O Brasil pode virar uma Grécia? Entenda a crise no país europeu
País não pagou dívida a parceiros. Referendo no próximo domingo decidirá futuro grego
Internacional|Do R7
O calote grego, anunciado na terça-feira (30), tem preocupado autoridades no mundo inteiro. O país deixou de pagar a seus credores uma dívida de 1,6 bilhão de euros.
Como uma nação da União Europeia pode chegar a essa situação? O país sairá da zona do euro? Pode acontecer uma crise global? O Brasil será atingido? Nossa economia, em crise, pode chegar a uma situação semelhante à da Grécia?
Para responder a essas e outras questões, o R7 procurou resumir os últimos eventos da história grega, levantou dados do país e entrevistou os professores Cristina Helena de Mello, do departamento de economia da PUC-SP, e Francisco Américo Cassano, do departamento de economia do Mackenzie.
Confira abaixo as principais questões que envolvem a crise grega.
Por que a Grécia está em crise?
A balança comercial da Grécia não fecha. O país importa mais do que exporta. Isso obriga os gregos a contrair dívidas para fechar suas contas. Até 2008, os juros pagos pelos gregos eram administráveis. Mas, com a crise mundial, o custo dos empréstimos aumentou e fez a dívida grega fugir do controle.
Quando teve início esse problema da balança comercial grega?
É difícil identificar uma data precisa. Mas, antes mesmo de entrar na zona do euro, em 2001, a Grécia sofria com o problema. Em 2009, o país admitiu que tinha uma dívida de cerca de 300 bilhões de euros. Boa parte, eram papéis de curto prazo – ou seja, que tinham de ser pagos logo.
Por que a Grécia pegou empréstimo com o FMI?
Após admitir a dívida, a Grécia recorreu à Tróica (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). Os juros e condições de pagamento da dívida com os três órgãos eram muito mais favoráveis. Entre 2010 e 2011, os gregos acertaram o empréstimo de 240 bilhões de euros com a Tróica. Assim, o país pôde trocar uma dívida sufocante por outra um pouco melhor.
Mas, para receber o dinheiro, a Grécia teve de fazer uma série de ajustes internos, como demissão de funcionários públicos, redução do benefício sociais, aposentadorias etc.
E o que os funcionários públicos e os aposentados têm a ver com a dívida do país?
Para controlar a dívida e começar a pagá-la, o governo precisa economizar. Quanto mais gasta com funcionários e quanto mais benefícios e aposentadorias concede, menos dinheiro sobra. Economistas dizem que existia um descontrole sobre as aposentadorias: pessoas mortas continuavam recebendo repasses, por exemplo. Para piorar, com a economia em crise, a arrecadação de impostos caiu e o desemprego aumentou, ampliando os gastos com benefícios sociais.
Mas, se a Grécia já pegou empréstimo, por que há impasse justamente agora?
Na verdade, o dinheiro da Tróica é liberado em partes. Ainda falta uma última parte de 7,2 bilhões de euros. Mas, para recebê-la, os gregos teriam de quitar uma parcela de 1,6 bilhão, referente às primeiras partes do empréstimo. Além disso, teriam de mostrar que estão cumprindo o plano de ajuste imposto pelos três órgãos.
Mas aí entrou um fator político. Como o plano de ajuste tem dificultado a vida dos gregos — o desemprego, por exemplo, chegou a 26% —, a população, nas últimas eleições, privilegiou os partidos que prometiam renegociar essas condições com os credores. E, em janeiro, foi empossado o premiê Alexis Tsipras.
O líder tentou cumprir sua promessa: reabriu negociação sobre o plano de ajuste, mas a Tróica não aceitou os novos termos: propôs um plano de austeridade mais leve, mas ainda considerado duro pelo premiê.
Com a possibilidade de ter cortados os 7,2 bilhões de euros, que ainda faltam do antigo empréstimo, Tsipras deixou de pagar a parcela de 1,6 bilhões de euros na data correta (terça-feira, 30) e convocou, para o próximo domingo (5), um referendo para saber se a população aceita as condições da Tróica.
