Há 24 anos, Luiza Erundina saiu da cadeira de prefeita de São Paulo. Agora ela deseja voltar. Na bagagem, diz que traz mais “experiência, visão crítica, tolerância e capacidade”. Aos 81 anos, disposição não falta à candidata do PSOL. Os compromissos de deputada federal continuam firmes durante a campanha — está no quinto mandato. "Não faltamos a nenhuma votação", diz. Quando não está em Brasília, faz reuniões, participa de protestos, debates, corpo a corpo e até de carreata. Ela recebeu a reportagem do R7 no último dia 6. Na entrevista exclusiva, Erundina critica o prefeito Fernando Haddad (PT), adversário dela, por “não ter feito um governo participativo”. A candidata ainda destaca que a crise política brasileira não pode ser ignorada nas eleições municipais e que o prefeito de São Paulo precisa ser uma liderança política nacional.Veja quem são e o que prometem os candidatos em São Paulo Erundina fala também sobre a posição da esquerda nestas eleições. Para ela, "a esquerda brasileira não construiu um projeto unitário" e é preciso "mudar não só o discurso, mas a prática". Leia a seguir os principais trechos da entrevista.R7: A senhora não abriu mão das atividades parlamentares para concorrer à prefeitura. Como está sua rotina de deputada e candidata?Luiza Erundina: Estou trabalhando mais, dormindo menos, mas estou acostumada, não é uma rotina que seja estranha para mim. Tenho muita vontade de fazer as coisas, acredito para valer. Já estamos pensando em governo. A própria Câmara estabeleceu um calendário que concentra as votações em alguns dias, distribuídos neste tempo de campanha, que é muito curto. Então, nós vamos a todas as sessões que têm pauta de votação. Nós não faltamos a nenhuma. E também tem o trabalho nas comissões. É evidente que todos os parlamentares que são candidatos estão dedicando parte da agenda para a campanha.R7: Por que agora, após 16 anos da sua última tentativa, disputar novamente a prefeitura paulistana?Erundina: Eu gerei uma expectativa na sociedade como um todo, não é só em São Paulo, é no Brasil inteiro, até pelas minhas origens, pela minha trajetória de vida. Hoje eu sou uma liderança política não porque eu sou “a legal”, mas a própria história e o movimento que me levou nesses anos todos me trouxeram até aqui. Nessa idade, hoje sou candidata a prefeita e não é por vontade própria, não é porque eu queria ser prefeita de novo. É um imperativo da conjuntura e da trajetória de vida que eu fiz com muita gente. Eu não chegaria até aqui sem muita gente ajudando, sem muitas mulheres participando, homens militando.R7: Nas primeiras pesquisas antes do início da campanha, a senhora já estava na casa dos 10% das intenções de voto, em terceiro lugar. Isso lhe surpreendeu?Erundina: Tem um retorno do primeiro governo [1989-1993], que teve marcas não por mérito pessoal meu, mas de uma equipe que tinha Paulo Freire, que tinha Marilena Chaui, o Paul Singer... E fizemos uma excelente gestão, apesar de governar com minoria na Câmara durante os quatro anos, porque a gente não fez concessões. Para fazer concessão, deixa que os outros fazem, quem não tem escrúpulos. Nós já temos o reconhecimento de categorias inteiras. Por exemplo, os professores, eu duvido que não tenha, no mínimo, 90% conosco. Na área da saúde também.R7: Depois de ser prefeita, a senhora disputou novamente em 1996 (pelo PT, foi para o 2º turno), depois em 2000 e em 2004 (pelo PSB). O que a senhora traz de diferente para essa eleição?Erundina: Uma avaliação crítica do meu próprio governo. Mesmo aquilo que foi positivo, como a política de saúde, educação, transporte público e também habitação e cultura... Essas políticas tiveram sucesso, e quem diz isso é a sociedade, mas depois de 27 anos, retomamos essas propostas com a mesma força e legitimidade. Mas eu digo que é insuficiente para hoje, a cidade é outra, a demanda cresceu, a expectativa também cresceu. Nós não vamos atender ao que a cidade é hoje com um padrão de política de 27 anos atrás. Eu tenho mais experiência, mais visão crítica das coisas, eu tenho mais tolerância e capacidade.R7: A sua campanha tem apenas 10 segundos de horário eleitoral. Como driblar isso?Erundina: Tem o corpo a corpo. Além do que, as pessoas me conhecem e têm a memória do nosso governo. Eu não preciso me tornar conhecida, eu preciso fazer com que as pessoas saibam que eu sou candidata. E esse trabalho de rua cumpre esse papel, limitadamente, eu sei. Mas ainda bem que a gente conseguiu participar dos debates. E nossa equipe é muito criativa [na produção das inserções do horário político].R7: No debate da RedeTV!, a senhora focou muito nas questões nacionais. Esses temas vão ter mais espaço na sua campanha?Erundina: Não só na campanha, mas no nosso governo. Nós não estamos focados só na questão municipal. Os problemas do município também são expressão das consequências da crise nacional, seja o desemprego, seja o desencanto com a política. Para você politizar uma campanha, sobretudo em uma cidade do porte de São Paulo, da responsabilidade política que essa cidade tem, você não pode simplesmente ser uma ilha assistindo e administrando os efeitos que vêm da política administrada lá em Brasília. O Produto Interno Bruno é gerado aqui, os tributos são gerados aqui... Então, nós temos que ter voz.R7: No mesmo debate, o prefeito Haddad disse que a senhora tem uma postura “divisionista” em relação à esquerda. O que a senhora tem a oferecer para esse eleitor de esquerda que o Haddad