Museu Judaico de Viena é criticado por possuir objetos roubados por nazistas
Instituição afirma não ter dinheiro para realizar pesquisa de origem, mas reconhece que há obrigação moral de devolver objetos
Internacional|Do R7
Quando o Museu Judaico de Viena foi fundado, em 1988, deveria salvaguardar as obras de arte, livros e as peças judaicas que sobreviveram à tentativa nazista de assassinar seus donos.
Mas agora, 25 anos mais tarde, o museu reconheceu que pode estar de posse de centenas de itens que foram saqueados durante a guerra e que não foram devolvidos às famílias que os perderam.
Um rastreamento do acervo revelou até o momento 490 objetos e mais de 980 livros que os curadores suspeitam que possam ter sido roubados de judeus, incluindo uma dúzia de pinturas do artista Jehudo Epstein.
Essa descoberta destaca a difícil posição em que os museus judaicos podem se encontrar quando se trata de artefatos culturais que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial, segundo administradores de museus e especialistas em restituições.
Não há praticamente nenhuma coleção pública no mundo que não tenha sido condenada por trabalhar devagar demais para devolver itens saqueados pelos alemães.
O que chamou mais atenção nesse caso é que a instituição em questão é judaica, e que, segundo líderes de museus e organizações judaicas, teria a responsabilidade moral de garantir que os itens roubados fossem devolvidos.
Mesmo que a maior parte dos museus se concentre em proteger e exibir suas coleções, de acordo com Marc Masurovsky, fundador do Projeto de Restituição de Arte do Holocausto, os museus judaicos têm uma responsabilidade dupla: cuidar da herança do povo, além de pesquisar e devolver itens recuperados.
— Contudo, em alguns casos, a necessidade de salvaguardar os objetos se sobrepõe à realização de pesquisas de origem.
Parece ser isso o que aconteceu em Viena, admitem os administradores.
"Por razões históricas, as pessoas se sentiam responsáveis por investigar a coleção no que diz respeito a sua origem", afirmou Christian Kircher, membro da diretoria do Museu Judaico de Viena, por e-mail. "Essa atitude mudou completamente nos últimos anos."
Para explicar o histórico do museu de Viena, Danielle Spera, que é diretora desde 2010, afirmou que a instituição ajuda a recordar uma Viena que não existe mais, onde já houve uma grande comunidade de mais de 185 mil judeus, que criou o primeiro museu judaico da história, em 1895, e que abrigava mais de cem sinagogas. Ao final da guerra, essa sociedade estava destruída. O museu foi desfeito; apenas uma sinagoga restou em pé e poucos judeus sobreviveram.
Quando o Museu Judaico de Viena foi reconstituído em 1988, ele se tornou o repositório daquilo que havia sobrado da coleção original, além de outros artefatos perdidos — coroas de Torá, hagadás de Pessach e xales de oração.
O acervo aumentou quando Max Berger, um sobrevivente do Holocausto que procurava artigos judaicos anteriores à guerra em antiquários e leilões durante os anos 1960 e 1970, doou sua grande coleção.
A tarefa de conservar e catalogar esse acervo foi enorme e complicada, afirmou Spera. Não existem listas de transferência ou doação para muitos desses itens, o que torna "qualquer pesquisa de origem praticamente impossível", afirmou.
— Pesquisar a origem de artigos judaicos é muito difícil. Além disso, nossa coleção consiste basicamente de objetos rituais e apenas uma pequena parcela de obras de arte. Nossa situação não é comparável a nenhum outro museu da Áustria.
Ruth Beesch, vice-diretora de administração do Museu Judaico de Nova York, afirmou que pesquisar objetos rituais e artigos judaicos às vezes é impossível, já que não há marcas de identificação, nem rótulos.
Verba
Para complicar a situação em Viena, o museu não tinha verba suficiente, segundo Spera. Durante os cinco primeiros anos de existência, o museu não possuía um endereço próprio. Em 1993, ele se fixou no Palais Eskeles, a antiga residência de um banqueiro judeu que ajudou a fundar o Banco Nacional da Áustria. Em 2000, foi aberto um segundo local na Judenplatz, ao lado das fundações escavadas de uma sinagoga medieval.
Julie-Marthe Cohen, curadora do Museu Histórico Judaico de Amsterdã e autora de Neglected Witnesses: The Fate of Jewish Ceremonial Objects During the Second World War (Testemunhas negligenciadas: o destino de objetos judaicos cerimoniais durante a 2ª Guerra Mundial, em tradução livre), afirmou por e-mail que, "em geral, a falta de verba impede museus judaicos de fazerem pesquisas de origem".
Spera afirmou que os pedidos de verba para fazer esse tipo de pesquisa foram negados pela prefeitura e que o museu não pode pedir verbas federais destinadas a investigações de restituição.
Segundo Spera, quanto ao orçamento do próprio museu, o Palais Eskeles precisava desesperadamente de reparos quando ela assumiu o cargo. Os elevadores não funcionavam, não havia computadores e o ar-condicionado estava quebrado, o que impedia a realização de controles climáticos vitais. Por necessidade, sua primeira prioridade foi o reparo da infraestrutura, afirmou Spera. "A alternativa era fechar as portas."
Ela liderou um grande projeto de reforma que foi concluído em novembro de 2011. Segundo Spera, quando a reforma ficou pronta, ela contratou uma pessoa para pesquisar em meio período a origem do acervo, trabalhando 10 horas por semana.
Em setembro o museu apresentou suas primeiras pesquisas de origem ao Comitê de Restituição de Viena, uma organização governamental, e para a diretoria do Israelitischen Kultusgemeinde, o órgão oficial que representa os judeus de Viena.
Ao todo, a lista continha 61 objetos, incluindo o quadro Paisagem Italiana, de Epstein, um artista judeu cuja assinatura era frequentemente apagada dos quadros pelos nazistas.
Ele deixou a Áustria em 1936, entregando 172 obras a Bernhard Altmann, um fabricante de tecidos judeu que fugiu do país após a anexação da Áustria pela Alemanha em 1938. A diretoria — que tem a responsabilidade de devolver os itens perdidos — votou em outubro pela entrega da obra aos herdeiros de Epstein em Londres, mas o quadro ainda não foi enviado.
Especialistas como Sophie Lillie, historiadora de arte e autora de Was Einmal War, um manual sobre as coleções de arte saqueadas em Viena, afirmou que, embora, o museu pudesse ter feito mais, "não acredito que as atuais críticas sejam justificadas".
Contudo, a atenção trouxe algumas mudanças. A jornada de trabalho do pesquisador passou recentemente a mais de 30 horas semanais, afirmou Spera, e o museu também começou a listar objetos questionáveis na Base de Dados de Arte Perdida, na internet, comandada pelo escritório central de documentação de propriedades culturais perdidas do governo alemão.
Spera, que afirmou viver uma "vida judaica muito tradicional", acrescentou que ficou mortificada com as críticas recentes. A maior parte dos parentes de seu marido morreu durante o Holocausto, afirmou. Seu pai foi enviado a um campo de trabalhos forçados e, quando caíram as bombas aliadas, foi forçado a exumar cadáveres, contou.
"Sinto uma obrigação pessoal", afirmou Spera sobre reunir os donos com seus pertences perdidos há muitos anos.
— Sou absolutamente veemente a esse respeito.
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