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Morte de ativista reacende luta contra assédios sexuais cometidos por membros da Igreja Católica

Investigação australiana revela que 7% dos padres abusaram de crianças entre 1950 e 2010

Internacional|Do R7

Família de ativista vem enfrentando a Igreja Católica na Austrália em busca de reconhecimentos pelos abusos sofridos pelas filhas
Família de ativista vem enfrentando a Igreja Católica na Austrália em busca de reconhecimentos pelos abusos sofridos pelas filhas Família de ativista vem enfrentando a Igreja Católica na Austrália em busca de reconhecimentos pelos abusos sofridos pelas filhas

A morte, no final de maio, de um ativista australiano, homenageada por pares no mundo inteiro, reacendeu o debate sobre um problema abordado até no cinema: a frequência de casos de abusos sexuais de menores dentro de instituições católicas. O caso é tema de uma reportagem divulgada pela rede britânica BBC.

A reportagem citada traz o relato da família Foster. Há 20 anos Anthony e Chrissie vem enfrentando a Igreja Católica na Austrália em busca de reconhecimentos pelos abusos sofridos pelas filhas do casal. Emma e Katie foram estupradas na escola primária que frequentavam em Melbourne, entre 1988 e 1993. Os abusos tiveram início quando as meninas tinham entre cinco e seis anos de idade e se repetiram durante anos - deixando profundos traumas na família.

Emma viciou-se em drogas e passou a se automutilar. Em 2008, aos 26 anos, tomou uma dose excessiva de medicamentos e morreu abraçada a um ursinho de pelúcia que havia ganhado em seu primeiro aniversário. Sua irmã Katie, sofria de alcoolismo e foi atropelada em 1999. Vive hoje com deficiências físicas e mentais que requerem cuidados constantes. Após uma batalha legal de dez anos, o casal recebeu US$ 555 mil como parte de um acordo judicial.

Anthony morreu aos 64 anos, vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Ele recebeu um funeral de Estado e diversas homenagens na Austrália e no mundo. "Com dignidade e gentileza, Anthony e Chrissie apoiaram generosamente inúmeros sobreviventes e suas famílias, apesar de carregarem sua própria dor", disse o juiz Peter McClellan, presidente da Comissão Real australiana que investiga crimes sexuais, e que contabilizou 4.400 denúncias de abusos contra menores entre 1980 e 2015 no país.

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A luta dos Foster durante as últimas duas décadas culminou na criação da Comissão Real - a instância mais alta de inquérito público existente na Austrália - para investigar o abuso sexual institucionalizado no país. Formada em 2013, a comissão deve entregar seu relatório final em dezembro deste ano, após ouvir depoimentos devastadores e encontrar indícios de que 7% dos padres católicos da Austrália cometeram abusos contra crianças entre 1950 e 2010. Relatório preliminar também indicou que 4500 crianças foram abusadas em mais de mil instituições católicas entre 1980 e 2015.

Um relatório de 2014 do Comitê dos Direitos da Criança da ONU criticou o Vaticano por anos de relutância em admitir a escala dos abusos e em tomar as medidas necessárias para proteger crianças contra clérigos pedófilos.

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Comissão Real

A página da Comissão Real Sobre Respostas Institucionais a Abusos Sexuais de Crianças traz uma série de relatos publicados, sem a identificação do sobrenome das vítimas. Um deles é o do garoto Shane. Colocado por seu pai em um internato católico em 1978 por recomendação de um psicólogo, por causa de algumas dificuldades comportamentais, Shane passou a sofrer abusos sexuais na instituição, aos 12 anos.

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Ele contou ter sido estuprado mais de 200 vezes por religiosos católicos que trabalhavam na escola e por outros estudantes, apoiados por estes sacerdotes. Seu pai, que falou aos comissários, narrou sua conversa com o filho.

