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Professor da USP é acusado de defender superioridade de brancos sobre negros em aula da pós-graduação

Alunos do coletivo “Ocupação Preta” dizem ter presenciado docente apoiar estudo racista 

Educação|Mariana Queen Nwabasili, do R7

Ideias racistas teriam sido defendidas no Instituto de Biociências
Ideias racistas teriam sido defendidas no Instituto de Biociências Ideias racistas teriam sido defendidas no Instituto de Biociências

Estudantes negros que compõem o coletivo paulista “Ocupação Preta” acusam um professor de pós-graduação da USP (Universidade de São Paulo) de defender e disseminar argumentos científicos racistas em uma aula ministrada nesta quarta-feira (22) no IB (Instituto de Biociências).

Segundo os alunos, o docente britânico Peter Lees Pearson defendeu na aula ideias presentes no artigo "James Watson’s most inconvenient truth: Race realism and the moralistic fallacy" (“A mais inconveniente verdade de James Watson: a realidade racial e a falácia moralista”, em tradução livre), publicado em 2008 no editorial da revista científica Medical Hypotheses da editora Elsevier.

O texto expõe as crenças do biólogo e pesquisador americano James Watson quanto a uma suposta superioridade do QI (Quociente de Inteligência) dos asiáticos e dos europeus frente ao QI dos africanos. Os estudos de Watson consideram categorias como habilidades mentais, estudos da origem humana, diferenças hereditárias e os tamanhos dos cérebros de europeus, asiáticos e africanos para sustentar a ideia de que há uma hierarquia entre as inteligências das “raças” humanas ao redor do mundo.

Mal-entendido? 

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A reportagem do R7 entrou em contato com a direção do IB-USP e solicitou entrevista com o professor denunciado, mas não teve sucesso. Segundo a assessoria de imprensa da unidade, muitas vezes textos polêmicos em inglês são usados na aula, “almejando estimular o engajamento dos alunos no debate”.

“De acordo com o Professor Peter, pretendia-se estimular o debate sobre até que ponto os argumentos apresentados pelo autor seriam cientificamente defensáveis, e não estimular qualquer forma de racismo. Ressaltamos que o Instituto de Biociências, em sintonia com a Universidade de São Paulo, estimula a tolerância e o respeito à divergência de opiniões, e a liberdade de expressão e discussão”, diz nota do instituto.

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Gilberto Xavier, diretor do IB, diz que recebeu um relato do professor sobre o episódio. Entretanto, nenhum dos alunos que estavam presentes na aula foi escutado.

— Pelo que pude levantar, o objetivo da aula do professor Pearson era discutir até que ponto os argumentos do artigo eram defensáveis. Houve um mal-entendido por parte das pessoas que tomaram conhecimento do tema da aula.

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O diretor afirma que o instituto não valida abordagens com “preconcepção racista” e não “forma racistas”. 

— Todos nós sabemos que somos afrodescendentes e que as habilidades cognitivas são treinadas ao longo do tempo. Existem diferenças cognitivas que são fruto de um processo de interação com o ambiente, onde a cultura está presente.

Como foi a aula

Na aula da disciplina “Inglês em Ciência” ministrada para uma turma de cerca de 20 alunos na tarde desta quarta-feira, o Peter Lees Pearson abordou o texto sobre as teorias de Watson. O artigo havia sido encaminhado para os estudantes lerem anteriormente.

Informados previamente sobre o teor da aula, 15 membros da “Ocupação Preta” compareceram à classe para escutar e questionar Pearson. Esse tipo de ação do coletivo tornou-se conhecido recentemente, após outros membros tentarem debater cotas raciais em meio a uma aula na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP no mês de março. A ação foi filmada e o vídeo gerou polêmica na internet.

Andreza Delgado, membro do coletivo que esteve presente na aula desta quarta-feira, afirma que Pearson quis, inicialmente, conversar com o grupo de alunos negros fora da sala.

— Chegamos a pensar que ele ia criticar o artigo e que nós, como estudantes negros, iríamos enriquecer o debate. Mas ele começou a dizer que ‘as pessoas a mais nessa sala não entendem de ciência’. [...] Ele falou que o James Watson não era racista, que quem questionava o Watson era moralista e que ciência não tem nada a ver com política.

A estudante afirma que o docente dá aulas na pós-graduação da USP desde 2011, sabe falar português, mas optou por continuar a ministrar a aula em inglês enquanto comentava o artigo.

— Começamos a questionar porque ele estava falando em inglês, se ele entende português, mas ele interrompia a gente batendo palmas, como quando as pessoas fazem para ‘tocar cachorros’, e mandando a gente calar a boca.

Segundo a assessoria de imprensa do IB-USP, a disciplina ministrada por Pearson “tem como objetivo melhorar o uso da língua inglesa no meio acadêmico, através de discussão e apresentação de seminários referentes a artigos científicos, em linhas gerais”. Além disso, o órgão afirma que o professor não fala português.

Episódio inadmissível

Para Maria José Menezes, do NCN (Núcleo de Consciência Negra Na USP), o episódio é inadmissível.

— Depois de todo avanço que tivemos para combater a eugenia como uma ciência racista e perversa, é lamentável que uma instituição como o IB-USP permita que isso aconteça. Acho que a universidade tem obrigação de examinar o ocorrido e, se for o caso, punir o professor.

Em nota, o coletivo “Ocupação Preta” justificou a ação de seus membros que compareceram na aula em questão: “Entendemos que era necessária a ocupação dessa aula, porque quase todos(as) estudantes matriculados eram brancos(as). Dentre 20 pós-graduandos(as) presentes, apenas um era negro”.

“O que nos surpreendeu foi a postura extremamente racista do professor que defendeu subjetivamente o texto e que não valorizava o diálogo, diversas vezes batendo palmas em cima das falas dos estudantes negros, dizendo ‘shut up’ e se recusando a fazer a discussão em português, mesmo sabendo que havia estudantes que não entendiam inglês e por isso, não podiam se defender. O professor começou uma discussão sobre um artigo que ressaltava e queria provar a inferioridade intelectual negra, acusando as ‘pessoas extras’ que estavam presentes de ‘não saberem ciência’. A Ocupação Preta repudia esse tipo de método de aula”, diz outro trecho da nota.

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