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Pais de jovens mortos por adolescentes debatem a maioridade penal

Leia as entrevistas com Valdir Deppman, pai de Victor Hugo, e Ari Friedenbach, pai de Liana

Brasil|Diego Junqueira, do R7

Após ser abordado por um assaltante na porta de casa e entregar-lhe o celular, o estudante Victor Hugo Deppman foi alvejado e morto com um tiro na cabeça. O crime aconteceu em abril de 2013, em São Paulo, três dias antes de o assassino completar 18 anos, o que reacendeu o debate sobre a punição a jovens infratores.

Dez anos antes, outro crime de sangue atiçou a mesma discussão. Após quatro dias de torturas e abusos sexuais, um bando matou o casal Felipe Caffé, então com 19 anos, e Liana Friedenbach, de 16, na zona rural de Embu-Guaçu, região metropolitana da capital. Os assassinos eram liderados por um menor de 16 anos: Roberto Aparecido Alves Cardoso, o “Champinha”.

Como os assassinos não possuíam 18 anos à época dos crimes, eles foram responsabilizados pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), escapando de punições mais severas previstas no Código Penal. Os pais de Victor Hugo e Liana acompanham de perto essa discussão. Mas, apesar das histórias em comum, eles têm visões diferentes sobre a redução da idade penal de 18 para 16 anos e sobre a PEC 171/93 (Proposta de Emenda à Constituição), atualmente em análise no Congresso.

José Valdir Deppman, pai de Victor Hugo, defende o projeto, mas afirma que 16 anos “é muito pouco” quando se tratam de crimes graves.


— Se cometeu um crime hediondo, que seja julgado como adulto, independentemente da idade.

Já o advogado Ari Friedenbach, pai de Liana, que é vereador em São Paulo pelo Pros, também defende a responsabilização dos menores que cometam crimes hediondos. Mas ele se diz “radicalmente” contra o projeto.


— Se você julgar e colocar na cadeia um jovem de 16 anos que cometeu um pequeno delito, você está tirando qualquer possibilidade de reinserção dele na sociedade.

Uma comissão foi instalada na Câmara para analisar a PEC, após seu texto ser aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). A PEC ainda vai a plenário e precisará da aprovação de 60% de deputados e senadores. 


Leia a seguir as duas entrevistas.

José Valdir Deppman: “Para crimes hediondos, não precisa ter idade”

"Precisa ter uma medida enérgica agora", diz Deppman
"Precisa ter uma medida enérgica agora", diz Deppman

R7 – Você é a favor ou contra a redução da idade penal?

José Valdir Deppman - Sou a favor, mas não a 16 anos. O ideal seria que o menor que cometa crime hediondo, não importando a idade, seja julgado e apenado como um adulto.

R7 – Mas só para crimes hediondos ou para outros crimes?

Deppman – É muito complicado você colocar a redução da maioridade penal de qualquer forma. A princípio, nós, eu, minha mulher e meus filhos, lutamos pela redução da maioridade penal. Porque o menor que agride um professor na sala de aula, que normalmente é de 15, 16 anos pra frente, ele tem que ter uma punição, mas o ECA não permite. Tem muitos professores que vivem isso. Essa redução vai dar uma força maior para os professores, um pouco mais de folga para as agressões que adultos, mães e pais sofrem de menores. Nesse caso, [reduzindo] para 16 anos, ele passa a ser interessante. No caso que aconteceu comigo, que foi um crime contra a vida, 16 anos é muito pouco. Se cometeu um crime hediondo, que seja julgado como adulto, independentemente da idade.

R7 – Os crimes hediondos são uma pequena parte dos crimes cometidos por adolescentes, após roubo, tráfico e furto. Jovens que cometem crimes não hediondos também devem ser julgados como adultos?

Deppman – Isso é uma coisa que me deixa até um pouco irritado, esse argumento, de que [o crime contra a vida] é menor. São vidas, são pessoas que poderiam estar vivas. A vida é o bem mais importante que nós temos. Meu filho tinha um futuro brilhante pela frente, estava no 3º ano da faculdade, poderia estar trabalhando ao seu lado, porque ele fazia Rádio e TV. O cara que matou ele está praticamente na rua, está fora, mas o meu filho foi condenado à morte por ele, sendo que não existe pena de morte no Brasil. E assim como outros menores que cometem esse mesmo crime e que vai entrar nessa estatística de latrocínio. Ela pode ser pequena em número, mas ela mexe diretamente com a vida. Isso é uma coisa que tem que ser pensado e muito bem. Porque um cara de 13, 14 anos, que sai armado pra rua, que mata uma pessoa, coloca fogo, que degola uma pessoa, esse cara tem conserto? Não dá nem pra falar de reincidência porque um menor que comete crime, quando sai do centro, ele sai maior, comete outro crime, vai pro CDP (Centro de Detenção Provisória) e a gente nem sabe.

