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Muito além das flores, luta por igualdade não atinge todas as mulheres

A reportagem do Folha Vitória ouviu lideranças femininas para tratarem da luta de mais de 100 anos por igualdade de direitos

Folha Vitória

Folha Vitória|Do R7

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Não é de hoje que diversas mulheres levantam a bandeira de “não me dê flores, quero políticas públicas”. A razão não é de fato o descarte do valor sentimental do gesto de serem presenteadas no Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta quarta-feira (8), mas a necessidade de ir além, já que o gênero ainda se vê alvo das mais variadas violências.

A importância da data vem da luta das mulheres pela igualdade de gênero e começou há pouco mais de 100 anos, mais especificamente em 26 de agosto de 1920, quando o Congresso americano aprovou a 19ª emenda permitindo que as mulheres americanas pudessem votar.

Ao longo das décadas, no entanto, a busca por melhores condições de trabalho e de vida se intensificou e a data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975.

Mas e no Brasil?

No Brasil, o ativismo pelo direito das mulheres ganhou espaço a partir da década de 1960, buscando ampliação de direitos legais e sociais, abordando temas como família, direitos reprodutivos, sexualidade e mercado de trabalho.


Sobre o assunto, a reportagem do Folha Vitória buscou a gerente de Projetos do Instituto Sou da Paz e mestre em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), Natália Pollachi, que trouxe uma avaliação valiosa sobre a participação das mulheres em diversos setores sociais e sobre a importância da representatividade feminina nas instituições.

Mulheres no Terceiro Setor

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A respeito das mulheres no terceiro setor, Pollachi pontuou que dados apontam uma participação maior do gênero do que dos homens, tanto na composição interna das equipes, quanto nos cargos de liderança.


De acordo com o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), a presença das mulheres é marcante no terceiro setor. “Das 77 organizações associadas, 51% conta com mulheres em posições de liderança. Nos centros de voluntariado do país, o sexo feminino também representa mais da metade das pessoas que desejam fazer algum trabalho voluntário em prol de uma causa, grupo ou comunidade”, afirma estudo do agrupamento.

Segundo a mestre, este é um setor com uma participação maior de mulheres do que a média brasileira. 


“Como em vários outros setores, existem desafios, mas internamente já está no raio de preocupação, até pelo processo de profissionalização que tem acontecido há mais de uma década e também tem sido bastante presente nos editais e nos processos de financiadores para causas. Então para receber um financiamento de um projeto, também temos que responder sobre a composição da equipe e liderança”, disse.

Mulheres na segurança pública

Dentro da área de segurança pública, Pollachi pontua que este ainda é um desafio muito grande para a presença de mulheres. Isso porque, historicamente, a carreira foi construída em torno de instituições militares, muito masculinas na composição, mas houve mudanças nas últimas décadas.

“Há muitas polícias com mulheres em cargos de gerência e percebemos muitas mulheres envolvidas nesse tema, inclusive na política. Mas ainda é uma minoria, então dentro do setor é um desafio. Existia, até pouco tempo, polícias estaduais com cotas máximas de mulheres, por exemplo até 20%, em uma lógica de que a atividade policial seria muito fundamentada na força física, o que é muito antiquado”, frisou.

Atualmente, de acordo com ela, sabe-se que é fundamental ter equipes diversas, inclusive por serem vistas mulheres envolvidas em atividades criminosas, mulheres que precisam ser revistadas e naturalmente profissionais mulheres têm um olhar diferenciado.

“A força física não é mais tão importante, até porque o grande cotidiano da polícia não é essencialmente dependente disso, ainda mais na Polícia Civil, com atividades investigativas e de inteligência. Mas já houve essa barreira e vem sendo discutida. Há também a questão da própria atividade, com turnos de 24h/48h ou 36h de trabalho e descanso, ou seja, muito difícil de conciliar com a maternidade, atividades de cuidado da casa e de idosos, que ainda ficam muito a cargo das mulheres da família”, acrescentou.

Muitas vezes, para a especialista, no balanço para conciliar o dia a dia do gênero, as profissões de segurança acabam não sendo escolhidas. “É um problema de como essas instituições não estão adaptadas para receber mulheres e de como a nossa sociedade ainda coloca essa carga do trabalho não remunerado – de cuidado dos filhos, idosos e da casa - desproporcionalmente sobre nós”, pontuou.

Políticas protetivas

Em termos de políticas protetivas, Pollachi afirmou que o Brasil conta com boas leis, como é o caso da Lei Maria da Penha. A respeito dela, o Instituto Sou da Paz apoiou, em 2019, a atualização de um artigo que passou a prever a apreensão imediata de armas de fogo de homens acusados de violência doméstica.

