Venezuelanos que migraram para o Brasil revelam: "Comíamos uma vez ao dia"
País registrou a maior inflação do mundo em 2015, alcançando 180%
Internacional|Marta Santos, do R7
Em meio à profunda crise econômica, escassez de produtos e aos altos níveis de inflação que atingem a Venezuela, muitos cidadãos estão deixando o país em busca de uma vida para melhor. O Brasil foi o destino escolhido por 41.939 venezuelanos somente este ano. Número que já ultrapassou o de 2015, quando 31.373 venezuelanos atravessaram a fronteira, de acordo com dados da Polícia Federal.
Um dos principais fatores que afetam a vida da população é a inflação. Em 2015, o país registrou a maior inflação do mundo: 180%. Segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), esse número tende a piorar. Para este ano, a inflação deve atingir os 480%, e subir para 1.640% em 2017. Nesse cenário, a Venezuela chega perto do auge da hiperinflação brasileira, registrado em 1993, que alcançou 2.500%.
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O agravamento da crise levou muitos venezuelanos a deixarem o país, entre eles, Alberto Cedeño, que tomou a decisão de se mudar para São Paulo. A viagem deve acontecer em agosto deste ano. Cedeño, de 31 anos, é separado e tem dois filhos pequenos, de cinco e nove anos.
— Não tenho lugar para ficar e nem trabalho arranjado, somente a vontade de sair do meu país. Emocionalmente, é muito difícil deixar a família e tudo para trás, mas acho que é mais difícil ainda viver na Venezuela. Eu não sei como a situação do meu país aparece aí no Brasil, mas garanto que a crise é bem mais difícil do que as notícias mostram. Meus filhos são a principal razão para eu deixar o país. É que preciso dar uma melhor qualidade de vida para minha família. Infelizmente, eu não posso levar meus filhos comigo agora, mas este é meu plano a médio prazo.
Thomas Enrique Jimenez, um empresário do ramo de construção, deixou a Venezuela há um ano com a mulher a filha de dois anos. Todos estão vivendo em Boa Vista, Roraima. Jimenez está desempregado, fazendo apenas trabalhos independentes como pintor, jardineiro e lavador de carros.
— Estou muito feliz porque com isso eu mantenho a mina família e mando dinheiro para a Venezuela para minha mãe e familiares. Antes da crise, não vivíamos cheios de riqueza, mas também nada nos faltava. Depois, nós comíamos uma vez ao dia, porque pensávamos primeiro no nosso bebê. Todos da minha família, vizinhos, estamos deixando o país um a um.
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Uma combinação de fatores políticos e estruturais agravaram a crise venezuelana, entre eles, o fato de o país ser muito dependente da importação de produtos e de o preço petróleo ter caído. Já o presidente, Nicolás Maduro, também acusa governos (principalmente dos EUA), líderes e organizações empresariais de direita de terem participação na crise, com o intuito de desestabilizar seu governo socialista.
Na prática, entre os principais problemas enfrentados pela população, estão a baixa oferta de alimentos, produtos de higiene e medicamentos, além dos frequentes cortes de eletricidade e água. A escassez de produtos de primeira necessidade já acontece há quase dois anos, mas voltou a se intensificar este ano, conta Cedeño.
— Na minha cidade, Maturín, temos que sair às ruas todos os dias para tentar comprar produtos básicos no que podemos chamar de “mercado negro”, que é um sistema de trocas por meio das redes sociais. Não há produtos nos mercados e o que se encontra, geralmente, está 500% acima do preço normal. Entre as coisas que estão mais escassas estão a farinha de milho, farinha de trigo, manteiga, leite em pó, carne, frango, ovos, farinha de aveia, café, açúcar, arroz, macarrão etc. Todos os produtos da cesta básica. Na minha família, compramos e que podemos e quando podemos, mas é sempre pouca coisa.
O venezuelano vive, hoje, com os pais e uma irmã mais nova. Apenas ele está empregado, mas o trabalho para uma construtora privada não garante mais a renda no fim do mês.
— A PDVSA (Petróleos de Venezuela) é a principal cliente da empresa para a qual trabalho. Há três meses, recebi uma mensagem dizendo que não poderiam mais pagar o seu salário, porque eles tampouco estavam recebendo.
Jimenez também afirma que a situação da sua cidade-natal, Guayana, também estava “precária e caótica”.
— Não há produtos de primeira necessidade e não se consegue comprar comida em nenhum lugar. Eu viajava uma vez por semana para Caracas, que fica a 850 km da minha cidade, e ficava em filas de um dia, as vezes até dois, para comprar pão e leite, lenços umedecidos para minha filha. E só me vendiam um de cada produto por semana. O pouco que se consegue nas ruas, está com preços que jamais poderíamos comprar para manter a família. Por exemplo, o salário mínimo do governo é 15.051 bolívares por mês, mas o preço de um frango pequeno é de 5.500 a 6.500. Um quilo de arroz custa 2.500 e um litro de leite 10.000 bolívares.
Além dos produtos alimentícios e de higiene, Jimenez lembra que a falta de medicamentos também atinge a população.
— Há poucos medicamentos, não há nada para hipertensão, diabetes, câncer, lúpus, HIV, malária. Os hospitais estão muito mal, não há material cirúrgico, não há vacinas para os bebês, que estão morrendo diariamente nas maternidades.