R7 – A redução da idade penal pode evitar tragédias como a que aconteceu com sua família, ou pode agravar o problema da superlotação das cadeias?

Deppman – Sim, pode evitar sim. Um cara que começa a beber, depois passa pra maconha, depois pra cocaína e tudo o mais, esse menor sem limite, sem punição, passando a mão na cabeça simplesmente, ele vai crescendo nos crimes que ele faz. Hoje ele dá um tapa, com 14 anos, ou um soco na cara da professora, depois de um ano ele pode estar batendo na polícia — e muitos fazem isso, peitam a polícia, porque a polícia não pode puni-los, não acontece nada com eles —, o próximo passo é matar alguém. (...) E não vai encher cadeia porque para crimes menores não prende nem adulto, vai prender criança, adolescente? Não vai, sabemos disso. É punido de outra forma, mas acontece que vai estar com nome marcado, sabemos que ele fez isso. Já o cara que matou meu filho ele sai com a ficha limpa. Se ele quiser se candidatar a presidente do Brasil, ele pode. Se quiser entrar na polícia, ele entra. O meu filho não existiu na ficha deles. Assim como todos os menores que cometem delitos, ele não vai ficar marcado por aquilo. E está na hora do adolescente ter respeito pelo outro, pela professora, pelo policial, mas isso se perdeu ao longo do ECA, já faz 25 anos. Mas eu concordo com o pessoal que é contra [a redução] que a educação é a principal salvação. Mas é uma medida que vai demorar pra ter efeito de 12 a 15 anos. Por isso precisa ter uma medida enérgica agora.

R7 – A reincidência nas prisões comuns é de 70%. Já nos centros para jovens é de 20%. A redução da idade penal pode aumentar a reincidência desse jovem no crime?

Deppman – Difícil falar em reincidência na Fundação Casa. O cara que matou meu filho tinha 17 anos e 362 dias. Se ele cometer outro crime agora, ele é réu primário, não tem ficha suja. Ele não vai entrar na Fundação Casa como reincidente. Ninguém o considera como reincidente [se ele praticar outro crime]. Ele é primário como adulto, mas já teve passagem na Fundação casa. Pra mim ele é reincidente, mas pro governo, pra estatística, pros direitos humanos, pros sociólogos, filósofos e tudo mais ele não é. Mas ele é.

R7 – Você seria a favor de um projeto que responsabilizasse o menor que cometesse um crime hediondo, mas que não defendesse a redução da maioridade penal?

Deppman – Esse é o projeto que eu e minha esposa levamos, é o que nós acreditamos. Hoje a primeira necessidade, quando se fala de redução, na realidade, a redução é só para crimes hediondos. Existe tanta responsabilidade do menor hoje, ele pode votar e fazer inúmeras coisas que a redução para 16 anos seria bom para auxiliar o trabalho de professores que são desrespeitados em sala de aula. Hoje um professor que leva um bofete de um menino ele não pode levantar a voz. Você vai dar moral pro professor, você vai dar moral pra um policial que está com algum caso que precisa usar sua autoridade mas é despeitado por menor e não pode fazer absolutamente nada. Assim como o menor com o tráfico, ele pode ser preso 5 ou 6 vezes, fica dois dias na Fundação Casa e volta pra rua, ele pode ser o chefe do tráfico, mas sai fora. Somente a redução, pra 16 anos, pra auxiliar professores, polícia, Ministério Público, eu acho válido. Menos que isso não precisa. Agora, para crimes hediondos, não precisa ter idade: tem que ser punido como maior.

Ari Friedenbach: “Impensável imaginar que vai resolver alguma coisa”

"O 'Champinha' não é nem o caso de condenar, é um caso de ser internado pra sempre e não pode voltar", diz Ari Friedenbach, pai de Liana
"O 'Champinha' não é nem o caso de condenar, é um caso de ser internado pra sempre e não pode voltar", diz Ari Friedenbach, pai de Liana

R7 – Você é a favor ou contra a redução da idade penal?

Ari Friedenbach – Sou radicalmente contrário ao projeto. É um grande equívoco reduzir a maioridade penal. A população, que está cansada da violência, entende isso como uma possível solução imediata. Mas o erro é o seguinte. Você está colocando o maior de 16 para responder criminalmente. Todo mundo conhece nosso sistema prisional, que é um caos. Você colocar um jovem de 16 anos que cometeu um pequeno delito, e julgar e colocar ele no sistema prisional, você está tirando qualquer possibilidade de reinserção dele na sociedade. Por outro lado, fazendo da forma que está se propondo, o jovem menor de 16 anos que cometa delito grave vai continuar respondendo dentro do ECA. Então não resolve o problema. Além do mais, se hoje o crime recruta o jovem de 16 anos, vai passar a recrutar o de 15, o de 14 anos. Então acho absolutamente impensável você imaginar que vai resolver alguma coisa com a redução da maioridade penal. Eu defendo a responsabilização de todo menor de idade que cometa crime de extrema gravidade, crimes hediondos.

