PEC 37 apenas reafirma o que já está estabelecido na Constituição, dizem especialistas
Polícia e MP realizando investigações seria gasto inútil, diz superintendente da Polícia Federal
Brasil|Alexandre Saconi, do R7
"No inquérito policial, o delegado é o representante do juiz, é o poder imparcial". Esta é a definição dada pelo jurista Ives Gandra Martins à importância da atribuição da investigação dos crimes entregues nas mãos da polícia e não ao MP (Ministério Público).
Para Gandra, que também é o professor emérito de direito constitucional da Universidade Mackenzie, a PEC (Propostas de Emenda à Constituição) 37, que delega o poder de investigação unicamente aos delegados, sequer seria necessária se a Constituição Federal fosse seguida.
— É evidente que a PEC 37 vem apenas esclarecer o que está na Constituição. A meu ver, não haveria necessidade [de sua existência]. No inquérito policial, o delegado é o representante do juiz, ele é um poder imparcial. O Ministério Público e a advocacia precisam de igualdade de condições [de acusação e defesa].
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Esta igualdade de condições a que Gandra se refere seria quebrada, uma vez que a defesa não teria o mesmo poder de investigação que o MP (Ministério Público). O Ministério Público também possui o seu direito garantido pela Constituição Federal de fazer requisições ao delegado para que ele realize procedimentos e investigações. Caso o delegado se recuse, ele responde pelo crime de prevaricação.
Gandra lembra que a PEC 37 pretende regulamentar a investigação de crimes no País e que a intenção é evitar que o MP selecione os casos em que os promotores queiram atuar, "deixando a polícia judiciária [a civil e a federal], aquela que se submete ao poder judiciário, com os casos que eles não quiserem aceitar".
— Eles [os promotores] investigariam o que bem entendessem e passariam aos delegados de polícia o que sobrasse.
O superintendente da PF (Polícia Federal) em São Paulo, Roberto Ciciliati Troncon, afirmou que é desnecessário o MP exercer investigações além das polícias.
O delegado destacou que cabe ao MP o papel único de fazer a acusação perante a Justiça com as acusações levantadas no inquérito policial. Duas instituições realizando investigações sob a alegação de acelerar o processo também seria um gasto inútil, para Troncon, além de um procedimento desnecessário.
— Como no corpo humano, cada órgão tem uma função específica. O Ministério Público investigar é a mesma coisa que colocar dois corações no mesmo organismo.
O superintendente da PF também questiona de onde partiria a verba para a investigação, já que, segundo ele, esta competência não é prevista constitucionalmente no órgão.
— Isso [a investigação] tem custo. A questão é: de onde vão sair os recursos para financiar isso? Vai sair do orçamento da polícia? Do Ministério Público, que por vezes vemos reclamar, como diversos órgãos, que o orçamento é escasso? Ou vão criar um novo tributo para financiar esta atividade?
O advogado e professor Aldemario Araujo Castro, conselheiro Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), defendeu em reunião da instituição a aprovação da PEC 37. O plenário da OAB também se posicionou favorável à proposta.
— A decisão da OAB não é uma decisão contra o MP, a favor das polícias, a favor de impunidade, não tem nada a ver com isso. É uma leitura da Constituição.
Castro também destaca a conclusão do conselho após os debates do colegiado, que não foi diferente da do jurista Ives Gandra Martins.
— De certa forma, essa PEC 37 seria até dispensável, pois está dizendo o que a Constituição já fala. Ela só explicita o modelo que a Constituição desenhou. Mas, diante do que está acontecendo, onde o MP já instaurou diversos procedimentos de investigação criminal, diante dessa discussão, entendeu-se politicamente que era necessário explicitar aquilo que a Constituição já dizia.
Os especialistas ouvidos também alertam que o papel do Ministério Público é o de controle da atividade policial e que isso está definido na lei. Como não é claro o poder de investigação do Ministério Público, o controle desta atividade também não ficou delimitado na legislação.
Troncon, porém, defende que o modelo atual de investigação criminal não está longe do ideal, com os poderes plenamente divididos. O superintendente da PF relata que as competências estão claramente definidas na Constituição Federal e que essa ordem deve ser respeitada.
— Eu espero que, efetivamente, seja aprovada esta PEC [37], e, de novo, o sistema, como está, tem de buscar a sua constante evolução. E cada um, fazendo o seu papel, a polícia judiciária investigando, e o Ministério Público acusando e fiscalizando a polícia, e o Judiciário decidindo essas questões, nós caminhamos bem. Se subverter essa ordem, podemos ter grandes problemas para a democracia do País.