“Minha filha me deixou um legado”, diz pai que criou associação dos familiares e sobreviventes de incêndio
Jennefer, filha de Adherbal Ferreira, estudava psicologia e inspirou o pai a ajudar vítimas
Cidades|Ana Ignacio, do R7
Todos os dias, no fim do expediente, Adherbal Ferreira saía do trabalho com Jennefer Mendes Ferreira, filha e gerente de sua loja. Com 22 anos, a jovem era estudante de psicologia e se formaria em pouco tempo. Enquanto cursava a faculdade, ajudava o pai na loja. Ela é uma das 239 vítimas que morreram em consequência do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), há um mês.
— Ela sabia tudo, tinha tudo na ponta da língua! Perdi uma funcionária e minha filha.
Adherbal é casado e tem mais um filho. Desde a missa de sétimo dia das vítimas do incêndio, ele foi um dos que sugeriu a outros pais a criação da associação dos familiares e dos sobreviventes. Para ele, esse contato com outras pessoas que passaram o mesmo que ele ajuda a superar a perda.
— Conversamos bastante por telefone com familiares. Esses dias, uma senhora ligou e se sentiu confortada após nossa conversa. Apesar de ainda não ser formada, como pessoa minha filha já era psicóloga e ajudava muito as pessoas. Acabei aprendendo e adquirindo isso com ela. Ela me deixou um legado.
Segundo Adherbal, o dia a dia na loja ainda está “meio atrapalhado”, mas ele tem tentado levar. Quando não está no escritório, se dedica à associação e à memória de sua filha. Nesta quarta-feira (27), um mês após o incêndio na boate, Santa Maria terá atos e missas em homenagem aos jovens que morreram na tragédia.
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O próximo passo, para Adherbal, é conseguir realizar ações mensais, sempre no dia 27 de cada mês, em homenagens às vítimas.
— Queremos que seja um dia de homenagem e não queremos que caia no esquecimento. A tragédia, queremos deixar para trás, mas vamos sempre lembrar da alegria deles. Eles são heróis e fizeram o mundo saber da inoperância do nosso sistema.
Um mês de tragédia
A tragédia vai completar um mês nesta quarta-feira (27). O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, a 290 km de Porto Alegre, aconteceu na madrugada do dia 27 de janeiro e deixou 239 mortos e mais de cem feridos. O fogo teria começado quando a banda Gurizada Fandangueira se apresentava. Segundo testemunhas, durante o show foi utilizado um sinalizador — uma espécie de fogo de artifício chamado "sputnik" — que, ao ser lançado, atingiu a espuma do isolamento acústico, no teto da boate. As chamas se alastraram em poucos minutos.
A casa noturna estava superlotada na noite da tragédia, segundo o Corpo de Bombeiros. O incêndio provocou pânico e muitos não conseguiram acessar a única saída da boate. Os proprietários do estabelecimento não tinham autorização dos bombeiros para organizar um show pirotécnico na casa noturna. O alvará da casa estava vencido desde agosto de 2012.
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Esta é considerada a segunda maior tragédia do País depois do incêndio do Grande Circo Americano, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. Em 17 de dezembro de 1961, o circo pegou fogo durante uma apresentação e deixou 503 mortos.