“Amazonas é o paraíso da pedofilia”, diz relatora de CPI contra exploração sexual
Relatora cita caso em Coari (AM) como emblemático; advogado de prefeito contesta
Cidades|Thiago de Araújo, do R7
A rede de exploração sexual de crianças e adolescentes, descoberta pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Exploração Sexual em Coari (AM), cidade que fica a 363 km de Manaus, aponta para um fato alarmante: que “o Amazonas é o paraíso da pedofilia”. A frase é da deputada federal Liliam Sá (PR-RJ), relatora da CPI, iniciada em abril do ano passado. As investigações da comissão apontam para o envolvimento do prefeito local, Manoel Adail Amaral Pinheiro.
Liderada pela deputada federal Érika Kokay (PT-DF), presidente da CPI, a comitiva esteve nesta segunda (23) e terça-feira (24) em Manaus, colhendo novas informações sobre a exploração sexual no Estado. Em entrevista ao R7, Liliam disse que várias testemunhas e vítimas da rede supostamente comandada por Adail foram ouvidas, e que as provas colhidas até aqui são bastante contundentes.
— O que detectamos é que lá é o paraíso da pedofilia. Teve a Operação Estocolmo (em 2012) e ela envolve várias personalidades do mundo dos negócios de Manaus, incluindo um deputado estadual que não posso dizer o nome, já que corre em segredo de Justiça. Por isso, estamos convocando a bancada do Amazonas na Câmara, para conversar com eles na próxima terça-feira, às 17 h, porque o caso é gravíssimo.
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O caso mais sintomático foi registrado pela CPI em Coari. Há dois meses, a relatora esteve com a comissão no município, onde foram recebidos com hostilidade e pouco puderam colher em termos de depoimentos de vítimas e testemunhas. Liliam relembrou a passagem, apontando que o prefeito Adail Pinheiro não estava na cidade na época, supostamente por conta de um procedimento cirúrgico.
— Lá existiam dois grupos: o pró-Adail e o contra o Adail. Os contrários não puderam nem chegar perto da gente para fazer as denúncias, e os favoráveis foram induzidos e protegidos. Fomos hostilizados e descobrimos depois que esses manifestantes eram funcionários da prefeitura, que deixaram seus afazeres para vir hostilizar a gente. Até o chefe do gabinete do prefeito estava lá, com um cartaz que dizia “Fora CPI”. Ele foi ouvido já e será acionado também criminalmente por isso, por cercear o direito de protestar. Tentaram intimidar a CPI.
Além da Operação Estocolmo, citada pela parlamentar, outra anterior, também encampada pela Polícia Federal e intitulada Operação Vorax, já havia mostrado indícios e realizado prisões de pessoas ligadas a grupos que comandariam ou usufruiriam da exploração sexual de meninas menores de idade no Amazonas. O Senado Federal, por intermédio do senador Magno Malta (PR-ES), chegou a inquirir a Justiça do AM sobre o tema, mas poucos foram os avanços.
— Constatamos que lá 1.900 crianças foram vítimas de estupro neste ano, sendo que quase 1.300 delas têm de zero a 11 anos de idade. Aumentou 18,3% de crianças com menos de cinco anos abusadas, e 1,3% de crescimento em relação a abusos de bebês. A coisa lá é perigosa. No Amazonas é preciso uma intervenção séria do governo estadual e federal, seria preciso chamar os deputados, vereadores e prefeitos e fazer uma força-tarefa para combater isso. Nos outros Estados temos algumas redes isoladas e diferenciadas, mas ali não. O turismo sexual continua a todo o vapor no Amazonas.
Advogado de prefeito contesta informações da CPI
O advogado Alberto Simonetti Cabral Neto, que representa Adail Pinheiro, contesta todas as afirmações da presidente e da relatora da CPI da Exploração Sexual no que diz respeito a uma grande rede em Coari, liderada pelo prefeito. Ao R7, o defensor chamou os trabalhos da CPI de “brincadeira” e rechaçou qualquer envolvimento de Pinheiro com abusos de qualquer espécie. O que está acontecendo, segundo Simonetti, é fruto de uma “oposição política”.
— A deputada ouviu Adail em Brasília, não fez mais do que três perguntas sobre esses fatos que ela está indo apurar em Coari, porque não existe nada com relação a essas acusações. Isso aí é um movimento político que é feito toda vez que tem um processo eleitoral a ser julgado no TSE, no TRE-AM, então os opositores do Adail criam essas situações. A deputada foi lá em Coari e ouviu as pessoas que teriam sido envolvidas nessa questão. As pessoas negaram as acusações. Agora a deputada nega a cópia desses depoimentos em defesa do Adail para que possamos mostrar à imprensa o que está acontecendo. Isso não existe.
O advogado de Adail completa:
— Coari é uma cidade muito importante aqui no Amazonas, tem extração de gás natural lá e é um município muito rico, então há um movimento político muito forte que se une para tentar tirar do Adail o mandato dele. É a terceira vez que é eleito prefeito lá. Eles não têm o que falar e ficam inventando essas histórias.
Todavia, a reportagem encontrou pelo menos um processo ao qual o prefeito de Coari responde na área de exploração sexual, distribuído em 13 de setembro deste ano, no qual Adail Pinheiro é réu ao lado de Adriano Teixeira Salan e Maria Landia Rodrigues dos Santos, que foram secretários na cidade amazonense e que já foram também ouvidos pela CPI no mês passado, em Brasília. Alberto Simonetti Cabral Neto confirma o processo, mas diz que o caso “é de cinco anos atrás” e que a vítima, uma menor de idade, “negou tudo em juízo”.