— Shane me disse que um dos Irmãos [religiosos] incentivava os meninos a forçar relação um com o outro, e estuprarem diante de 10 ou 15 dos meninos e três ou quatro outros padres. Alguns dos meninos eram maiores, não havia nenhuma maneira no mundo de combatê-los.

Durante os anos que estudou no internato, Shane passava os fins-de-semana em casa, e fingia estar doente nos domingos à noite, quando seu pai o levava de volta à escola.

Os abusos só foram relatados em 2007, quando Shane já tinha 46 anos. Ele disse ao pai que não contou na época porque se sentia envergonhado e culpado. “Eu costumava pensar que sua mãe, morta quando ele tinha 3 anos, fez falta, porque ela faria mais perguntas”, comentou o pai à Comissão. Shane acabou não completando o Ensino Médio, se viciou em cocaína e atualmente cumpre pena de 8 anos e meio na prisão.

Outro caso narrado à comissão envolve padres católicos com a conivência de freiras que dirigiam um orfanato. Audrey conta que aos 7 anos, em 1955, foi levada para a instituição junto com a irmã mais nova. Lá, ela se tornou alvo de abuso sexual de padres que visitavam o local. “A primeira vez em que aconteceu, um padre levou-me para o espaço atrás de uma estátua e me tocou. Depois fez ameaças veladas sobre minha irmã. Eu sempre estava apavorada por ela”.

Com o tempo o abuso tornou-se "mais intrusivo", e Audrey diz ter relatado o caso a pelo menos três freiras.

— Contei à madre superiora e a ela me chamou de mentirosa terrível. Me bateu com um cinto, e após isso, começou a me atingir no rosto e me obrigou a repetir que nada daquilo havia acontecido.

Em uma das várias fugas frustradas, a Madre Superiora a queimou nas pernas. “Depois disso, aos 10 anos, nunca mais falei com ninguém sobre os abusos”. Aos 12 ela deixou de frequentar a escola para trabalhar na lavanderia do orfanato, e aos 18, deixou o local logo após dar à luz e seu bebê depois tirado dela. Anos após, ela entrou em contato com a Igreja Católica que a ofereceu um acordo e 15.000 dólares australianos.

Filho de pais devotos católicos, Matthew acredita que enquanto padres e sacerdotes estiverem proibidos de se casar, o abuso continuará dentro do sistema católico.

— As pessoas pensam que é apenas uma maçã podre na caixa aqui e ali, mas não é. Que tipo de pessoas a Igreja está atraindo mantendo o celibato?

O policial aposentado foi vítima de assédio sexual por um padre quando era coroinha, na década de 1940, o que acabou com a sua fé e o fez ateu pelo resto da vida. “Nunca comentei com meus pais ou irmãos, que ainda são muito religiosos, para não abalar a fé deles, mas para mim essa fé não existe”, contou aos comissários.

Outros casos mostram o impacto que o abuso sexual tem na vida adulta, como com Gloria, que sofreu abusos do pai adotivo ligado a um orfanato católico, que a perseguiu por anos, mesmo após receber um mandado restritivo. Ela tentou se matar duas vezes até controlar o alcoolismo e aprender a lidar com seu passado.

Apenas um dos volumes dos relatórios da Comissão - são três, até o momento - traz 117 citações à palavra ‘católica’, mas os casos estão longe de se restringirem à Austrália.

O padre Fabiano abusou de um jovem com deficiência mental
O padre Fabiano abusou de um jovem com deficiência mental O padre Fabiano abusou de um jovem com deficiência mental

Abusos no Brasil

No dia 6 de junho deste mês, um padre de 28 anos foi condenado a 15 anos de prisão pelo abuso sexual de um garoto de 15 anos de idade com deficiência mental.

Responsável até sua condenação por uma paróquia na cidade mineira de Frutal, Fabiano Santos Gonzaga era padre em Caldas Novas (GO) em junho de 2016, quando teria acontecido o crime. Segundo o depoimento do jovem à polícia, o padre teria se aproximado e perguntado seu nome. Sem resposta, beijou a boca do adolescente à força e pegou em seu pênis, quando os dois ficaram a sós na sauna. Depois, o coagiu a fazer sexo oral.

