Homicídio em BH leva em média 9 anos para ir a júri, aponta estudo
Conclusões de inquéritos pela polícia chegam a levar mais de 700 dias
Minas Gerais|Enzo Menezes, do R7
Em média, a família de uma vítima de homicído, em Belo Horizonte, só verá o julgamento do suspeito do crime depois de 9,3 anos. A conclusão faz parte do estudo "O tempo do processo de homicídio doloso em cinco capitais", realizado por sete professores universitários e publicado pelo Ministério da Justiça. Além da falta de resposta do Estado ao crime, a situação incentiva a prática de crimes.
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Em BH, as análises de pesquisadores do Crisp (Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública), da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), apontam que a falta de punição é provocada por um sistema que se alimenta da lentidão: falta de flagrantes, atraso nas investigações e burocracia do judiciário contribuem para a falta de resposta a crimes violentos - o que estimula a prática de mais homicídios, segundo a professora Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro.
O estudo se baseou em 200 processos baixados em BH em 2013 para apontar a demora em cada fase da investigação policial e do processo. Em média, o tempo entre o crime e a conclusão do inquérito chega a 742 dias, ou dois anos. Um dos casos analisados levou inacreditáveis 13,5 anos para ser fechado pelo delegado. Sem o flagrante, os policiais têm dificuldade em reunir evidências no local e apontar suspeitos com a ajuda de testemunhas.
O prazo entre a aceitação da denúncia e a primeira audiência de instrução leva, em média, 195 dias. Depois das audiências, em que os juiz analisa laudos, as testemunhas são novamente ouvidas e promotor e defensor apresentam seus argumentos, o juiz dá a sentença - que pode determinar a realização de júri popular. Esse período ocupa mais 320 dias, em média, nas Varas Criminais de BH. Portanto, entre a aceitação da denúncia e a sentença de pronúncia, os casos levaram mais 583 dias na capital mineira. Finalmente, a Justiça marca o júri popular. Hora de nova maratona em Belo Horizonte: 1.209 dias, ou 3,3 anos.
Confira a seguir trechos da entrevista com a pesquisadora Ludmila Ribeiro:
Impunidade
— O atraso apresenta uma série de problemas. O primeiro dele é a ausência de uma resposta institucional adequada ao delito. O segundo é um aumento da quantidade de homicídios. Por mais incrível que possa parecer, se o sistema de segurança pública e justiça criminal fosse mais eficiente, provavelmente, retaliações seriam evitadas. O que constatamos é a extinção do processo pela morte do réu em razão de assassinatos muitas vezes relacionados a outros homicídios.
Sem flagrante, punição fica mais distante
— A ausência do flagrante atrasa o andamento do caso por impedir o registro imediato do crime, o apontamento instantâneo de um suspeito e, ainda, a coleta de uma série de provas testemunhas (pessoas que viram o crime) e periciais (local de crime, balística e exame de corpo de delito). Logo, quando a polícia não é capaz de registrar o delito no momento de sua ocorrência ela deve reunir uma série de indícios para reconstituir o que houve e apontar um suspeito. O flagrante é importante porque, geralmente, resulta na prisão imediata do suspeito pela prática do delito, o que diminui alguns dos prazos processuais (por exemplo, o inquérito policial deverá ser concluído em 10 dias e não em 30 dias) e, também, aumenta a velocidade de outras fases de processamento, já que réus presos têm prioridade para julgamento em relação a réus soltos.
Burocracia emperra soluções
O ponto nevrálgico do sistema está longe de ser falta de servidores ou a existência dos arquivos em papel. Logo, aumentar a quantidade de servidores e a digitalização dos processos, provavelmente, terá pouco ou nenhum impacto no tempo de processamento. Existem problemas mais crônicos que dizem respeito à própria ritualística processual penal. Todas as manifestações devem ser por escrito e antes da audiência em razão de o nosso direito ser excessivamente cartorial e não permitir qualquer tipo de surpresa. A ideia de que todos os operadores irão se reunir em uma audiência não acontece como vemos nos filmes. Além disso, todas as provas coletadas na polícia devem ser reproduzidas em juízo.
Possíveis soluções
O ideal seria uma ampla reforma do Código de Processo Penal – como fez o Panamá em 2008 – adotando o procedimento acusatorial oral como princípio mestre do processo penal. A fase policial deveria perder o seu caráter inquisitorial, coordenada por um juiz de garantias, responsável pela revisão judicial de procedimentos como prisão e indiciamento. Com isso, todos os operadores trabalham em conjunto desde o registro do crime. A fase policial não precisaria ser repetida em juízo, a investigação seria supervisionada pelo MP e pelo juiz, acabando de vez com os pedidos de dilação de prazo.