R7 – Qual a diferença para o projeto que está no Congresso?

Friedenbach – A diferença é que um menor de 14 anos que cometa um homicídio vai responder pelo homicídio. Agora se for um pequeno delito de um menor de 17 anos ele vai responder dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente. O que eu proponho é a emancipação do menor que cometa crimes hediondos pra responder dentro do Código Penal. E caso seja condenado, cumprir a pena dentro da Fundação Casa, e não no sistema prisional comum.

R7 – E com relação ao tráfico de drogas, que é o principal motivo de prisão no Brasil, seria considerado um crime grave?

Friedenbach – Principalmente dos menores de idade também, principalmente no interior. Agora é importante fazer uma distinção entre o que é um traficante e um aviãozinho do tráfico. Um é usado pelo crime e o outro é um criminoso efetivamente. Acho que é importante ter um estudo claro desses casos para não começar a condenar todo mundo a torto e a direito. Assim, é muito importante que a gente faça a separação do que é um crime de extrema gravidade, porque só esses casos responderiam da maneira que eu estou falando, independentemente da idade. É um caso individualizado, esse jovem deveria passar por uma junta psiquiátrica que vai dizer se ele tem ou não consciência do ato praticado. Se ele tem, ele deve responder criminalmente, independentemente da idade. Se não, ele vai precisar de tratamento psiquiátrico. Já não é um caso de condenação, é um caso de tratamento. Voltando ao caso do “Champinha”, que é um psicopata, aí não é nem condenação, é uma outra situação. Não é nem o caso de condenar, é um caso de ser internado pra sempre e não pode voltar. É um caso específico. Quando você fala desse tipo de caso, que é um psicopata, então ele tem que ser retirado da sociedade. Não pode conviver socialmente.

R7 – Então a redução da maioridade penal não tem o poder de inibir o crime?

Friedenbach – Exatamente. Agora o que a gente não pode, em hipótese nenhuma, é encarcerar todo menor de 16 anos que cometer qualquer tipo de infração e jogar ele no sistema prisional. Esse é um erro gigante, gravíssimo, que vai trazer danos muito grandes pra sociedade. 

R7 – Os homicídios são o quarto tipo de crime mais cometido pelos jovens, após o roubo, o tráfico e o furto. O que pode acontecer com a redução da idade penal?

Friedenbach – É muito importante que se diga que a Fundação Casa hoje, para menores que cometerem pequenas infrações penais, faz um trabalho brilhante pra recuperação desses jovens. Ao contrário dos casos mais graves, que é um problema maior à parte. Então para esses jovens [dos pequenos delitos], continuar dessa forma que está sendo tratado, é o melhor possível. Sem esquecer que não adianta você fazer um bom trabalho na Fundação Casa, se você não trabalhar o ambiente onde ele vive, ou seja, a família. Porque um jovem que vive num ambiente contaminado, sair da fundação e voltar pra esse ambiente é gravíssimo. Então tem que trabalhar a família desse jovem também.

R7 – A reincidência nas prisões comuns é de 70%. Já nos centros para jovens é de 20%. A redução da idade penal pode aumentar a reincidência desse jovem no crime?

Friedenbach – Eu não tenho a menor dúvida do que vai acontecer. Você vai colocar ele num sistema prisional que todo mundo está cansado de saber que não recupera ninguém, pelo contrário. Vai aumentar a população carcerária, que já é grande. E você está colocando esse jovem num ambiente completamente podre e contaminado. Vai cada vez mais agravar o problema. Ele vai sair da prisão e vai continuar na mesma vida. Insisto que a melhor solução é a responsabilização do menor que cometa crimes extremamente graves, independente da idade, e só pra esses casos. Pra outros casos, você pode até eventualmente pensar num aumento do tempo de internação na Fundação Casa. Não simplesmente pegar todo jovem maior de 16 anos e tratar ele como maior de idade para pequenos delitos que são absolutamente recuperáveis, que é a grande maioria.

R7 – Além da responsabilização penal do jovem que cometa crime hediondo e do trabalho junto à família, quais são as outras medidas?

Friedenbach – A medida fundamental é melhorar a educação desse país. A possibilidade de dar acesso, principalmente para a população de baixa renda, ao mercado de trabalho em condições de competir de fato. É fundamental tratar a educação como prioridade nesse país, não adianta só se construir presídios. A gente tem que construir presídios para um cara que já está no crime. Agora, para evitar que entre no crime, só com educação, não há nenhuma outra coisa. Educação, educação, educação. É o óbvio.

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