“A gente sabe que, de maneira geral, a implementação é o maior desafio, mais do que a legislação em si. No exemplo específico da apreensão de armas, a gente vem observando que para realizá-las, as polícias estaduais não estão conseguindo acesso aos bancos de dados de todas as armas de propriedade de particulares, então não conseguem a devida agilidade. A lei é boa, mas a implementação não é fácil”, destacou a mestre.

Sobre a questão da violência sexual, o Sou da Paz ressaltou a importância de haver indicadores que olhem para o assunto, que impacta muito fortemente mulheres. Há proposição, segundo Natália, de um indicador de exposição à violência que considere crimes sexuais, que em geral as polícias afirmam ter muita dificuldade de combater, já que existe o discurso de que é um crime que ocorre em ambiente doméstico e em ambientes privados.

“Acho também que é nosso papel questionar quais são esses indicadores, onde os esforços estão colocados, para que a gente consiga dar luz a crimes que afetam muito cotidianamente mulheres”, disse.

Participação de mulheres negras e pobres na segurança pública

Para Pollachi, na área de segurança percebe-se, como em todos os outros setores, mulheres negras e pobres com mais dificuldades de inclusão. “Então, por exemplo, vemos a vitimização das mulheres negras sendo maior em todos os recortes, como por exemplo pela violência armada. E as mulheres negras começam a ser vitimadas já em idade muito jovem, na adolescência e segue assim por toda vida”, relatou.

“Vemos poucas mulheres na segurança e negras menos ainda. Então acho que tem essa questão da representatividade e isso se conecta aos problemas estruturais que a gente carrega até hoje, não só nas instituições de segurança, mas na sociedade em geral”, acrescentou.

Preconceito com a mulher periférica no mercado de trabalho

Inserida diretamente no meio, Jucileia Santos Ribeiro, líder de base da Central Única das Favelas (Cufa) e secretária do núcleo “Mais ela”, afirmou à reportagem que geralmente as mulheres periféricas que precisam ingressar no mercado de trabalho costumam exercer funções secundárias.

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Segundo Ribeiro, até existe uma oferta de cursos qualificadores, mas muitas mulheres não conseguem acessar, porque muitas vezes não têm com quem deixar os filhos. “Então ficam presas aos empregos secundários, sendo que a maioria se aposenta como doméstica ou diarista. A maioria destas mulheres pretas e pobres é formada por mães solo. O índice de mães solteiras é muito alto”, acrescentou.

“A maioria dessas mães solo são pretas e algumas começam muito precocemente a ter filhos, trabalhando a vida inteira em empregos secundários. A maior parte não completa o 5º ano no ensino fundamental e ainda são abandonadas pelo parceiro, exercendo a dupla função de mães e pais. Algumas então não conseguem complementar a renda e dependem de doações, vivendo em situação de miserabilidade e de vulnerabilidade social. Inclusive têm dificuldade de acessar os serviços públicos, porque muitas vezes ficam longe da casa delas e não têm o dinheiro para a passagem sequer”, frisou.

Para a líder, a mulher periférica preta sofre preconceito mesmo na hora de buscar emprego, inclusive sendo ele “secundário”. Isso porque geralmente engravida, tira licença e logo após são mandadas embora do trabalho.

“Então o preconceito se soma: por ser negra, mãe solo, por ter filhos pequenos e baixa escolaridade. Isso tudo é uma forma de violência que as pessoas nem veem, mas violência é mais do que só agressão física". Estas mulheres sofrem tortura psicológica e precisam alimentar os filhos”, pontuou.

“Temos deveres, mas não vemos nossos direitos valendo”, diz líder na Cufa

Segundo Jucileia, há deveres a cumprir, mas nem sempre os direitos são postos em prática. “É muito difícil uma mulher conseguir, em uma unidade básica de saúde, um encaminhamento para a laqueadura, mesmo havendo lei dizendo que é possível. É estipulado um horário para ela ir, mas por vezes está fazendo uma faxina, por exemplo, e não consegue ir à reunião do planejamento familiar”, afirmou a líder da Cufa.

O preconceito vai além do ambiente externo. Segundo Ribeiro, as mulheres sofrem preconceito dentro do próprio ambiente onde vivem, nas áreas periféricas. Ela aponta que uma mulher pobre que tem muitos filhos, muitas vezes por não conseguirem acessar um anticoncepcional, são acusadas de ter filhos para receber benefícios por parte do governo.

Violência doméstica

Para a líder, quando uma mulher da favela sofre violência doméstica, vai ao posto de saúde e não é bem atendida. "Escutam que não existe estupro pelo marido e que ela apanhou porque procurou isso. Estas mulheres recebem preconceito de outras mulheres, do serviço público e até da educação, quando tentam vaga para o filho e não conseguem”, afirmou.

