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Ex-premiê da Espanha, Felipe González, admite crise na democracia: "Temos de ver onde falhamos"

Em entrevista exclusiva ao R7, ele também criticou política de austeridade da União Europeia

Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7

Ex-premiê da Espanha ajudou a fortalecer a democracia no país
Ex-premiê da Espanha ajudou a fortalecer a democracia no país

O ex-primeiro-ministro da Espanha, Felipe González (1982-1996), 75 anos, tornou-se um símbolo da democracia na segunda metade do século passado. Após se manter contrário à ditadura do general Francisco Franco (1936-1975), chegou ao poder pelo PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e, logo de início, teve pela frente o desafio de recolocar a Espanha no caminho da integração com a Europa e da reestruturação social.

Passados mais de 20 anos, ele vê agora uma Europa ameaçada pela desintegração, com movimentos nacionalistas em vários países, a partir do Brexit. Tendo chegado nesta quarta-feira (15) ao Brasil, para participar do seminário Paz e Resolução de Conflitos na Ibero-América, dentro de uma série de eventos organizados pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, ele deu uma entrevista ao R7 e admitiu que houve erros na condução da democracia por parte dos governantes destes regimes. Criticou também a austeridade na Europa. Confira.

R7 - Quais eram seus desafios ao assumir um país que vinha de 43 anos de ditadura, após um curto período de transição?

Felipe González - Naquele momento, as prioridades eram o fortalecimento do sistema democrático, a modificação do país com políticas de inclusão social, a integração às comunidades europeias e abertura ao mundo. Eram prioridades claras, havia uma rota muito marcada.


R7 - A integração com a Europa era vista com entusiasmo?

FG - Para os cidadãos espanhóis, ao contrário do que se acreditava, o importante era se integrar aos outros países democráticos da Europa, para consolidar o regime democrático espanhol. Muitos pensavam que era uma aspiração econômica, mas não era, era o desejo de ser um país livre com democracia representativa, superando o passado, era o fator dominante para pelo menos 90% da população.


R7 - Essa expectativa era compartilhada com os outros países europeus, satisfeitos com a integração e a formação da União Europeia?

FG - Compartilhamos a expectativa sobretudo com Portugal, que também havia passado um largo período de ditadura com Salazar (Antônio de Oliverira, 1932 - 1968). Nos anos 60, houve um fluxo imigratório muito forte de espanhóis e portugueses a países do que viria a ser a União Europeia. Os países centrais que constituíram desde o começo a União Europeia eram democracias que se consideravam consolidadas, estados de bem-estar desenvolvidos, tinham uma situação distinta.


R7 - Como vê o atual momento, em que a Europa está inclusive ameaçada de desintegração por movimentos nacionalistas?

FG - Estamos vivendo um momento crítico da governança representativa. Nesse momento, com as tensões entre questões nacionais e a economia global vinda de uma crise estão produzindo reações defensivas, nacionalistas, de rechaço a um fenômeno de internacionalização e globalização.

R7- Quais foram as causas desta mudança de clima, tão diferente do momento em que o senhor assumiu o poder carregando a esperança da integração?

FG - Temos de denunciar o populismo como uma ameaça à democracia, como um modelo demagógico com experiências fracassadas, mas isso não basta. Antes, temos de fazer uma análise crítica sobre onde estamos falhando para que esse espaço de xenofobia tenha tanta repercussão popular. Não estou disposto a desqualificar o populismo sem antes criticar as próprias falhas dos partidos que articularam o eixo da democracia, a direita e a esquerda, porque ambos falharam, em parte provocaram reações populares desta natureza.

R7 - A que falhas o senhor se refere especificamente?

FG - A democracia passa por uma crise e temos de ver onde falhamos. Entre outras coisas não fomos capazes de introduzir elementos de governaça globais. Normalmente os responsáveis políticos sabemos dizer aos cidadãos: "não podemos fazer porque os mercados impedem". E o cidadão deve pensar: "onde está a urna para votarem os mercados?"

R7 - Como superar essa dependência do mercado e atender a essas expectativas?

FG - O cidadão vota para que se responda aos seus problemas e aspirações. Não se pode dizer que isto é imposição do mercado, tem de se explicar de que forma se pode fazer previsível o funcionamento dos mercados, sem prejuízos à nação. E de que forma será possível redistribuir o que produz a revolução tecnológica, com uma economia mais justa entre os distintos setores da população. Esses elementos de governaça estão faltando hoje.

R7 - O senhor considera que a intolerância que se vê hoje, inclusive em relação a refugiados, aumentou por causa da velocidade da revolução tecnológica?

FG - É impossível dizer que há mais ou menos intolerância, há mil anos o conflito entre xiitas e sunitas era exatamente como hoje no mundo muçulmano. O que mudou é que hoje há muito mais capacidade de matar, muito mais eficácia na hora de produzir atentados, guerras e sobretudo muito mais capacidade de se saber o que se passa no mesmo instante. A rede social representa um incremento da intolerância, do ódio, da exclusão do outro, mas não acredito que isso não existia antes, também com minorias. Hoje, há um efeito multiplicador.

R7 - Quando o senhor governou, a Espanha recebeu investimentos da União Europeia para sua infraestrutura sem tanta cobrança por austeridade. O que mudou?

FG - Hoje também há investimento mas a Espanha entrega mais do que recebe da União Europeia em termos de sacrifícios. Essa política europeia de austeridade é um erro na luta contra a crise financeira de 2008, porque os países centrais decidiram fazer politica de ajuste sem políticas anticíclicas (que amenizem a crise). O Banco Central Europeu demorou três anos para isso. Nos Estados Unidos, a reserva federal foi injetada na economia, ajudando empresas inclusive de automóvel. Na Europa se fez uma política de austeridade que criou um sofrimento desnecessário. Digo isso desde 2010.

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R7 - Neste momento tão conturbado, o senhor vê o futuro com otimismo?

FG - Não sou pessimista, já digo antes. O que acontece é que não creio na arrogância que apresenta a Revolução Tecnológica como a resolução de todos os problemas da humanidade e nem no pessimismo reacionário dos nacionalistas. A Revolução Tecnológica é imparável, como a Industrial, e é preciso governar com essa realidade que oferece muitas oportunidades e também ameaças. Governar é preparar os países para que as oportunidades sejam as melhores e os perigos, menores.

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