As denúncias de espionagem contra autoridades e empresas brasileiras causaram mal-estar nas relações entre Estados Unidos e Brasil, por um lado, mas também escancaram um problema de segurança nacional: o País é um alvo fácil na guerra cibernética. Segundo especialistas entrevistados pelo R7, os documentos revelados pelo ex-analista da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) Edward Snowden reforçam que o Brasil é vulnerável a ataques virtuais. Ser alvejado em um confronto como esse significa ter sistemas informatizados derrubados. Isso pode causar a paralisação de sistemas bancários, do abastecimento de água, do saneamento básico, de comunicação, de transporte e também apagões de eletricidade, como aponta o consultor em segurança digital Alan Sanches, que é ex-membro do grupo de hackitivismo Anonymous. — O Brasil possui profissionais qualificados para uma possível guerra cibernética, mas a infraestrutura do País, não. Afinal, se hackers brasileiros conseguem tirar [do ar] sites de bancos durante horas, um ataque de um país com nível tecnológico maior seria devastador.Guerra cibernética é capaz de causar estragos econômicosBrasil está sendo invadido pelos Estados Unidos, diz Assange Para o diretor do Cetris (Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e Segurança) e especialista em segurança internacional Salvador Raza, a ideia de que os EUA invadiram o computador da presidente Dilma Rousseff é lamentável por várias razões, e uma delas é por mostrar um ponto fraco do Brasil. — A espionagem mostra o grau de vulnerabilidade do País, ou seja, é muito mais um sintoma de que é vulnerável do que uma evidência de prática da espionagem. A invasão mostra o grau de abandono e de desleixo em que a segurança cibernética foi colocada. Mostra o despreparo para entender o ambiente moderno e também para gerenciar um governo dentro de um ambiente muito mais sofisticado. Com as defesas enfraquecidas ou praticamente inexistentes, um temor faz sentido: o de uma invasão cibernética que desestabilize o Brasil, acrescenta Raza. — No limite, toda infraestrutura crítica do País está vulnerável: represas, sistemas de telecomunicações e aeroportos. Se houver um ataque maciço, intencional, em cinco dias o País “para”.Males da dependência O consultor Alan Sanches, que montou uma empresa de segurança digital depois que saiu do grupo hacker Anonymous, ressalta a grande dependência que o Brasil tem dos EUA quando se trata de internet e sistemas informatizados. — Todo o nosso fluxo de internet passa pelos EUA. Assim, ficamos reféns das tecnologias deles e, principalmente, da infraestrutura da web. O principal sistema operacional utilizado aqui pertence a eles [Windows], assim como os antivírus e as entidades certificadoras. Sendo assim, não temos a mínima chance se um dia existir uma guerra cibernética contra o EUA ou seus aliados. Coordenador de pós-graduação e professor no curso de relações internacionais das Faculdades Rio Branco, Gunther Rudzit lembra que a infraestrutura de comunicação usada no Brasil também é importada. — Claro que isso deixa o País mais suscetível a sofrer um ataque cibernético. É tão arriscado quanto o fato de nossos governantes continuarem usando o Gmail e o SMS. Só isso já mostra o quanto estamos vulneráveis à espionagem. A presidente da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Espionagem, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), em depoimento a uma audiência pública realizada no dia 22 de outubro, apontou outro gargalo, que é a ausência de mecanismos brasileiros de segurança. — O Brasil é vulnerável pela falta de sistemas próprios de segurança; por não desenvolvermos fiscalização de qualquer sistema, e porque empresas públicas importantes não utilizam tecnologia nacional. No mesmo dia, o especialista em segurança digital Paulo Sergio Pagliusi avaliou que, em uma escala de 0 a 10, a defesa on-line do Brasil tem nota 4, o que demanda o investimento no desenvolvimento de satélites e de cabos submarinos. Segundo ele, 90% das informações brasileiras passam pelo território norte-americano. Para contornar essas brechas de segurança, o governo pretende anunciar investimentos para a área em breve, segundo o representante do Comitê Gestor da Internet no Brasil, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, Rafael Moreira. Em entrevista à BBC Brasil, o general José Carlos dos Santos, chefe do CDCiber (Centro de Defesa Cibernética do Exército Brasileiro), um dos dois principais órgãos responsáveis por garantir a segurança das redes no País, disse que o Brasil precisa se preparar para a possibilidade de uma 'guerra em rede'.Campo de batalha Em seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, a presidente Dilma defendeu uma regulamentação das novas tecnologias para que a internet não se transforme em um campo de batalha. Na avaliação do sociólogo e pesquisador de redes digitais Sérgio Amadeo, o discurso duro da presidente “defendeu uma posição que todos os defensores da democracia e dos direitos humanos deveriam defender”. — Não podemos aceitar que um Estado passe a organizar esquemas massivos e ilegais de vigilância. Isso tem que gerar um novo acordo. Segundo Amadeo, a maior parte da internet não é voltada para a espionagem, uma vez que a usamos para comunicação, comércio eletrônico, entretenimento e práticas educativas. No entanto, um grupo pequeno de organizadores da guerra cibernética estaria transformando a internet em um campo de batalha. Para evitar esse confronto, o governo Dilma, além de prometer investimentos, quer levar a disputa às Nações Unidas. O primeiro passo dessa iniciativa ocorreu na última sexta-feira (1º), quando Brasil e Alemanha apresentaram à ONU, em Nova York, uma proposta de resolução contra invasão de privacidade na rede. Evocando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o texto afirma que as pessoas devem ter garantidos, no ambiente digital, os mesmos direitos que têm fora dele. Já no plano interno, o Marco Civil da Internet — espécie de constituição da rede e que estava parado há dois anos no Congresso — voltou a ganhar destaque e pode ser votado em breve na Câmara, mas sua aprovação ainda esbarra na falta de consenso entre os legisladores brasileiros.