“Inclusive não consegue creche e, para ficar com a criança, perde uma faxina. A mulher ainda sofre violência quando vai acessar à assistência social para tentar um benefício e tem que acordar às 4h da manhã para entrar na fila. A mulher não é violentada só pelo parceiro, mas pela sociedade e também pelo Estado. Quase não há creche, não há local para deixar as crianças para fazer um EJA (educação de jovens e adultos) e concluir pelo menos o ensino médio. Essa mulher dificilmente chega à faculdade e acaba se tornando vítima de violência doméstica por dependência financeira”, frisou.

Um ponto de extrema importância para a Jucileia, é que dificilmente uma mãe da favela perde a guarda dos filhos, isso porque faz de tudo para protegê-lo. “Há caso de mulher com cinco filhos em que todos chegam ao ensino médio, sendo que ela sequer escreve o próprio nome. Então elas investem tudo nos filhos para que futuramente mudem a realidade deles e dela também. Elas estão de parabéns e se viram nos 30, mesmo sem apoio do Estado”, destacou.

O caminho é a representatividade

Por fim, Natália Pollachi destacou que acredita fortemente que o caminho para a mudança do cenário da presença feminina e igualdade de direitos esteja na força da representação, em haver mais mulheres na política, mais mulheres na segurança pública, inclusive em cargos de gestão e liderança.

“As mulheres precisam estar presentes em decisões sobre onde será alocado efetivo, os investimentos, o que será prioridade ou não. Temos casos até de crimes muito recorrentes que foram tipificados muito recentemente, como o feminicídio e importunação sexual. São só exemplos de como a maior representatividade de mulheres na política e na segurança pública pode trazer avanços”, concluiu.

Análise jurídica: dificuldades enfrentadas pela mulher no mercado de trabalho

Em termos de análise jurídica sobre as dificuldades enfrentadas pela mulher no mercado de trabalho, a advogada trabalhista Luiza Baleeiro afirmou que, apesar das mulheres estarem conquistando cada vez mais espaços no mercado de trabalho, a luta contra a discriminação é algo que ainda permanece como um dos grandes objetivos, inclusive internacionalmente estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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“É importante destacar que a preocupação do organismo internacional não é apenas para a obtenção de postos de trabalho, mas que as mulheres ocupem postos de trabalho dignos, ou chamados de “trabalho decente” pela organização”, disse a jurista.

Como mecanismos que buscam beneficiar a mulher neste meio, Baleeiro esclareceu que a Constituição estabelece a igualdade entre todos e que isso deve ser observado também no mercado de trabalho. A igualdade, contudo, de acordo com a advogada, deve ser compreendida a partir das desigualdades.

“Assim, a existência de direitos voltados para as mulheres trabalhadoras não deve ser vista como espécie de privilégio, mas sim como medida inclusiva que objetiva diminuir desigualdades e atender a necessidades que beneficiam não apenas o núcleo familiar, mas a toda a sociedade. Existe um esforço legislativo e planos de medidas instituídos para a redução das desigualdades de trabalho entre homens e mulheres em âmbito nacional e internacional”, continuou.

Preconceito com mulheres que têm filho e precisam trabalhar

Infelizmente, para a jurista, a maternidade ainda é vista com preconceito no mercado de trabalho. Isso porque existem direitos voltados especificamente às mulheres que visam atender não apenas à condição física/fisiológica, mas também ao próprio bem-estar da criança. 

“A título de exemplo, poderíamos citar abono de faltas para realização de pré-natal; licença-maternidade; período de estabilidade da gestante e pausas para a amamentação”, pontuou.

A concessão desses direitos, em alguns casos, é vista, partindo de um pressuposto limitado e equivocado, como mais dificultosa e onerosa para o empregador do que a contratação de homens. 

Por outro lado, segundo Luiza Baleeiro, é interessante registrar que estudos sobre o tema apontam que para os homens, a paternidade auxilia na construção de uma imagem de comprometimento e responsabilidade, gerando atributos buscados no mercado de trabalho.

O que dizer sobre uma possibilidade de folga para mulheres durante o período menstrual?

Considerando o histórico do trabalho feminino no Brasil, Baleeiro acredita que uma novidade legislativa como a folga para mulheres durante o período menstrual não fosse tão bem recepcionada. 

“A instituição de direitos que se amparam em gênero pode criar uma visão equivocada da existência de maiores empecilhos e ônus financeiro ao empregador”, lamentou.

Para registro, segundo a jurista, em alguns países, o caminho para a redução da desigualdade no mercado de trabalho foi minimizar as diferenças e promover a concessão de direitos semelhantes aos homens.

“A título de exemplo, alguns países europeus equipararam para homens e mulheres o período de licença-maternidade e paternidade, o que favorece não apenas a redução da discriminação, como também a uma maior participação dos pais no início da vida dos filhos”, afirma.

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