo Lucena: Não tenho como responder a isso no geral, imagino que existam estudos, artigos, pesquisas sobre isso.

No meu caso, curtia muita música de protesto, MPB, rock, folk, Janis, Yes, Moody Blues; a partir dos 14, 15 anos, (1971/1972), comecei a ter contato com grupos de oposição à ditadura e dei jeito de ajudar.

Muitos de nós, adolescentes naquela época, fizemos isso. O pessoal mais velho, quatro ou cinco anos mais velho do que nós, foi para a luta armada; a minha geração pegou esse povo voltando ao Brasil e tratando de reorganizar, do jeito que nos foi possível, a luta democrática, política e sindical.

R7: Mesmo após o fim da ditadura, em 1985, com o início da redemocratização, ainda foram registrados casos de perseguição e repressão principalmente contra movimentos de estudantes e de trabalhadores. Como foi este período meio cinzento em que a ditadura tentava uma sobrevida?

Rodolfo Lucena: Não concordo com essa avaliação. O período entre a vitória de Tancredo no colégio eleitoral e as primeiras eleições diretas foi complicado não porque as forças que apoiaram a ditadura estivessem tentando reviver aquele momento, mas porque a democracia em geral é complicada mesmo, e naquele período as várias forças sociais estavam se chocando, tentando ocupar espaço que consideravam justo.

O governo Sarney teve muitos pontos positivos e foi um festival de democracia — muito menos repressor, por exemplo, que o de Fernando Henrique Cardoso, notadamente em relação ao movimento sindical.

R7: Atualmente, em 2017, quais os resquícios mais evidentes da Ditadura Militar?

Rodolfo Lucena: O problema não são os resquícios da ditadura, se é que eles existem. O problema é o golpe contra a democracia perpetrado por um conluio de forças do Parlamento e da Justiça, com forte apoio midiático, a serviço de interesses estrangeiros e do rentismo internacional. Sob o disfarce de cumprimento da liturgia legal, instaura-se no país um estado de exceção em que as regras democráticas e o ordenamento jurídico são estuprados, os direitos trabalhistas mais elementares são deixados em frangalhos e os direitos individuais são violados.

R7:  Quando você começou a correr?

Rodolfo Lucena: Descobri a corrida em janeiro de 1998, fazendo experiências na praia, tendo ver se conseguia correr de um determinado ponto a outro determinado ponto. Minha primeira corrida “de verdade” foi em maio do mesmo ano, uma prova de oito quilômetros na USP, e minha primeira maratona foi em maio de 1999 em Porto Alegre, 4h00min20. Já corri maratonas no mundo inteiro, escrevi dois livros sobre minhas experiências e sobre o mundo da corrida e produzo blogs sobre o assunto — um deles é o Blog do Lucena.

R7: Há alguma estimativa confiável de quantas pessoas “desapareceram” durante a ditadura no Brasil?

Rodolfo Lucena: A Comissão Nacional da Verdade tem esses números; há dados aproximados em relação aos ativistas políticos, mas o número é muito maior considerando o massacre contra os índios, a população pobre, trabalhadores rurais e outras comunidades atingidas pela repressão. 

R7: Como surgiu a ideia de fazer corridas e caminhadas em homenagem aos desaparecidos? Quantas já aconteceram?

Rodolfo Lucena: Foi uma maneira de unir a atividade esportiva com a militância. Já há muito tempo as corridas e caminhadas são usadas para festejar ou homenagear pessoas ou eventos (na mitologia grega, uma corrida foi um dos destaques nos Jogos realizados durante os funerais de Patroclus, e Ulisses foi o vencedor, com ajuda da deusa Atena). Hoje em dia, há corridas contra o câncer, para divulgar campanhas benemerentes e outras. Resolvi fazer esse tipo de evento para ajudar a preservar a memória de grandes lutadores da democracia.

Fiz uma longa jornada em homenagem a Manoel Fiel Filho, marcando os 40 anos de seu assassinato nas câmaras de tortura do DOI-Codi. Também realizamos corridas em memória de Carlos Lamarca, de João Goulart (inauguração da troca de nome do Minhocão), de Ísis Oliveira e do Comandante Jonas, além das corridas Fora Temer, organizadas pelo grupo Corredores Patriotas Contra o Golpe.

R7: Quais serão as próximas homenagens?

Rodolfo Lucena: Neste dia primeiro de abril, marcando os 53 anos do Golpe Militar de 64, vamos fazer, com os Corredores Patriotas Contra o Golpe, a Caminhada da Resistência.

Circuito histórico-cultural que passa por marcos da resistência à ditadura militar brasileira, iniciada em 1° de abril de 1964. Além de atividade física saudável, a caminhada vai propiciar um mergulho na história de São Paulo e da luta democrática em nosso país. Convidados especiais, como ex-presos políticos, ex-parlamentares e estudiosos de nossa história, darão depoimentos nos lugares de memória que vamos visitar.

Estou muito entusiasmado com a resposta do público ao nosso convite e também com as personalidades que vão participar do evento dando pequenas “aulas” sobre os locais visitados. São figuras importantes de nossa história, alguns deles heróis mesmo da luta pela democracia, como Ivan Seixas, que é um ícone da resistência democrática.

R7: Quem são as pessoas que estão te ajudando na organização dessas caminhadas?

Rodolfo Lucena: Durante o projeto Corrida por Manoel, alguns corredores participaram de várias etapas. Passamos a conversar e criamos o grupo Corredores Patriotas Contra o Golpe, que é uma associação de amigos democratas e corredores que procura usar a corrida e as caminhadas como diversão e como instrumento de divulgação de nossa história e das lutas populares.

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