Grupos de "desapegos" nas redes sociais viram alternativa para quem quer economizar
Venda e compra informais viram modalidades de consumo em páginas e grupos na internet
Economia|Caroline Apple, do R7
Os olhares mais atentos podem ter notado uma movimentação diferente nas catracas das estações de Metrô e trem de São Paulo nos últimos meses. São, na maioria das vezes, duplas de mulheres que manipulam roupas, brinquedos e até eletroeletrônicos na entrada das estações e, depois, cada uma toma um rumo diferente.
O que está acontecendo em muitos desses casos é a concretização de uma venda informal que começou a ser negociada nas redes sociais, nos chamados grupos de desapegos. Alguns deles têm mais de 40 mil pessoas.
Os grupos de desapegos, que se formam no Facebook ou no WhatsApp!, são uma espécie de tendência entre as pessoas que querem se livrar de algum objeto que não querem mais por um preço baixo e também por aquelas que estão atrás de bons negócios.
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As redes sociais funcionam como um balcão de anúncios, no qual é possível comprar, vender e trocar uma grande variedade de produtos. Porém, a informalidade faz com que a concretização da venda seja feita na maior parte das vezes de forma presencial e o pagamento feito à vista.
Como toda a nova modalidade de compra e venda, o consumidor e o vendedor precisam assumir responsabilidades que, nesse caso, por ser novidade, muitos ainda desconhecem seus direitos e deveres.
A assessora técnica do Procon-SP (órgão de defesa do consumidor) Fátima Lemos reconhece que a fundação não tem conhecimento ainda dessa nova modalidade, porém acredita que alguns pormenores fazem a compra e venda saírem do âmbito da informalidade e se concretizarem com uma relação de consumo efetiva, que deve seguir a legislação vigente.
— Se o fornecedor for um vendedor habitual, mesmo que não tenha CNPJ, ele pode ser enquadrado na legislação e ter que cumprir deveres como o direito ao arrependimento em sete dias, por exemplo, e ser acionado por um órgão de defesa do consumidor, em caso de problemas com um comprador. A forma de pagamento também pode caracterizar uma venda formal. É o caso do uso de máquinas de cartão.
Mesmo que o vendedor só negocie seus produtos de vez em quando, Fátima alerta que, em caso de problemas, ele também poderá ser acionado, mas direto na Justiça.
— O preço atrativo pode fazer com que o consumidor não se atente à segurança. Caso tenha algum problema com o produto, ele pode acionar a Justiça e usar como provas todas as conversas, mensagens e promessas feitas pelo vendedor. (Veja no quadro abaixo outros cuidados)
Moderadores de grupos
Os grupos de desapego, geralmente, têm mais de um moderador, que são as pessoas que resolvem os problemas dos participantes e criam as regras de uso. A função, em alguns casos, pode até ser rentável.
Michele Alves é uma das três moderadoras do grupo Nossos Desapegos com Estilo!, que exibe bolsas, sapatos, roupas e perfumes para mais de 10 mil participantes, na maioria mulheres, de São Paulo e região metropolitana.
— Já recebemos elogios por sermos moderadoras engajadas e que não deixam o grupo perder o foco. Temos que prestar atenção no tipo de produto que está sendo vendido, se é desapego mesmo. Algumas meninas querem superfaturar em cima dos produtos e isso nos irrita um pouco, porque muitas meninas confiam que as peças em nossa página realmente são mais baratas.
A moderadora conta que revendas são proibidas, mas são abertas exceções para as empresas que querem fazer parcerias.
— Ligamos nossa página ao parceiro. Então, montamos o anúncio e repassamos para as meninas do grupo. Ou cobramos uma taxa para promover o anúncio ou trocamos por mercadorias para fazer sorteios.
Fátima Lemos do Procon esclarece que, em caso de anúncios patrocinados, os moderadores da página passam a ter responsabilidade pelo serviço que será prestado pela empresa anunciada.
— É como se os moderadores induzissem ou incentivassem a compra daquele produto ou serviço. Portanto, em caso de problemas, a empresa e também os moderadores poderão ser acionados na Justiça.
Apegadas e desapegadas
Desapegar de um produto que está parado em casa pode ser rentável a ponto de colocar algumas contas em dia.
A "desapegada" Sheila Araújo conta que está em um grupo de desapego há cerca de um mês. A experiência, segundo ela, foi tão positiva que parar não é uma opção.
— Achei a experiência libertadora. É a chance de fazer dinheiro para comprar mais roupas e se livrar daquela peça comprada por impulso. Também cheguei a cumprir um compromisso que eu tinha com o dinheiro das vendas.
Entrar dinheiro pode ser a prioridade para algumas vendedoras, mas, do outro lado, há consumidoras que também aproveitam a oportunidade para renovar o guarda-roupa com pouco dinheiro ou aproveitar o preço em conta para ter algum produto que seria inviável comprar em lojas, como é o caso de produtos como móveis e eletrodomésticos.
O grupo Desapegos de Móveis e Eletrodomésticos tem quase 41.000 pessoas. E na página tem de tudo: sofás, geladeiras, câmeras fotográficas, celulares, guarda-roupas e muito mais. E não é só a compra e venda que acaba rendendo negócio nesse caso.
Por serem produtos grandes, não é incomum na publicação da venda de um sofá, por exemplo, nos comentários, oferecerem o serviço de carreto. A oferta de serviços era tanta que começou a criar confusão entre os participantes, então, a moderadora criou uma página só para essa modalidade, a Prestação de Serviços SP.
Discussões e problemas
No grupo Desapegos Infantil do ABCD, que tem quase 35.000 pessoas, as moderadoras têm tido o desafio de mediar os desabafos e os problemas que aparecem. Na página, é possível negociar tudo que envolve o mundo infantil e da maternidade, como roupas, bolo para o Dia dos Pais e sutiãs de amamentação. Acontece que muitas publicações viram campos de guerra e a página um muro de lamentações sobre a dificuldade de vender os produtos ou até mesmo sobre problemas que compradores e vendedores enfrentam.
A vendedora Célia Ogeda saiu da região do ABC e foi até Pinheiros se encontrar com outra participante para pegar uma camisa do Mickey que negociaram em uma troca. No local, a mulher apareceu, mas sem o produto, dizendo, segundo Célia, que tinha tido um "rolo". Ao reclamar por mensagem do encontro frustrado e do percalço de sair de longe com um filho pequeno para nada, Célia ainda teve que ouvir: "Morre que passa".
— Ela chegou atrasada e disse que não tinha mais o produto. Isso me serviu de aprendizado. Ela agiu de má-fé.
Para evitar problemas ainda maiores, a assessora do Procon recomenda que pagamentos antecipados sejam evitados e, em caso de danos, o consumidor procure a Juizado Especial Cível, o antigo pequenas causas.