A defesa do padre alegou inocência e tentou desqualificar a denúncia da vítima. Por conta da deficiência intelectual, o jovem tem idade mental entre 7 e 8 anos.

A juíza responsável pelo caso levou em conta a deficiência mental da vítima como um agravante para o crime, por isso a pena máxima de 15 anos. No dia do abuso, segundo o inquérito, o padre também bloqueou a saída da sauna com o próprio corpo para impedir que a vítima deixasse o local. O padre Fabiano disse ao garoto que ele só poderia sair se fizesse sexo oral.

Agora, o advogado que representa a família da vítima vai entrar com um pedido para que o padre perca a batina e o salário de R$ 1.200 que recebe da Igreja Católica. Segundo reportagem da revista Veja, apesar de a Igreja Católica já ter decretado que o padre não exerça suas funções sacerdotais, Fabiano ainda faz parte do quadro eclesiástico da Paróquia de Frutal (MG).

O filme Spotlight, que narra a história de jornalistas norte-americanos que descobrem um escândalo de assédios na Igreja Católica em Boston traz, em seu final, uma lista de casos de abusos no mundo, incluindo no Brasil. Alguns deles geraram condenações, prisões e pedidos de perdão de bispos.

Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, A maior condenação foi a do padre José Afonso Dé, 82, de Franca, interior de SP, acusado de abuso sexual por quatro adolescentes em 2010. Condenado a mais de 60 anos de prisão no ano seguinte, jamais foi preso. A defesa recorreu ao TJ (Tribunal de Justiça), que concedeu liminar para que ele fique em liberdade até o julgamento, sem data marcada.

Ele ainda recebe visitas de fiéis e faz evangelização de casais, mesmo estando oficialmente afastado das funções. O caso fez o então bispo de Franca, dom Pedro Luiz Stringhini, pedir perdão em nome da diocese.

Em Arapiraca, no agreste alagoano, três religiosos foram proibidos pela instância judicial do Vaticano de rezar missas ou exercer atividades como padres após um escândalo de repercussão nacional. Imagens de um dos religiosos fazendo sexo oral com um dos jovens foram divulgadas em 2010 pelo SBT. Três coroinhas fizeram a denúncia de abuso sexual e o caso foi parar na CPI da Pedofilia, no Senado.

O bispo de Penedo, dom Valério Breda, falou de "vergonha e desonra" em carta aberta aos fiéis sobre as acusações e, assim como no caso de Franca, pediu perdão em nome da igreja.

Já o padre Bonifácio Buzzi, da Arquidiocese de Mariana, cumpriu pena de 2007 até 2015, após ter sofrido duas condenações por abuso sexual de crianças: em 1995, em caso registrado num hospital psiquiátrico; e em 2004, num presídio de Juiz de Fora.

Os últimos casos divulgados de pedofilia envolvendo padres no Rio ocorreram no ano de 2007 e 2013. O primeiro aconteceu em Bangu, zona oeste da cidade. Já o outro no município de Niterói, na região metropolitana do Rio.

O primeiro caso envolveu um padre polonês, que foi acusado de ter abusado de um adolescente de 14 anos. Ele ficou foragido durante três anos até se entregar em 2010. Na decisão que o condenou em primeira instância, o juiz afirmou que o religioso transformou a igreja numa espécie de "masmorra erótica". O jovem teria sido amarrado e preso enquanto sofria os abusos.

No segundo caso, em 2013, o padre Edmílson Soares Corrêa foi indiciado por estupro de vulnerável por ter abusado de duas irmãs, uma de 10 anos e outra de 19 anos. De acordo com a polícia, ambas as crianças foram abusadas durante três anos e ameaçadas para não denunciarem a situação.

Tanto a Arquidiocese do Rio e de Niterói suspenderam os padres do exercício das funções.

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