eventualmente não tenha contemplado?Erundina: Nós temos propostas discutidas e construídas junto com a população. Uma das falhas, a meu ver, do Haddad é ele não ter feito um governo democrático de fato, participativo, de consulta permanente. A nossa proposta, o nosso programa de governo, é resultado de N grupos do que tem de melhor da intelectualidade, da experiência de administração pública, seja na saúde, na educação, do transporte público. Isso dá a esse segmento do campo progressista uma identidade maior, porque sabe que, no governo, o modelo de gestão vai seguir essa linha de escuta, de decisão conjunta, de descentralização do poder. Isso são propostas avançadas, modernas e necessárias. As subprefeituras, por exemplo, quem define o subprefeito não é o prefeito, é o vereador. Por que? Porque o prefeito fica preocupado com a maioria dele no Legislativo. Isso é importante, mas não é a única forma de você conseguir fazer as coisas.R7: O Haddad diz que, caso reeleito, vai fazer eleição direta para subprefeito. Como o seu governo faria as nomeações?Erundina: Isso [eleição] é ruim, porque se você fizer isso sem que seja uma demanda das comunidades, das regiões, você corre o risco de tirar o poder que lhe foi conferido para colocar na mão de lobbies, grupos de poder econômico... Acontece nos conselhos, eles são usurpados e se perpetua aquele modelo de serem sempre os mesmos com o rabo preso. A gente vai pedir que a comunidade indique três nomes, uma lista tríplice, tirada de pessoas que militam ali, que são lideranças locais, que convivem com os problemas, conhecem a região. Vamos supor que o primeiro indicado, que devo seguir essa ordem, se o primeiro não corresponde, você volta e a comunidade substitui. Nós vamos colocar o orçamento para ser elaborados pelas comunidades, um orçamento regionalizado. A execução do orçamento vai ser lá, acompanhada por eles, gerenciada por eles. As finanças, para não ficar dependendo da Secretaria de Finanças, da Secretaria de Educação, você coloca coordenações nessas regiões e metas compatibilizadas com as metas gerais da cidade. Com isso, você consolida o poder local.R7: Nestas eleições, a esquerda está mais prejudicada do que a direita?Erundina: É que a esquerda brasileira não construiu um projeto unitário. No mundo todo está se buscando uma nova esquerda. Qualquer segmento político sofreu as consequências das mudanças sociais das últimas décadas. A esquerda precisa mudar não só o discurso, mas a prática. Com certeza, farei um governo como esquerda, sem abrir mão dos meus princípios. Isso aí é o foco, mas eu tenho que encarnar isso da história. E a história de hoje não é a de 30 anos atrás.R7: São Paulo já teve alguns governos de esquerda, intercalados. A senhora acha que hoje é uma cidade justa?Erundina: Não. Inclusive um dos eixos da nossa proposta é combater a desigualdade pela própria ação da prefeitura. A prefeitura, por exemplo, tem que implantar um orçamento que distribua de forma mais igualitária a receita para diminuir essa desigualdade. Não dá para fazer como é hoje: Pinheiros fica com R$ 134 mil por pessoa do investimento público, enquanto Cidade Tiradentes fica com R$ 80 mil. Investe-se mais na região que já tem tudo e menos onde não tem nada. Inverter isso já é inverter a possibilidade de [que haja] desigualdade na cidade.R7: Se a senhora tivesse que escolher uma única bandeira para ser a marca da sua gestão, qual seria?Erundina: Tenho muitas bandeiras. Por exemplo, quando eu digo que vou combater a desigualdade a partir da forma de administrar o orçamento da cidade, é uma marca. Outra marca: eu vou, por exemplo, focar na mobilidade, que é uma condição para o cidadão acessar todos os serviços da cidade. Quero governar com o povo, diminuir a cabeça do governo e fortalecer os pés, que é onde está o cidadão. O secretário não tem que ficar distante. Nem sei se vai ter muita secretaria.R7: Então, haverá cortes de secretaria em um eventual governo seu? De quantas?Erundina: Nem quero saber. Vou diminuir o tamanho da cabeça, vou descentralizar o poder. As políticas têm que ser feitas lá na região, integradas entre elas. Todas as áreas têm um aspecto comum. A cabeça do governo vai dar as grandes linhas, o rumo. Mas quem vai governar mesmo, de fato, é quem está lá na periferia.R7: O que a senhora não encontrou no PT e no PSB que hoje encontra no PSOL?Erundina: Eu sou uma das fundadoras do PT, o Ivan [Valente, candidato a vice na chapa], os companheiros que fundaram o PSOL, nós viemos do PT. Em um dado momento, eu já não tinha a mesma identidade ideológica, doutrinária, política. Eu sou uma pessoa muito exigente comigo mesma, quando eu faço uma opção é para valer e eu não mudo de lado. Coerência é uma marca da minha personalidade. Então, nesse sentido, quando estava no PT, vi que tinha esgotado a minha experiência lá e disse, “vou mudar de casa, mas na mesma rua”. Eu não fui para um partido de direita nem de centro. Fui para um partido de esquerda, o Partido Socialista Brasileiro, que tinha Miguel Arraes como presidente, porque tinha tudo a ver com o campo onde eu estava. Fiquei lá 19 anos, não foram cinco anos, como o Haddad falou no debate. Recentemente, vim para o PSOL. Hoje, o PSB está apoiando o [João] Doria, está na chapa do PSDB. Eu não posso aceitar isso. Eu estava isolada. Ou eu me mantinha militando e tendo voz na política nacional e cumprindo meus compromissos políticos ou eu ficava lá isolada, assistindo. Eu não tenho direito a isso.