O Paraguai cresce, mas muitos ficam para trás
Economia é impulsionada pela produção agrícola, mas crescimento paraguaio só existe em bolsões
Internacional|Do R7
Basta entrar na sede do banco central do Paraguai, um enorme edifício de sete andares rodeado de paineiras em flor, e o recado fica claro: as autoridades mostram com orgulho as tabelas que comprovam o crescimento econômico estonteante do país, que poderá chegar a 13% este ano, fazendo do Paraguai um dos países que crescem mais rapidamente nas Américas.
Contudo, a poucos minutos de carro dali em uma recente manhã, avós caminhavam em meio ao esgoto a céu aberto pela favela labiríntica de La Chacarita, em busca de fios de cobre e latas de alumínio para vender ao ferro velho.
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"Quero saber para onde vai esse crescimento", afirmou Cecilia Aguirre, de 60 anos, mostrando uma sacola plástica com os produtos do dia, avaliados em quatro dólares.
Apertando os olhos sob o sol, ela afirmou que trabalha todos os dias para alimentar os quatro netos que vivem com ela.
Ao ser questionada sobre a boa fase da economia paraguaia, ela acrescentou: "Nunca ouvi falar disso na vida".
Na verdade, impulsionado por safras recorde de commodities como soja e milho, o crescimento da economia paraguaia só existe em bolsões. Em algumas áreas de Assunção, concessionárias vendem Porsches e Audis, enquanto guindastes colocam os toques finais em prédios de luxo como o Icono, um arranha-céu de 37 andares com lofts.
Ainda assim, boa parte do país – que há muito tempo figura entre os mais pobres e desiguais da América do Sul – foi deixada para trás. Mais de 30% da população são pobres, de acordo com o banco central, e o Paraguai está entre os países sul-americanos que menos reduziram a pobreza na última década, de acordo com as Nações Unidas.
O gasto social com projetos de combate à pobreza é mínimo, em grande parte por conta da baixa arrecadação de impostos. O Paraguai não cobrava imposto de renda até este ano e, muito embora a nova alíquota universal seja baixa – apenas 10% da renda bruta –, poucas pessoas serão obrigadas a pagá-la, já que existem milhares de isenções e lacunas na lei. O resultado: o crescimento econômico está acentuando a enorme desigualdade social de um dos países politicamente menos estáveis da América Latina.
"Quase todo o crescimento é gerado por uma agricultura altamente mecanizada, que gera poucos empregos para a população", afirmou Andrew Nickson, especialista na política de desenvolvimento do Paraguai na Universidade de Birmingham, na Inglaterra. "Com um governo que se financia em grande parte por impostos sobre valor agregado e impostos de importação, a situação é parecida com a de um país africano de baixa renda."
Com o mesmo tamanho da Califórnia, o Paraguai não tem acesso ao mar. O país se localiza entre o sul do Brasil e o norte da Argentina, com uma população de 6,5 milhões de pessoas. Cerca de 77 de suas terras aráveis estão sob o controle de 1% da população, de acordo com o mais recente censo da agricultura, o que torna as lutas por terra comuns em todo o país..
Ativistas afirmam que grandes propriedades foram distribuídas ilegalmente por autoridades corruptas, o que levanta dúvidas sobre muitas terras. Em um confronto especialmente sangrento ocorrido em junho do ano passado, 11 agricultores e seis policiais foram mortos em Curuguaty, estado produtor de soja no leste de Paraguai.
Os legisladores viram o episódio como uma boa oportunidade para tirar do poder o ex-padre católico Fernando Lugo, que foi eleito presidente em 2008 e colocou fim a seis décadas de domínio unipartidário. No início, esperava-se que Lugo concentrasse forças para diminuir a desigualdade no país, mas o presidente encontrou diversos obstáculos ao longo do caminho.
O novo presidente do Paraguai é um dos homens mais ricos do país, o magnata do tabaco Horacio Cartes, eleito em abril após promover políticas conservadoras, voltadas para os negócios, durante sua campanha. Ele reconheceu que a pobreza é um problema, mas foi vago quanto às formas de resolvê-la, além de tentar criar mais empregos por meio do investimento privado.
Os economistas do governo continuam firmes em relação ao crescimento, argumentando que o Paraguai está se levantando após décadas de ostracismo na economia global – depois de ser devastado pela guerra que dizimou a maior parte de sua população masculina no século XIX e que continuou causando estragos durante o século XX em função do governo do general Alfredo Stroessner, um dos ditadores mais longevos do mundo.
Em janeiro, o Paraguai vendeu 500 milhões de dólares em títulos da dívida pública nos mercados internacionais, uma fonte rara de financiamento em um país ignorado pela maior parte dos banqueiros estrangeiros durante décadas. Os níveis de inflação e desemprego continuam baixos, totalizando menos de dois e 6%, respectivamente, e o índice geral de pobreza caiu de 44% em 2003 para 32% em 2011, afirmou Roland Horst, membro da diretoria do banco central.
"Temos problemas esporádicos com agricultores", afirmou Horst em uma entrevista. "Mas há menos tensão do que há 10 anos."
Ele afirmou que o governo tentou reduzir a pobreza, destacando que um programa que fornece pequenas bolsas para famílias em extrema pobreza foi iniciado em 2005 e atualmente inclui mais de 75 mil famílias. Contudo, outros economistas duvidam dessas afirmações positivas, uma vez que a economia continua sendo sujeita a grandes desequilíbrios, crescendo neste ano graças a um clima favorável para determinados tipos de lavoura, após uma pequena queda em 2012, quando o país enfrentou uma seca.
Eles também afirmam que os programas de bem estar social paraguaios são pequenos demais se comparados aos programas de combate à pobreza de países vizinhos, que retiraram dezenas de milhões de pessoas de situações desumanas de vida. Eles culpam a fraqueza relativa do Estado paraguaio, com uma arrecadação de impostos que corresponde a apenas 18% do PIB, um número menor que o de países africanos como o Congo e o Chade.
"As estatísticas que mostram níveis de desemprego historicamente baixos são uma farsa", afirmou Luis Rojas Villagra, economista da Universidade Nacional, que estima que quase metade da mão de obra paraguaia esteja desempregada ou subempregada, com salários e condições de trabalho degradantes.
"Como é possível reconciliar o fato de que centenas de pessoas sobrevivem todos os dias com o que recolhem no depósito de lixo de Assunção, enquanto os paraguaios são os turistas que mais gastam em Punta del Este?", afirmou Rojas Villagra, referindo-se à cidade uruguaia onde muitos paraguaios ricos passam férias ao lado de argentinos e brasileiros endinheirados.
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