Antes foco de violência, praça na Pompeia é revitalizada por moradores
Grupo criou coletivo para cuidar e ocupar o local, realizando atividades e festivais
São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7
Quem visita pela primeira vez a praça Homero Silva, na Pompeia, zona oeste da capital paulista, não imagina que, em um passado recente, a principal característica da área era o abandono. Até meados de 2013, mato e lixo dominavam a paisagem local. Frequentar o lugar, então considerado foco de insegurança pelos que vivem no bairro, era algo impensado.
Esta realidade ganhou outro contorno quando um grupo de moradores resolveu converter inquietação em ação. Nascia o coletivo Ocupe & Abrace. Organizados, eles passaram a cobrar do poder público a limpeza e a manutenção dos 12.000 m² de extensão da área, que tem uma peculiaridade: concentra várias nascentes do Córrego Água Preta.
Mas era preciso fazer mais. Como sugere o nome do grupo, os participantes decidiram ocupar o lugar e “abraçá-lo”. Com recursos próprios, iniciaram um processo de revitalização. Aproveitaram o potencial hídrico e construíram um lago, onde colocaram carpas e plantas no entorno. Eles também recuperaram nascentes, plantaram árvores, instalaram bancos e balanços e trabalham na conscientização sobre a preservação da praça. Grande parte das ações foi realizada com o apoio de outros moradores e coletivos da cidade.
Integrante do Ocupe & Abrace, a arquiteta Luciana Cury, 42 anos, explica ao R7 como foi o processo de transformação da praça Homero Silva em “praça da Nascente”.
— Tudo começou com o concurso de um portal que oferece espaço para as pessoas intervirem na própria cidade. Você pode entrar lá e fazer propostas para seu bairro, sua cidade. Houve um concurso chamado “A Pompéia que se quer”. Em uma das reuniões, fizeram uma dinâmica para que todos apresentassem um sonho para Vila Pompeia. As propostas foram parar no portal e aconteceu uma votação aberta. A mais votada foi a revitalização da praça Homero Silva.
Luciana, que nem sabia onde ficava a tal “praça gigante”, gostou da ideia. Em abril de 2013, começou a se encontrar com outros moradores e os envolvidos passaram a discutir meios para concretizar o que estava ainda no plano das ideias. Era consenso que ocupar o lugar seria uma maneira de aumentar a segurança no local. Para isso, a estratégia foi organizar um festival na praça. A vocação hídrica do lugar inspirou o nome do evento: Praça da Nascente.
Apesar do dia chuvoso e do frio, cerca de 400 pessoas passaram por lá na primeira edição do festival.
— Pensamos que havia uma fala nesta presença. Ela indicava uma falta de lazer nesse lugar.
Com o sucesso, o grupo se animou e vieram outros festivais, todos com autorização do poder público. Só que ao invés de a cada 15 dias ou mês, seria um para cada estação do ano. O próximo está marcado para o dia 9 de novembro e terá como tema a importância de cuidar da água e das nascentes.
Mas era preciso uma ocupação ainda mais efetiva, enfatiza a arquiteta.
— No meio do caminho, pensamos: “Não dá para ter em um dia a cada estação do ano, um bando de gente na praça. Temos que ter isso pulverizado". E começamos a pensar nas ações de domingo. Todo domingo, fazer o Tai Chi Chuan. Um domingo por mês, ter a roda de capoeira. Em outro, ter a roda de tambores, piqueniques.
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Também integrante do Ocupe & Abrace, a jornalista Adriana Carvalho, 43, não disfarça o orgulho ao falar sobre a transformação sofrida pela praça. Ela aponta o lago como a principal atração do local.
— Era um lugar onde ninguém passava e hoje é um lugar onde as crianças podem ver peixe, podem bater o pé na água. A aula de Tai Chi Chuan é ao lado do lago.
Projeto multidisciplinar
A iniciativa do coletivo chamou a atenção do LabVerde da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo) e um dos pesquisadores, José Otávio Lotufo, resolveu levar a experiência para dentro dos muros acadêmicos. Uma parceria foi desenhada com a comunidade e, no final de 2013, opiniões de moradores foram colhidas durante um workshop. A pergunta central do encontro era o que eles desejavam para a praça da Nascente. As respostas foram matéria-prima para um estudo preliminar de intervenção no local, com obras de drenagem e de acessibilidade, jardins de chuva para a retenção de água, entre outros.
