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Bala que matou indígena durante reintegração de posse no MS em 2013 foi disparada pela PF

Inquérito do MPF pede que Corregedoria volte a investigar ação da PF que deixou 36 vítimas 

Cidades|Diego Junqueira, do R7

Imagem anexada ao inquérito mostra policial federal apontando arma de fogo na direção da mata
Imagem anexada ao inquérito mostra policial federal apontando arma de fogo na direção da mata

A bala que matou o indígena terena Oziel Gabriel em maio de 2013, durante operação de reintegração de posse na cidade de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul, foi disparada pela Polícia Federal. A conclusão faz parte de um inquérito do MPF/MS (Ministério Público Federal) que investiga a atuação da polícia no episódio.

Em 30 de maio de 2013, um efetivo de 70 policiais federais e 82 policiais militares cumpriram ordem judicial de reintegração de posse na fazenda Buriti, em Sidrolândia, a 80 km de Campo Grande. Além da morte de Oziel, a ação deixou sete baleados (quatro policiais, dois indígenas e um cão militar), nove policiais feridos por pedras e 19 indígenas feridos por munição de elastômero, totalizando 36 vítimas.

Brasil vive massacre moderno de indígenas

Segundo o relato do MPF, "às 9h03min, Oziel Gabriel, que portava exclusivamente uma faca embainhada, arco e flecha e se posicionava atrás de uma árvore na ponta do capão mais próxima aos policiais, no flanco direito, foi atingido por munição 9mm, marca CBC, com encamisamento tipo Gold, de uso exclusivo da Polícia Federal".


A operação foi classificada pelo Ministério Público como “fracassada” e com “graves erros”. Para o órgão, não houve levantamento de informações sobre o local da operação e não havia comando único entre a PF e a PM — o que levou os policiais a agirem isoladamente. A PF ainda é acusada de excluir o MPF e a Funai do planejamento da ação, prejudicando a negociação com os indígenas e resultando no uso desproporcional da força policial.

O MPF concluiu também, com base em vídeos anexados ao inquérito, que a negociação com os terenas durou apenas dois minutos, incluindo “advertências” aos indígenas. Acompanhe um trecho da discussão, detalhada na peça do MPF, e que precedeu o momento em que Oziel foi assassinado:


Policial 1: · Já deram um tiro lá.

Policial 2: Vou por aqui em cima, tá?


Policial 1: Humhum.

Policial 2: Ok, ok... não tem...

Delegado da PF: Pessoal! Nos viemos cumprir a ordem... e ai?

Índio não identificado: Vai ter que passar por cima, nossa decisão é mantida.

Delegado da PF: Eu aconselho a saírem.

Índio não identificado: Rodeia la, rodeia lá…

Delegado da PF: Olha só pessoal, vai ser responsabilizado as lideranças. Cada um de vocês aqui como líder, terão responsabilidade. Leram bem a ordem judicial, não leram? As lideranças que foram lá com o Juiz, receberam a ordem judicial e o juiz deixou bem claro que quem impedir vai responder legalmente. Então eu já estou aconselhando: UM: Não colocar crianças e nem idosos a frente, nem mulheres. As lideranças estão sendo avisadas. Nada de arma de fogo.

Índio não identificado: Aqui não tem arma, Doutor.

Delegado da PF: Então ja estou avisando. Não arma de fogo, Não crianças. Então nós podemos, os senhores podem sair agora, de forma pacífica, sem neste primeiro momento, sem levar nada, após a polícia dominar...

Segundo o MPF, “imediatamente após encerradas as advertências acerca das responsabilidades dos indígenas quanto às vidas, especialmente das mulheres e crianças, ouve-se um estampido, não sendo possível precisar a origem, e, cinco segundos após, os policiais passam a atirar com balas de elastômero e imediatamente os indígenas iniciam a fuga”.

Com 9% da população indígena do País, o Mato Grosso do Sul concentra mais da metade dos assassinatos contra indígenas: foram 400 homicídios de um total de 742 registrados entre 2003 e 2015 (54% do total).

Os dados são da plataforma CACI, que reúne informações sobre todos os assassinatos contra essa população desde os anos 1980, com base em relatórios do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e da CPT (Comissão Pastoral da Terra), organizações ligadas à igreja católica que acompanham a situação indígena no Brasil.

Flávio Vicente Machado, missionário do CIMI no Mato Grosso do Sul, avaliou a conclusão do MPF como "uma grande vitória contra a impunidade" no ponto de vista do "combate à impunidade que cerca o Estado. Contudo, diz, "é lamentável que não se chegou ao autor de fato do assassinato, no caso o agente federal [que disparou a bala]".

— O CIMI entende que se deve responsabilizar os coordenadores dessa operação desastrosa, [que mostrou] o despreparo da PF no cumprimento dessa ordem [judicial de reintegração]. 

O advogado da família de Oziel Gabriel, o também terena Luiz Henrique Eloy, disse ao R7 que a decisão confirma as suspeitas das comunidades indígenas quanto à responsabilidade da Polícia Federal na morte do índio.

— [A gente] já tinha a plena convicção de que a bala que matou o Oziel foi disparada pela PF. A responsabilidade por planejar e executar a operação era da PF. Isso é importante porque a Polícia Federal tinha concluído que não era possível saber de quem era a bala que matou o Oziel.

Eloy diz que as conclusões serão anexadas ao processo que corre na 1ª Vara Federal de Campo Grande e que pede indenização para os filhos de Oziel e também para a comunidade terena.

— A ação desastrosa da PF modificou toda a rotina da comunidade. Naquela época, havia 90 acadêmicos indígenas, que se deslocavam todos os dias para a cidade. Mas eles tiveram que sair [da faculdade] pelo medo de circular na cidade, e vários tiveram que fazer tratamento psicológico pelas cenas que viram. A Polícia Federal tinha uma imagem de guardião das comunidades indígenas, mas perdeu totalmente a credibilidade.

Os índios reivindicam a posse de uma área de 17.200 hectares na região, reconhecida em 2010 pelo Ministério da Justiça como de posse dos terenas. A Presidência da República, contudo, ainda não homologou o território. Em 2012, os produtores rurais conseguiram uma decisão judicial favorável de propriedade da terra.

MPF pede reabertura da investigação pela Corregedoria da PF

A conclusão do MPF questiona ainda uma sindicância interna da PF, instaurada para averiguar a operação, mas que foi arquivada após concluir não haver irregularidades. O parecer da delegada Juliana Resende Silva de Lima afirma que "a operação obedeceu integralmente o detalhado planejamento elaborado”. O pedido de arquivamento foi acatado pela Superintendência da PF.

Em razão disso, o MPF solicita uma sindicância à Corregedoria da Polícia Federal para que reabra a investigação. O MPF também entrou com ação de improbidade administrativa contra a delegada, por ela não ter se declarado impedida de elaborar o parecer, já que é esposa de um dos interessados no arquivamento, o delegado Eduardo Jaworski de Lima, um dos comandantes da operação.

O MPF ainda expediu recomendação à Superintendência Regional da Polícia Federal no Mato Grosso do Sul, detalhando a legislação nacional e internacional sobre os procedimentos para reintegração de posse de áreas coletivas e controle de distúrbios civis, além do uso de armamento nessas situações. Caso a recomendação não seja atendida, o MPF afirma que poderá adotar a via judicial.

A Superintendência da PF em Campo Grande já está ciente da decisão, mas ainda não emitiu nenhum posicionamento.

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