— Adail não é condenado em nenhum processo de exploração sexual. Existe um processo sim, criado e engendrado pelos opositores políticos dele, ele está se defendendo na Justiça e isso são criações das pessoas. A vítima já depôs e disse que era tudo mentira. A CPI deveria se posicionar por questões tão importantes e verdadeiras e fica tendo trabalho de ir a Coari, pegar avião da FAB para ouvir gente, para uma coisa criada por políticos de Coari.
Pesca da discórdia e morosidade da Justiça local
Um dos pontos mais enfatizados pela CPI da Exploração Sexual em Coari é o uso da pesca esportiva como forma de “maquiar” o turismo sexual na região. Segundo Liliam Sá, há elementos, com base em depoimentos e investigações da Polícia Federal, que comprovam que a atividade é apenas fachada. Já o advogado de Adail Pinheiro discorda e cita um caso pontual para a versão “fantasiosa” da CPI.
— Essa história que ela fala, que houve pescaria, não existe nenhuma história no processo. O que existiu foi o seguinte: teve uma festa no município de Tefé, próximo a Coari, e algumas modelos foram levadas nesse evento, patrocinado pelo município de Coari, e elas estavam prestando serviço para a prefeitura. Elas foram transportadas em um barco da prefeitura, apenas isso. Só que se aproveitam de fatos para criar outros fatos. Você ficaria surpreso com o que existe no processo e com o que se propaga. Coari é uma cidade rica e querem tomar a cidade do povo. Se Adail fosse esse criminoso que dizem que ele é, você acha que ele se elegeria três vezes prefeito?
A comissão ainda questionou ainda a morosidade da Justiça do Amazonas. O presidente do TJ-AM (Tribunal de Justiça do Amazonas), Ari Moutinho, recebeu as parlamentares e prometeu agilizar o andamento dos processos que envolvem a exploração sexual no Estado, e mais precisamente aqueles no qual o nome de Adail apareça.
— Estivemos no MP e no TJ-AM e fomos atrás de um suposto processo de pedofilia, porque existe um lá (contra o Adail) de facilitação de exploração sexual. Faz quatro anos que o processo está rodando e só chegou ao tribunal, digitalizado no dia 19 de setembro e distribuído no dia seguinte. Falamos com o desembargador que achamos isso muito estranho, e foi visto lá que todos os processos dele só foram despachados depois que a CPI conseguiu chegar e fazer a cobrança junto ao tribunal. Queremos saber do processo de pedofilia, que está em segredo de Justiça e nem chegou ao TJ.
O advogado do prefeito de Coari nega a existência de tal processo de pedofilia e explicou que a demora no andamento do processo que existe foi apenas uma coincidência.
— O Adail assumiu a prefeitura no início desse ano e os processos estavam tramitando em primeira instância. Como ele assumiu, ele passa a ter prerrogativa de foro (privilegiado), então a juíza não pôde tocar esses processos e os remeteu para Manaus para serem distribuídos pelo TJ-AM, em segunda instância, que tem competência para julgar o Adail. A deputada chegou aqui há dois meses e foi justamente nesse período, entre o início e o meio do ano, que os processos foram remetidos. Ela se aproveita dessa coincidência para dizer isso, mas isso é uma injustiça com o Judiciário do Amazonas.
Situação em outros Estados também preocupa parlamentares
Érika Kokay e Liliam Sá também já visitaram outros Estados e já solicitaram aos governos estaduais informações sobre o que vem sendo feito em termos de políticas públicas na área de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Pelo menos 12 deles – Amapá, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins –, mais o Distrito Federal, já atenderam à solicitação. O que se nota, segundo a relatora da CPI, é uma inoperância dos políticos em ações práticas na área.
— Pedi uma síntese de informações junto aos governos estaduais, pedindo que eles enviassem informações sobre o que estão fazendo em relação às crianças, quais ações estão sendo realizadas, qual é o orçamento para a área e quais as políticas de enfrentamento da exploração sexual feitas nos últimos cinco anos, mais as possíveis punições. O que estamos percebendo nas visitas aos Estados é a omissão dos governos municipais e estaduais. Eles têm aqueles projetos, mas não investem conforme é preciso fazer. O que chamou a atenção é o grande número de estupros de vulneráveis, tanto intrafamiliar quanto por terceiros.
A comissão espera concluir os trabalhos até maio de 2014, nos dias em que se celebra a Semana Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Embora a CPI não tenha poder de polícia ou de Justiça, a relatora acredita que algumas conclusões darão origem a projetos de lei para aumentar o rigor contra o abuso contra os jovens brasileiros.
— Nós faremos alguns projetos de lei, para mudar questões relacionadas ao foro privilegiado, por exemplo. A questão também de quando o processo começa em uma esfera e por conta do foro ele acaba mudando, quando na verdade deveria começar e terminar no mesmo lugar, entre outras. Das grandes obras também, estamos preparando um projeto de lei para penalizar os empresários que facilitem a prática de exploração e tráfico sexual. Entregaremos tudo para a presidente Dilma Rousseff, porque não há como no cenário atual. No Amazonas, por exemplo, quem comanda as delegacias de proteção à criança é um policial militar, alguém sem o devido preparo para lidar com isso.