Lotufo explica que, por ora, há apenas um anteprojeto e classifica o trabalho como “completamente inovador e assustador”.
— O projeto que queremos fazer sai completamente da forma usual, sai do café com leite. Envolve uma equipe multidisciplinar, que além de arquitetos, paisagistas, vai contar com topógrafo, engenheiro hidráulico, biólogo [...] Queremos fazer um sistema de drenagem ecológica, que pegue a praça e também o entorno, porque a visão é sistêmica.
Devido à complexidade e ao alto custo, o pesquisador aposta em uma parceria público-privada como um caminho para viabilizar o projeto.
— O que queremos fazer tem um caráter técnico, ecológico e simbólico. Na verdade, seria o início de uma transformação a longo prazo de toda bacia hidrográfica até chegar ao rio Pinheiros. O projeto de recuperação da praça da Nascente é a recuperação de uma área de nascente de um rio que, na medida do possível, deve vir à superfície. Queremos criar um parque linear que conecta a praça da Nascente ao rio Pinheiros.
Para sair do papel, há um impasse: é necessário que seja assinado um termo de compromisso entre a Subprefeitura Lapa, responsável pela área, e a USP, o que ainda não aconteceu. A Subprefeitura Lapa informa que aguarda documentação por parte da LabVerde para dar continuidade ao processo.
Verba travada
Enquanto o projeto ainda é um sonho, o coletivo Ocupe & Abrace se mobiliza para melhorar cada vez mais a praça da Nascente. Segundo a arquiteta Luciana Cury, duas verbas seriam destinadas para o local. O dinheiro, que deveria necessariamente ser usado neste ano, ainda não foi liberado. Ele seria investido na instalação de corrimão, parquinho para as crianças, bancos e equipamentos de exercício para a terceira idade.
Uma das verbas é proveniente da emenda 12.009 do deputado estadual Carlos Neder ao Projeto de Lei 686 /2013 [orça a receita e fixa a despesa do Estado para o exercício de 2014]. Questionada sobre o dinheiro, a assessoria de imprensa do parlamentar se limitou a informar que a emenda está em tramitação e que “maiores informações somente após o período eleitoral”.
Outra verba viria a partir de uma emenda do vereador Ricardo Young ao Projeto de Lei 695/2013, referente ao orçamento do município em 2014. Conforme a assessoria de comunicação de Young, a emenda destina R$ 100 mil para a “Revitalização da Praça Homero Silva”. A assessoria informa ainda que, em setembro, o órgão executor, que é a Subprefeitura da Lapa, aprovou a emenda e que está em contato com o secretário Municipal de Relações Governamentais, Paulo Frateschi, para a liberação do recurso.
Ainda de acordo com a assessoria, a expectativa é de que a verba seja liberada nas próximas semanas, mas que isto não depende de ações do mandato, e sim, do Executivo.
A Subprefeitura Lapa, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, afirma que já está em tratativas para andamento das duas emendas.
Cobiça do setor imobiliário
A revitalização da praça da Nascente despertou a cobiça do setor imobiliário e virou motivo de preocupação para o coletivo, que acionou o Ministério Público, pedindo que a situação seja investigada. Conforme Luciana, moradores do entorno da praça relataram ter sido sondados por construtoras, que demostram interesse em comprar os imóveis.
Assessoria do MP confirma que o órgão recebeu uma representação no dia 1º de outubro e que a promotoria “está apurando a veracidade dos fatos”.
Luciana enfatiza que se trata de uma situação especial.
— Temos aqui nascentes e essa área verde.
A jornalista Adriana Carvalho completa:
— O Código Florestal, aprovado em 2012, determina que não pode haver edificações em um raio de 50 metros de nascentes, o que inviabilizaria empreendimentos no local. Mesmo porque, além das nascentes catalogadas dentro da praça, sabemos que há nascentes dentro da casa das pessoas.
O grupo criou ainda um abaixo-assinado presencial e virtual, que até as 16h de quarta-feira (15), contava com a adesão de mais de 3.000 pessoas.