Globalização é mais importante que governança
Ex-presidente do México, Ernesto Zedillo, comenta processo de integração mundial
Internacional|Do R7
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial e até a última década do século passado, algumas vezes a passos acelerados e outras de forma errática, as nações chegaram a acordos para construir a governança internacional que permitiu a moderna integração econômica mundial. A ONU, as instituições Bretton Woods e a Organização Mundial do Comércio, em nível global, como a União Europeia e o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, em nível regional, são exemplos de instituições criadas por Estados-Nação e de onde surgiu a governança contemporânea.
Contudo, dois pontos tornam essa governança vulnerável.
Um tem a ver com o fato de que as decisões, políticas e ações que originaram essa governança podem ser revertidas. Por consequência, a globalização pode ser desacelerada e até mesmo revertida até certo ponto, a depender das intenções de líderes políticos que, por sua vez, podem ser influenciados por um série de fatores que vão da ideologia particular dos líderes à acomodação pragmática de pressões advindas de grupos de interesse influentes ou da opinião pública em geral.
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A outra vulnerabilidade surge do abismo que existe entre a governança e a globalização econômica. O primeiro problema ajudava a aumentar o segundo até os anos 1980, mas desde então a globalização econômica, acelerada pelas tecnologias modernas e pelo vigor dos países emergentes, cresceu muito mais rapidamente que a governança global.
Nos primeiros anos do século XXI, já existem inúmeras manifestações de preocupação em relação à insuficiência da governança para a globalização. Observadores destacam que, à medida que cresce a interdependência econômica, aumentam também os benefícios potenciais – bem como a velocidade e a força dos efeitos de um problema específico sobre o restante da economia global. As diversas crises econômicas dos anos 1990 deixaram claro que o mundo não possuía mecanismos suficientemente satisfatórios para contra-atacar os choques econômicos globais.
Além disso, tornou-se evidente que a integração dos mercados, obviamente benéfica para muitos deles, também poderia levar a um aumento nos conflitos e uma sensação de injustiça e frustração nos que foram deixados para trás ou deslocados pelas forças da globalização. Da mesma forma, muitos afirmaram corretamente que o mundo não possuía mecanismos institucionais apropriados para garantir que as vozes que representam todos os povos e locais relevantes pudessem ser ouvidas na discussão.
Também havia uma profunda consciência de que alguns dos fóruns disponíveis na época para discutir sistematicamente uma série de questões econômicas globais eram excessivamente restritos em relação a seus participantes, incluindo o Grupo dos Sete mais a Rússia. Outros, tais como os comitês de ministros da fazenda e presidentes de bancos centrais eram reunidos periodicamente no pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, mas não tinham autonomia política suficiente para tomar decisões.
Infelizmente, se um deles precisasse produzir um diagnóstico do estado da governança global nos dias de hoje, praticamente todas as conclusões de mais de uma década atrás ainda seriam válidas, com sérias complicações. Em primeiro lugar, o abismo entre globalização e governança, longe de diminuir, se tornou muito maior. Em segundo lugar,o sistema internacional continua basicamente o mesmo, uma vez que várias tentativas de reformar aspectos fundamentais falharam de forma retumbante, desde o início do século.
O abismo da governança se tornou óbvio durante a crise financeira de 2008 e suas consequências, que ainda nos acompanham. Embora algumas das raízes da crise possam ser consideradas decisões políticas estritamente domésticas nos países afetados, a crise realmente aconteceu porque os principais envolvidos na economia global não foram capazes de abordar questões fundamentais oriundas da intensificação da globalização, apesar do fato de que esses problemas tenham sido identificados desde o princípio como ameaças à estabilidade financeira internacional.
Na verdade, a economia global parece estar em rota de colisão. A recuperação de países desenvolvidos como o Japão e os Estados Unidos não chega e boa parte da União Europeia acaba de entrar em uma segunda recessão e enfrenta grandes problemas com a dívida externa, com a ameaça da falência de instituições bancárias e do possível colapso da união cambial. As economias emergentes têm tido melhores resultados, mas seu crescimento está se desacelerando e corre sérios riscos caso a situação dos países desenvolvidos continue a piorar.
A incapacidade dos países do G20 de honrar seus compromissos razoáveis e indispensáveis é verdadeiramente preocupante. Abordar os atuais efeitos da grande crise de 2008-2009 de forma colaborativa é o verdadeiro teste para comprovar a capacidade da comunidade internacional de gerenciar a mudança de poderes econômicos e geopolíticos que ocorre atualmente. Até o momento o G20 não está se saindo bem no teste.
Francamente, apesar das evidências de que a cooperação internacional seja do interesse particular de todos os Estados, sua concretização não passa de uma promessa. Essa desgraça não envolve apenas os países do G20. É inacreditável como a União Cambial Europeia – e, com ela, a União Europeia como um todo – chegou à beira do precipício nos últimos dois anos em função de sua incapacidade de fechar o abismo entre integração econômica e governança.
O futuro imposto pela coexistência de um mundo integrado pelas nações soberanas da Westfália e de um mundo com enorme necessidade de alcançar uma coordenação internacional profunda para enfrentar problemas de interesse comum tornou-se ainda mais exacerbado, ao invés de se resolver. Paradoxalmente, em função da difícil situação econômica, que precisa de maior cooperação econômica para ser resolvida, os obstáculos da política doméstica para realizar essa cooperação se tornaram ainda maiores, e não mais simples de resolver.
Isso significa que, nos próximos anos, os líderes políticos precisarão se superar para poderem adaptar seus governos e suas sociedades às novas demandas de governança doméstica e internacional, além de lidar com as novas demandas da globalização.
A alternativa – abrir mão dos benefícios da interdependência econômica – seria infinitamente mais dolorosa.
(Ernesto Zedillo, ex-presidente do México, é diretor do Centro de Estudos da Globalização de Yale, em New Haven, Connecticut.)