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Após inspeção da Cracolândia, procurador não descarta responsabilizar governantes

Isso pode ocorrer caso sejam comprovadas omissão e negligência por parte do poder público

São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7

Pedro Antonio de Oliveira Machado considerou "muito triste" o cenário que encontrou na Cracolândia
Pedro Antonio de Oliveira Machado considerou "muito triste" o cenário que encontrou na Cracolândia Daia Oliver

Marcação cerrada. É desta forma que o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Pedro Antonio de Oliveira Machado, pretende acompanhar a atuação da União, do Estado e do município em relação ao enfrentamento do problema da concentração de usuários de crack no município de São Paulo. Um dos principais focos é a região conhecida como Cracolândia, no centro da cidade.

Machado instaurou inquérito civil público com a finalidade de verificar quais as providências concretas estão sendo adotadas pelas três esferas. Em entrevista ao R7, o procurador deixou claro que, se necessário, poderá responsabilizar os gestores públicos, caso verifique omissão ou falta de efetividade nas ações para lidar com a questão.

— Se ficar comprovado que há omissão, negligência reiterada e flagrante por parte dos gestores públicos, é possível, inclusive, a responsabilização pessoal. Acredito que não chegaremos a este ponto. O Ministério Público quer ser o elemento catalisador de forças e contribuir nessa temática, no sentido de estudarmos juntos, uma maneira de melhor enfrentar a questão, porque as medidas que foram adotadas até agora ou não surtiram o efeito desejado ou muitas delas ficaram em promessas e não foram implementadas.

Machado, que sem se identificar esteve na Cracolândia no início da noite de 9 de dezembro de 2013, reconheceu que não se trata de um problema de fácil solução, mas avaliou que há um “déficit de ações públicas” voltadas para o tema.


— Não é uma questão fácil. Definitivamente, é bom que isso fique claro, mas o que foi feito até o momento não surtiu resultado e isso se vislumbra em uma das últimas ações de mais impacto [Operação Cracolândia, deflagrada em janeiro de 2012], realizada pelo Estado de São Paulo, que foi a dispersão das pessoas que se concentravam naquela região [...] Realmente, o poder público está em débito para com a solução desse problema. Não digo que seja fácil, mas há um déficit de ações públicas mais efetivas para resolver o problema.

Ainda sobre a operação de 2012, ele considerou a intervenção “equivocada”.


— Em razão da força policial, houve a dispersão, mas eles [usuários] estão se reaglutinando na mesma área. Além disso, o problema acabou se dispersando pela cidade de São Paulo.

O procurador acrescentou que a situação é "muito mais profunda” e que não será contornada com “políticas higienistas”.


— Mesmo a política de segurança pública nesses locais é uma política de segurança diferenciada. Tudo isso precisa ser conversado, muito bem planejado para tentar fazer com que o problema seja minimizado.

Multidisciplinaridade

O procurador explicou que a preocupação ao instaurar o inquérito civil público, neste primeiro momento, é verificar se ocorre “multidisciplinaridade dentro do mesmo nível de governo e também se há uma ação integrada” entre União, Estado e município. Ele destacou a importância de ações conjuntas envolvendo diferentes pastas, como segurança pública, saúde e assistência social.

— Por exemplo, a saúde é dever dos três entes da federação. Quando se fala em políticas de combate às drogas, também é uma obrigação que envolve os três. Então, é preciso que haja um esforço e uma ação harmoniosa entre esses três entes, até mesmo para otimizar recursos.

Na terça-feira (7), foi realizada, na sede da Procuradoria, a primeira reunião com os envolvidos.

— Esta foi a preocupação ao fazer a reunião: chamar representantes dos três níveis de governo e verificar se está havendo essa intersetorialidade e também essa harmonia de atuação.

Segundo ele, a informação fornecida pelos representantes que estiveram no encontro foi de que há interação entre as diferentes áreas.

— Agora, cabe ao Ministério Público tentar se certificar na prática se isso realmente vem ocorrendo e se as providências que foram relatadas serão efetivamente implementadas.

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Ele completou enfatizando que não basta tirar o dependente químico das ruas.

— É preciso saber o que você vai colocar no lugar da droga. Para a maioria daqueles que se encontram ali, entre a droga e o usuário há sempre uma história de tragédia, seja familiar, seja de abuso sexual no lar, seja de violência doméstica, seja de abandono de pais [...] Compulsoriamente, que é pior ainda, mesmo voluntariamente, tirar a pessoa dali e não fazer um trabalho de requalificação ou de qualificação profissional, de busca de emprego, será como enxugar gelo. A pessoa tende a voltar.

Sobre o anúncio do prefeito Fernando Haddad de que pretendia recuperar usuários de drogas da Cracolândia com oferta de empregos, o representante do Ministério Público Federal considerou boa a iniciativa. Ele lamentou a ausência do chefe do Executivo Municipal na reunião.

— Acho que é uma boa iniciativa. Não sei como ela será implementada. Às vezes, a forma como é implementada pode não dar um bom resultado. É preciso ser acompanhado com cautela. Agora, o que eu lamento é que nessa reunião, o prefeito não compareceu e não indicou um representante para falar por ele.

O procurador mencionou ainda outras ausências, como a do governador Geraldo Alckmin e a do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e afirmou que este foi o “aspecto negativo” da reunião.

— Espero que isso não ocorra nas próximas reuniões. O Ministério Público vai convidar para novas reuniões, vai solicitar que sejam feitos novos comparecimentos para a avaliação das políticas e para verificar se há necessidade de mudança de rumos. Acho que essa é uma preocupação de toda a sociedade e acho que a sociedade espera que os homens públicos se preocupem com essa questão e que a tratem com seriedade.

Cenário triste

Machado classificou de “muito triste” o cenário que encontrou na Cracolândia. Com uma câmera oculta, ele registrou a visita e encontrou pessoas vivendo em condições sub-humanas, jovens – possivelmente menores de idade – consumindo drogas, mau cheiro e falta de higiêne. Para ele, ficou patente a ineficiência das políticas sociais implementadas no local.

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