Por que, então, a Tróica não aceita afrouxar o ajuste imposto à Grécia?
Parte das condições foram afrouxadas. Mas, entre os membros da Tróica e da União Europeia, existe uma visão de que não é correto ajudar um país que tomou recurso emprestado sob determinadas condições sabendo que não poderia cumpri-las. Os próprios empréstimos concedidos em 2010 e 2011 original passaram a ser questionados. Um afrouxamento maior das condições e um novo empréstimo é visto como um mau exemplo, que pode provocar reações semelhantes de outros devedores.
Por que os bancos foram fechados?
Como qualquer instituição financeira, os bancos gregos não têm notas suficientes para dar a todos os seus clientes caso, num momento de desespero, todos resolvam fechar a conta ao mesmo tempo para guardar euros debaixo do colchão ou comprar ouro.
O governo quis evitar justamente isso: fechou os bancos até o referendo e limitou os saques diários em 60 euros por cartão.
Ainda assim, a população correu aos caixas eletrônicos e retirou tudo o que podia. Para se ter uma ideia, no sábado, quando a medida foi anunciada, metade dos caixas do país ficaram sem dinheiro.
E o que isso tudo tem a ver com a saída da Grécia da zona do euro?
Com o resultado “não” no referendo, a Grécia pode não aceitar as condições da Tróica e, mesmo assim, continuar na zona do euro. É difícil, juridicamente, que um membro da comunidade seja expulso. Mas haverá pressão por parte dos líderes do bloco. E, sem a ajuda dos parceiros, o país pode decidir, por conta própria, deixar o grupo.
Com a volta de sua moeda, o dracma, a Grécia poderia controlar sua taxa de câmbio. Desvalorizando a moeda, por exemplo, o governo conseguiria estimular as exportações e inibir as importações, tornando a balança mais equilibrada.
O problema é que a desvalorização da moeda pode provocar inflação. Um pouco de inflação poderia ser aceitável, mas os preços também podem fugir do controle.
E se vencer o "sim" no referendo?
O premiê Tsipra deve renunciar e a Grécia deve receber mais dinheiro da Tróica. Mas o desemprego pode crescer e as condições de vida no país devem se tornar ainda mais duras.
O que é mais provável: vencer o "sim" ou o "não"?
É difícil prever. A disputa deve ser voto a voto. Mas o "sim" tem crescido nos últimos dias.
A saída da Grécia da zona do euro teria quais consequências para os países do grupo e para o Brasil?
O tamanho da crise que a saída da Grécia pode provocar na Europa é desconhecida. Por isso, o receio dos países do grupo e o pedido de autoridades para que os gregos aceitem as condições de ajuste impostos pela Tróica.
Para o Brasil, a tendência é que o impacto imediato não seja grande. O País pode sentir, inicialmente, fuga de investidores. Mas, enquanto mantiver o chamado “grau de investimento” (ou seja, for considerado um local seguro para se investir), não deve sofrer perdas muito significativas.
O Brasil tem importado mais que exportado, o desemprego segue crescendo e temos déficit na previdência. Podemos chegar a uma situação igual à da Grécia?
É muito difícil o Brasil chegar a essa situação. Em primeiro lugar, o Brasil tem uma moeda própria, o que faz com que a taxa de câmbio torne a balança comercial mais favorável. Em segundo lugar, o País possui uma economia mais robusta e diversificada que a grega, o que faz com que consigamos manter nossas exportações apesar de problemas pontuais de determinadas mercadorias.
Além disso, a dívida brasileira, em relação ao PIB, é bem menor do que a grega: a Grécia deve 177% de seu PIB; o Brasil, cerca de 60%. O último fator que mostra uma posição de conforto para o Brasil são as reservas: o recomendável é que o País tenha, em seus cofres, ao menos três vezes o valor gasto em um mês de importação. A Grécia não chega a isso. O Brasil tem o equivalente a 12 meses.
O Brasil tem realmente importado mais que exportado, mas essa situação é nova. O déficit na Previdência existe. O ajuste fiscal, anunciado recentemente pelo governo, é justamente uma tentativa de equilibrar as contas públicas.
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