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Produção pesqueira cai pela metade no entorno de Belo Monte

Mais de 19 toneladas de peixes morreram em dois anos

Brasil|Ciro Barros e Iuri Barcelos, da Agência Pública

Futuro é de incertezas com Belo Monte e a chegada de Belo Sun
Futuro é de incertezas com Belo Monte e a chegada de Belo Sun Futuro é de incertezas com Belo Monte e a chegada de Belo Sun

Na área de influência direta da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na Volta Grande do Xingu, os índios Juruna juntam os cacos. “Nós não sabemos se no futuro a gente vai ter condições de continuar vivendo aqui”, conta o professor Natanael Juruna, morador da aldeia Müratu, uma das três da Terra Indígena (TI) Paquiçamba.

A jusante da barragem, eles veem sua principal fonte de renda e subsistência, o peixe, rarear. Um monitoramento independente feito pelos indígenas em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Instituto Socioambiental (ISA) revela que a produção pesqueira caiu praticamente pela metade entre os meses de janeiro de 2015 e 2016, período no qual houve o barramento do rio.

Os dados da própria Norte Energia apontam para a questão da mortandade de peixes: segundo o 11º Relatório de Monitoramento Socioambiental Independente, entre novembro de 2015 e junho de 2016, mais de 19 toneladas de peixes morreram – o dobro do que os Juruna pescaram em três anos.

Diante da escassez de peixe, os Juruna exigem o cumprimento de uma das várias condicionantes ainda não atendidas: a destinação de uma área acima do muro da barragem que lhes dê acesso ao reservatório da usina, onde há mais condições de pesca. “O peixe é de onde a gente tirava a nossa geração de renda.

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Principalmente o peixe ornamental, que hoje acabou”, explica o cacique da aldeia, Giliarde Juruna. “Estamos batalhando para ver se a gente consegue essa terra que dê acesso ao lago. Hoje nós somos uma das terras mais impactadas do Brasil inteiro. A maior barragem do Brasil tá aqui do nosso lado e a maior mineradora a céu aberto também vai ser aqui do nosso lado. Como a gente vai sobreviver nessa região?”, indaga.

O cacique se refere à chegada de Volta Grande, o maior projeto de extração de ouro a céu aberto do país, que pretende se instalar a cerca de 10 quilômetros de Belo Monte e, consequentemente, à beira do quintal dos Juruna. Desde abril, a licença de instalação, obtida em fevereiro, está suspensa, mas a mineradora canadense Belo Sun, está longe de desistir do projeto, como constatou a reportagem da Pública.

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60 toneladas de ouro em 12 anos

Os números do projeto Volta Grande, conduzido pela mineradora canadense Belo Sun, impressionam. A empresa pretende extrair 60 toneladas de ouro em 12 anos a partir da lavra de milhões de toneladas de minério. Para tanto, já possui 18 títulos minerários com autorização de pesquisa junto ao DNPM e tenta licenciar a extração em outros quatro títulos que, somados, ocupam uma área de mais de 2.300 hectares – correspondentes à extração de ouro dos depósitos Ouro Verde e Grota Seca, parte deles já explorados por garimpeiros.

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As duas pilhas de estéril depois do projeto completo em operação, somadas, terão altura de 255 m. Uma das empresas que o formularam – a Vogbr – esteve envolvida no desastre de Mariana (MG).

“Belo Sun é o que mais assusta em Belo Monte. A hidrelétrica abre o caminho para esse tipo de exploração mineral”, afirma a procuradora Thaís Santi, do Ministério Público Federal (MPF) em Altamira. O órgão move uma ação civil pública desde 2014 contra a mineradora, o Ibama e o governo do estado do Pará: à beira de um rio federal – o Xingu – e de duas TIs (áreas da União), ainda assim o licenciamento foi feito pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), do governo do Pará.

A procuradora preocupa-se com o fato de a mineradora estar licenciando os títulos de lavra do projeto Volta Grande, mas ainda reter outros títulos de pesquisa que podem ser licenciados no futuro.

“Os Estudos de Impacto Ambiental indicam que serão retirados 3,16 milhões de toneladas de minério por ano, nos 11 primeiros anos, e, por sua vez, a empresa anuncia aos seus acionistas a possibilidade de extração de até 7 milhões de toneladas por ano”, afirma a procuradora na ação civil pública.

Segundo mapas da Fundação Nacional do Índio (Funai), a lavra está a 700 metros a mais de 10 quilômetros das TIs mais próximas – a Paquiçamba e a Arara da Volta Grande –, o que eximiria o Ibama de fazer o licenciamento, segundo uma portaria interministerial de 2011. “Pelo jeito que eles formularam, a TI Paquiçamba ficou a 10,7 quilômetros de distância do projeto.

Só que há uma contradição entre o que está sendo licenciado e o que está sendo vendido aos investidores. Eles têm uma área enorme de extração e de pesquisa, eles organizam onde querem a área do projeto e calculam a partir dessa área a distância para as áreas indígenas”, critica a procuradora. “A empresa fala desde 2012 que o empreendimento não tem impacto sobre os indígenas. Para você concluir isso, você presume que eles tenham feito os estudos, o que eles deram a entender. Mas não".

A Justiça Federal suspendeu a licença de instalação justamente pela ausência de estudos na questão indígena, apontada pelo MPF. A Belo Sun defende-se dizendo que “concordou em realizar o Estudo do Componente Indígena (ECI), não por uma obrigação legal ou regulamentar, mas por um exercício de cooperação com a Funai”. Na ação judicial, que discute a questão dos estudos de impacto do empreendimento sobre os índios, a mineradora afirma que o MPF falta com a verdade ao afirmar que não foram feitos estudos – segundo ela, entregues à Funai em abril do ano passado. De acordo com o MPF, porém, “a FUNAI, em outubro de 2016, encaminhou ofício à SEMAS comunicando que os estudos apresentados pela mineradora Belo Sun foram considerados inaptos”.

Em abril deste ano, o desembargador Jirair Meguerian deu ganho de causa ao MPF e determinou a suspensão da licença emitida. “Considerando que a própria FUNAI, que possui atribuição para tanto, afirmou que o ECI [Estudo de Componente Indígena] apresentado por Belo Sun Mineração LTDA. é inapto, conclui-se que a licença de instalação não poderia ter sido emitida pela SEMAS/PA”, afirmou o magistrado em sua decisão.

Em nota à Pública, a Belo Sun afirmou que “pretende complementar o ECI de forma a coletar dados primários das TIs Paquiçamba e Arara da Volta Grande” e que a “decisão temporária do TRF1 foi dada sem que o Estado do Pará e a empresa apresentassem seus argumentos sobre o caso. A mineradora confia que após ouvida e, apresentando os fatos referentes ao caso de forma aprofundada, a decisão temporária poderá ser revista, o que deverá acontecer ainda este ano de 2017”.

Leia a reportagem na íntegra no site da Pública

O projeto

O projeto “Amazônia Resiste” é uma ampla investigação jornalística da Agência Pública sobre a resistência indígena em vários pontos da maior floresta tropical do mundo.

Sete equipes de reportagem irão retratar até maio de 2018 a partir de vídeos, textos, fotografias, infográficos e podcasts o que acontece em campo no Pará, Mato Grosso e no centro das decisões, Brasília – das aldeias às instâncias de poder relacionadas à realidade indígena.

Os protagonistas desta narrativa são os índios, especialmente a resistência que exercem diante de um quadro completamente desfavorável ao seu modo de vida.

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