Ação de “lei e ordem” na Cracolândia vai contra programa da prefeitura e não funciona, diz procurador
Policiais jogaram bombas de efeito moral contra dependentes químicos na tarde de ontem
São Paulo|Bárbara Garcia, do R7
O procurador regional substituto dos Direitos do Cidadão, Jefferson Aparecido Dias, criticou a violenta ação da Polícia Civil contra os dependentes químicos na Cracolândia, região central de São Paulo, realizada na tarde desta quinta-feira (23). Para ele, a medida vai de encontro ao programa de reabilitação que a prefeitura começou a implantar na última semana, a Operação de Braços Abertos.
— Dá impressão de que é uma briga entre prefeitura e Estado. A prefeitura apareceu com uma proposta alternativa ao Estado, que estava com uma proposta de lei e ordem que não funciona.
Ele avalia que o uso das forças de segurança para combater o problema dos dependentes químicos que moram nas ruas do centro já foi adotado pelo Estado outras vezes e fracassou.
— Acho inadequado. Já fizeram isso outras vezes. Fazem essa ação mais midiática e abandonam os moradores da região a sua própria sorte. E cada vez volta pior o problema. É um equívoco que beira a irresponsabilidade de quem organizou a ação.
Veja imagens da ação da Polícia Civil na Cracolândia
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No início do mês, o MPF (Ministério Público Federal) instaurou um inquérito para apurar quais medidas a União, o Estado e o município estão adotando para lidar com essa situação, que já existe há anos. De acordo com o procurador, em uma reunião realizada no dia 8 de janeiro, representantes das três esferas de poder concordaram, “quase que por unanimidade”, que as intervenções violentas na região já se mostraram ineficazes.
— Espero que essa atuação do Estado seja um fato isolado e não uma postura de governo. Espero que não vá quebrar a confiança [dos usuários de crack com o poder público]. Que eles consigam modificar isso, mas sempre há um risco.
A ação desta quinta-feira foi protagonizada por policiais do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), que foram até a região sem comunicar a prefeitura e a Polícia Militar. Após abordagem e prisão de suspeitos, os agentes lançaram bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo nos usuários, que estavam concentrados na rua Barão de Piracicaba. O grupo revidou jogando pedras.
Pouco depois, o prefeito Fernando Haddad se pronunciou reafirmando o compromisso do governo municipal em manter o programa assistencial e classificou a ação da polícia como “desnecessária” e "lamentável".
— Eu caracterizo como lamentável. O que houve foi uma ação da Polícia Civil sem que a prefeitura e a própria Polícia Militar tivessem conhecimento, rompendo um diálogo muito produtivo e profícuo. Todas as ações naquela região têm sido pactuadas com o governo do Estado e essa ação não foi pactuada com o governo municipal. O governo municipal não tinha o menor conhecimento do que ocorreria ali e se nós tivéssemos tomado conhecimento, não concordaríamos com a maneira como foi precedido.
A SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou, por meio de nota, que a ação foi legítima e que os policiais não utilizaram balas de borracha. Segundo o texto, “houve resistência, três policiais foram feridos e três viaturas danificadas. Os policiais buscaram reforço e realizaram quatro flagrantes por tráfico de drogas".